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Amazônia versus boas intenções

A história de dois empresários cariocas que faliram, tentando mostrar que a floresta amazônica pode ser um grande negócio, é uma dura aula de realidade brasileira para sonhadores.

12 de fevereiro de 2009 · 16 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

“Amazônia 20º andar” é mais uma história do jornalista Guilherme Fiuza sobre gente que todo mundo acha que conhece, até aprender, em livros que parecem de ficção, que suas vidas não cabem no cotidiano de um repórter.

Fiuza já virou pelo avesso a típica figura do traficante carioca, tirando-o do tiroteio nas favelas para um apartamento da Zona Sul em “Meu nome não é Johnny”. Agora, recruta nas melhores famílias da cidade os empresários João Augusto Fortes e Beatriz Saldanha para estrelar uma saga acreana nos seringais do Juruá, entre índios sedutores, viagens de canoa ou ayahuasca, pajés taumatúrgicos, intervenções miraculosas de São Raimundo Nonato em execuções sumárias e antropólogos que parecem formados na escola de Indiana Jones.

Parece mentira. Mas o fato é que João Augusto e Beatriz puseram de pé, nos anos 1990, um projeto visionário de salvar a floresta pela exportação de couro vegetal – uma liga artesanal de pano rústico com látex que, industrializada numa reserva extrativista com quase um milhão de hectares, saiu dos ombros de seringueiros no coração da selva para as vitrines da casa Hermès ao redor do mundo. Destinava-se a provar que a floresta é, em si, um grande negócio.

Enquanto deu certo, o produto foi parar em bolsas Hermès de quase dois mil euros. Quando deu errado, os artigos da linha Amazonia desbotaram nas mãos de consumidores japoneses e a firma cancelou abruptamente os pedidos, em 2002, temendo que o produto manchasse a reputação marca.

E os dois visionários do couro vegetal faliram no Rio de Janeiro. Beatriz Saldanha, a Bia da butique Cores Vivas em Ipanema, descobriu um dia, na boca do caixa, que não tinha mais sequer sua conta bancária. João Augusto, diretor da João Fortes Engenharia, que seu pai transformara num império da construção civil no Rio de Janeiro, foi morar numa casa de vila operária no bairro do Jardim Botânico. Mas isso é um resumo bruto das aventuras que eles viveram e, em parte, continuam vivendo.

Para chegar ao couro vegetal – ora como sócios, ora cada um por sua conta – eles entraram de cabeça nas grandes utopias que animaram o Brasil na década de 1980, com o país recém-saído do regime militar. Marcharam contra o desmatamento da Amazônia ao lado de Chico Mendes no calçadão do Leblon. Arrebanharam a multidão que abraçou a Lagoa Rodrigo de Freitas, uma inesquecível coreografia da força popular que deveria levar, mas não levou, o candidato Fernando Gabeira ao governo do estado. E trouxeram o Dalai Lama para a Eco-92. Foi há pouco tempo. Mas o Brasil daquela época parecia séculos mais jovem que o de hoje.

Tudo isso cabe na parte do livro que termina antes da página 30. A aventura propriamente dita vem depois, quando a dupla mergulha fundo na Amazônia, como personagens de um romance de Joseph Conrad procurando seus próprios limites nos confins da África. No caminho, percorrem fronteiras que parecem ficar muito além do Brasil – onde o Brasil, na prática, vai “mais ou menos até ali na Praia do Mu”, como esclarece, lá pelas tantas, o cacique Txai Macedo.

No fim, onde o país aparece ao vivo e sem cores de urucum, o livro revela o jornalista, por trás do roteirista de cinema. Aí se entende que os índios Yawananuá, por obra e graça do cacique Biraci, entregaram a um concorrente as encomendas pagas por Bia e João Augusto. Que o presidente do BNDES prometeu dar toda força ao projeto numa hora em que o banco já estava pronto para executar sua dívida. Ou que um marqueteiro promoveu o lançamento suntuoso do couro vegetal numa feira de Milão para vender, ao todo, seis peças. Em outras palavras, por que a realidade não deixa as boas intenções frutificarem na floresta amazônica.

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