Colunas

Sou Você Amanhã

Na Nigéria, três quartos de século de ‘atividades sustentáveis’ acabaram com a floresta. No Brasil, a corrupção sistêmica torna-me pessimista sobre as concessões florestais.

11 de abril de 2008 · 17 anos atrás
  • Fabio Olmos

    Biólogo, doutor em zoologia, observador de aves e viajante com gosto pela relação entre ecologia, história, economia e antropologia.

“Não somos daqueles que defendem a Amazônia como um santuário da Humanidade”. Luiz Inácio Lula da Silva, em visita à Guiana Francesa. (OESP, 13/fev/2008).

Precisava falar, presidente?

Com o auê gerado pelo mais que retorno em grande estilo do desmatamento Amazônico e do Cerrado, nosso presidente comunicou ao mundo que o agronegócio não é o responsável pelas áreas de florestas que imagens aéreas e de satélite mostram terem sido derrubadas, queimadas e convertidas em pastagens e plantações de soja.

Alguns colegas ironizaram que Lula deve acreditar que o desmatamento é resultado de árvores cometerem harakiri em massa (presumivelmente usando motosserras) e se atearem fogo. Outros apontaram a afirmação como mais um produto da ignorância de nosso presidente.

Discordo. Lula pode ser um ignorante do tipo que não sabe apontar o rio Solimões em um mapa ou explicar o ciclo hidrológico. Mas nosso presidente tem inegável inteligência política, e suas reações de primeira hora à divulgação da retomada do desmatamento mostram que ele sabia muito bem o que acontecia e suas implicações. Mostra também quais são suas prioridades, e a sensação de que o que lhe importa é a popularidade, que na sua cabeça o autoriza a falar e fazer qualquer coisa.

A afirmação dissociando o desmatamento do agronegócio se junta à folclórica série “nunca antes na história deste país”. E a afirmações, pouco mais antigas, de que ele nada sabia sobre o Mensalão. Lula não é ignorante, mas também não é amigo da verdade. Parafraseando o próprio, suas frases são uma cadeia de tumores que indicam um câncer bem real, e lhe valeriam descomposturas de Kant e Aristóteles.

Ser econômico com a verdade faz parte do jogo político, e é fato que pelo menos 18% do desmatamento amazônico é resultado de nossa imbecil política de “reforma agrária” (responsabilidade direta do governo federal). Mas é impossível não se sentir mal diante do uso da técnica em apoio à boçalidade predatória do setor majoritário do agronegócio. Aquele que, com a cabeça no século XVI, vê o futuro do Brasil em campos infinitos de soja, cana e pastagem enquanto promovem horrores como a escravidão, a jagunçagem, a grilagem de terras públicas e a música breganeja.

Pelo menos este pessoal é coerente. Não apenas estão repetindo o processo que gerou as cidades mortas do Vale do Paraíba (aguardem a próxima recessão global), como usam contra as áreas de reserva legal o mesmo argumento (“direitos adquiridos”) que usavam contra o fim da escravidão. Ao ler as entrevistas de expoentes do setor dizendo que o agronegócio nada tem a ver com o desmatamento, dá para ver que a turma também é adepta do uso do ouvido alheio como penico. Esses são os heróis de nosso presidente.

A agropecuária brasileira combina tanto o melhor em produtividade e eficiência em alguns setores, como o pior em arcaísmo e desperdício de outros. Há um longo caminho até que o setor como um todo possa ser chamado de social e ambientalmente responsável. Continuamos desmatando enquanto temos 16,5 milhões de hectares (ha) de pastagens abandonadas na Amazônia. Bela modernidade.

Enquanto o mundo queima surgem iniciativas que parecem ecologicamente corretas. Se fazem diferença é outra história. O supermercado onde faço compras vende bifes de “boi verde”, vindo do Mato Grosso do Sul. O site informa que se trata de boi “orgânico” (sempre quis ver um inorgânico) criado em pasto sem pesticidas e tratado com homeopatia. Em nenhum lugar informa se o tal “boi verde” é produzido por fazendas que respeitam suas APPs e reservas legais, e não estão entre as responsáveis por Mato Grosso do Sul perder cerca de 100 mil ha de florestas por ano. Nem se o “boi verde” não colabora para o processo que fará o Pantanal deixar de existir em 40-50 anos.

Como consumidor eu ficaria feliz em saber se os bifes que compro não subsidiam o fim do Pantanal. Como não me informam, prefiro carne uruguaia ou argentina.

Economia com a verdade é comum para justificar políticas públicas baseadas em convicções dos que as alardeiam (ou de quem os pagou para tê-las). Muitas, mesmo se populares entre as massas acríticas que caracterizam o eleitorado dominante, encontram pouco apoio quando cotejadas com a realidade objetiva. A questão ambiental é farta neste aspecto.

O exemplo vem de cima. Mesmo que a demografia das árvores permita a exploração madeireira sustentável e lucrativa das florestas públicas, ainda uma hipótese, a ausência do Império da Lei e a corrupção sistêmica que contaminam o Brasil me tornam pessimista sobre as concessões florestais. Visitei o futuro e voltei para contar.

Leia também

Salada Verde
11 de julho de 2025

Câmara aprova PL que proíbe testes de cosméticos em animais

Projeto de Lei 3.062/2022 acaba com uso de animais em atividades de ensino, pesquisas e testes que visem o desenvolvimento de cosméticos. PL vai à sanção presidencial

Notícias
11 de julho de 2025

Pinguins encalhados no litoral do Rio chamam atenção para cuidados com a espécie

Inverno marca o período de migração dos pinguins-de-magalhães que durante seu trajeto para águas mais quentes, podem encalhar, debilitados, nas praias brasileiras

Notícias
11 de julho de 2025

Expedição mapeia mais de 90 espécies no Parque Estadual Caminho dos Gerais, em Minas

Mais de 70 espécies de anfíbios e répteis, além de 22 espécies de serpentes foram identificadas em parque que conecta Caatinga e Cerrado

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.