Colunas

O Brasil rumo ao neoliberalismo ambiental

Ferrenho promotor da intervenção do Estado na economia e na sociedade, Lula vai na direção contrária ao falar de meio ambiente. Quando vierem as conseqüências, será tarde demais.

18 de agosto de 2009 · 15 anos atrás
  • Fabio Olmos

    Biólogo, doutor em zoologia, observador de aves e viajante com gosto pela relação entre ecologia, história, economia e antropologia.

Durante boa parte do século XIX acreditava-se que doenças eram causadas por miasmas pestilentos transportados pelo ar. Esta crença foi eventualmente deixada para trás quando Robert Koch provou que a tuberculose, em 1882, e a cólera, em 1883, são causadas por bactérias.

Apesar das provas oferecidas, a teoria de que doenças são causadas por germes tinha críticos que argumentavam que Koch, Pasteur e outros cientistas haviam provado que germes existiam, mas não que estes causavam doenças, ou pelo menos que eram a causa única da doença.

Um destes críticos era Max von Pettenkofer, um cientista que fez contribuições significativas na sua área, mas advogava apaixonadamente que o consenso científico estava errado. Para provar isso, von Pettenkofer preparou diversos tubos de ensaio com culturas de bactérias da cólera e os bebeu juntamente com seus alunos. Embora dois destes tenham desenvolvido casos leves de cólera, todos sobreviveram e von Pettenkofer clamou vitória.

Em 1892, bactérias da cólera contaminaram o suprimento de água de Hamburgo e da cidade vizinha de Altona. As autoridades de Altona seguiram o consenso científico e filtraram a água, e seus habitantes escaparam de uma epidemia. Hamburgo acreditou na opinião oposta e não filtrou sua água.

O resultado foram 8.606 mortos. Von Pettenkofer se tornou uma figura ridicularizada e odiada. Suicidou-se.

Seria fácil traçar um paralelo entre esta história e a disputa que vemos hoje entre cientistas que alertam para as mudanças climáticas causadas por nós ao queimarmos combustíveis fósseis e florestas, e aqueles que negam a realidade ou importância disto. Os fatos mostrarão quem está correto.

Acho mais interessante pensar nas diferenças entre os governos de Altona e de Hamburgo. Imagino os governantes das duas cidades tendo que decidir entre agir ou deixar as coisas acontecerem. As pressões feitas por quem teria que bancar o custo de filtrar a água e por quem executaria o serviço. Certamente houve quem dissesse que o custo seria proibitivo, resultaria em perda de empregos, que o dinheiro seria mais bem aplicado em outros projetos, etc., etc. Hoje sabemos quem tomou a decisão correta.

Governantes são julgados pelos seus atos, e os atos deveriam ser julgados pelas conseqüências. Infelizmente a percepção de causa e efeito, e o custo-benefício de atos presidenciais tendem a ser filtrados pela opinião pública.

Por exemplo, Juscelino Kubitschek é endeusado pela construção de Brasília, obra que merece ser avaliada pelas conseqüências. Por exemplo, ela resultou na extinção de um simpático roedor improvavelmente batizado de Juscelinomys candango. E teve conseqüências na vida política do Brasil que são muito evidentes hoje em dia.

Além da extinção, que é para sempre, e da popularização da arquitetura estilo Niemeyer, o legado mais duradouro de Juscelino é seu governo ter sido um ponto de mudança na corrupção brasileira. A construção de Brasília foi atrelada a pacotes de “bondades” (passagens grátis, auxílio-moradia, etc.) oferecidas para que nossos congressistas aceitassem se mudar do Rio de Janeiro. Vemos hoje no que isso deu.

Mais tipicamente kubitschekianos, os acordos mutuamente interessantes com as empreiteiras para viabilizar a rápida construção da nova capital resultaram na intimidade inadequada entre políticos, empreiteiras e órgãos públicos responsáveis por grandes obras, o que gera hoje boa parte dos escândalos que ocupam a Polícia Federal e o Ministério Público e explica porque temos antes listas de grandes obras desejadas por empreiteiras do que políticas dignas do nome para áreas como transportes e energia.

O imaginário brasileiro prefere olhar Brasília como um grande feito, e realmente ela o é, em termos de engenharia. Mas o legado político e ambiental de sua construção deveria nos fazer pensar melhor.

Meio ambiente tem tudo a ver com política e economia. São estes fatores que determinarão o legado ambiental deste governo, que parece tão dúbio quanto o político. Para começar, Lula, o presidente que odeia pererecas, deve no mínimo, se igualar a Juscelino no quesito extinção causada por obra pública.

Mas o principal legado ambiental que Lula ameaça deixar para o futuro é resultado da grande característica dos dois governos moluscos: sua política agressiva de compra de apoio. Que é evidente no bolsa-esmola, nos financiamentos de estatais e ministérios para ongs companheiras, na domesticação de ambientalistas que viraram governo, no silêncio da UNE e dos sindicatos que já foram caras-pintadas, e no aparelhamento do Estado com companheiros dizimistas. E ululante na compra de deputados de programa e senadores de vida fácil em troca de cargos, obras ou dinheiro vivo mesmo.
 
Compra de apoio que serviria para “garantir a governabilidade”, mas certamente não foi usada para avançar com nenhuma reforma necessária, e que agora parece servir primordialmente para que Lula eleja sua sucessora, aquela simpática senhora que falsificou o currículo acadêmico e, como seu padrinho, tem a cabeça nos anos 70.

Os votos na eleição de 2006 migraram das regiões mais urbanizadas e com melhor nível educacional, onde o eleitorado foi mais sensível ao escândalo do mensalão, para regiões menos urbanizadas e menos educadas, onde a opinião pública não liga muito para isso. O mesmo eleitorado que leva ao Congresso marimbondos de fogo, caçadores de marajás, cangaceiros de terceira e roubam-mas-fazem.

É o mesmo eleitorado que nas eleições municipais mostrou suas prioridades, ao (re)eleger políticos intimamente associados à indústria do desmatamento, enquanto aqueles que investiram seriamente em educação acabaram chutados de seus cargos. O que nos deixa longe de ex-miseráveis como a Coréia, onde não apenas a prioridade na educação resultou em progresso social, mas políticos corruptos só se redimem quando se suicidam. Ah, se fôssemos como os coreanos…

A crescente sertanização da política nacional e poder cada vez maior que os pactos lulistas têm dado a senhores feudais e agrocratas resultam em impactos ambientais diretos. Lula já deu um presentão aos grileiros de terras na Amazônia com a aprovação da MP da Grilagem. Passo importante rumo ao neoliberalismo ambiental que ruralistas e PACeiros querem impor ao país.

Neoliberalismo que se traduz por um liberou geral para que “as forças criativas do mercado liberem o potencial pleno de crescimento da economia como resultado da eliminação da regulação excessiva imposta sobre o setor produtivo”. Como reza o mantra que cansamos de ouvir até pouco tempo atrás.

Do mesmo modo que a História mostrou que o socialismo é uma roubada, as crises econômicas mundiais mostraram no que dá este tipo de abordagem. Interesses individuais sem moderação externa produzem sistemas instáveis onde a coletividade paga pela ganância privada. Como Thomas Hobbes já notou séculos atrás, é para isso que precisamos de leis e de um Estado que as imponha.

Mesmo assim Lula, versão grisalha e hirsuta de Zé do Caixão, parece disposto a passar para a história como coveiro da legislação ambiental brasileira.

É recorrente que nosso presidente fale em público contra o que vê como entraves ambientais a suas grandes obras. Não é apenas preocupante ver um presidente atacando a lei que jurou obedecer. É sintomático vê-lo ignorar que o entrave não é a lei nem o IBAMA, mas sim a incapacidade governamental de planejar e produzir bons projetos técnicos e orçamentos realistas.

Com o fim do recesso parlamentar e se o congresso não ficar imobilizado por mais escândalos, devem voltar à baila o aleijamento do Código Florestal, MPs isentando rodovias amazônicas de estudos ambientais e outras barbaridades para as quais não têm faltado os Von Pettenkofer da vida, conscientes ou iludidos, para lhes dar sustentação “técnica”, temperados com atentados à inteligência como os que “justificaram” a MP da grilagem e ornam a retórica dos agrocratas, para os quais 33% do país é pouco.

O que veremos nos próximos meses será decisivo para nosso meio ambiente, que é questão estrutural, mas nunca recebeu tal status nas políticas públicas. Com a insuperável capacidade brasileira de matar o futuro em troco do voto imediato, o neoliberalismo ambiental pode bem ser o mais duradouro legado de Lula ao futuro.

Leia também

Notícias
20 de dezembro de 2024

COP da Desertificação avança em financiamento, mas não consegue mecanismo contra secas

Reunião não teve acordo por arcabouço global e vinculante de medidas contra secas; participação de indígenas e financiamento bilionário a 80 países vulneráveis a secas foram aprovados

Reportagens
20 de dezembro de 2024

Refinaria da Petrobras funciona há 40 dias sem licença para operação comercial

Inea diz que usina de processamento de gás natural (UPGN) no antigo Comperj ainda se encontra na fase de pré-operação, diferentemente do que anunciou a empresa

Reportagens
20 de dezembro de 2024

Trilha que percorre os antigos caminhos dos Incas une história, conservação e arqueologia

Com 30 mil km que ligam seis países, a grande Rota dos Incas, ou Qapac Ñan, rememora um passado que ainda está presente na paisagem e cultura local

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.