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Em busca de Maria Catarina

Reserva particular em Santa Catarina abriga um dos mais importantes remanescentes de Mata Atlântica no litoral da região e é a melhor área para observar uma seleção de aves ameaçadas.

1 de outubro de 2009 · 15 anos atrás
  • Fabio Olmos

    Biólogo, doutor em zoologia, observador de aves e viajante com gosto pela relação entre ecologia, história, economia e antropologia.

Em 1929 o naturalista Emil Kaempfer, coletando espécimes para o American Museum of Natural History, capturou uma pequena ave em Salto do Piraí, próximo a Joinville, Santa Catarina. Este exemplar foi reconhecido como uma espécie ainda não conhecida pela Ciência apenas em 1953, quando a espécie Hemitriccus kaempferi, conhecida no Brasil como maria-catarinense, foi descrita. Aquele exemplar permaneceu como a única evidência de que maria-catarina existia (ou havia existido) até 1991, quando o ornitólogo e guia de bird-watching britânico Marc Pearman observou um exemplar na mesma Salto do Piraí onde a espécie foi descoberta originalmente. Depois se descobriu que um exemplar coletado em Brusque em 1950 havia permanecido anônimo nas gavetas do Museu Nacional do Rio de Janeiro.

A história de maria-catarina é apenas mais um exemplo do valor das pesquisas feitas por estrangeiros para revelar a biodiversidade brasileira, muitas vezes mais valorizada lá fora que aqui. E de como observadores de aves, que ultimamente têm sido considerados mal-vindos em várias Unidades de Conservação tupiniquins, têm colaborado para que conheçamos melhor a situação de nossas espécies ameaçadas.

Em algum momento considerado extinto, Hemitriccus kaempferi é um passarinho com talvez 10 cm de comprimento e poucas gramas, com jeito de brinquedo. É uma espécie que ocorre apenas na Mata Atlântica que cresce na planície litorânea entre o norte de Santa Catarina e o sul do Paraná.

Exatamente uma das regiões mais cobiçadas pela especulação imobiliária, onde municípios como Itapoá têm vivenciado um crescimento demográfico explosivo, não é difícil perceber porque maria-catarina e outras aves restritas a esta região são consideradas ameaçadas de extinção. A fartura de empreendimentos imobiliários contrasta com a falta de áreas protegidas que salvaguardem esta porção tão especial da Mata Atlântica.

No norte de Santa Catarina, em Itapoá, está uma destas poucas áreas protegidas, a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Volta Velha . Foi ali que encontrei maria-catarina pela primeira vez, e ainda observei outras espécies ameaçadas como brinde.

Com quase 1 mil ha de florestas, metade já inserida na RPPN, Volta Velha é o local “clássico” para quem deseja observar uma ave que já foi um dos grandes mistérios da Mata Atlântica. A RPPN é aberta à visitação e devo dizer que o alojamento confortável, a comida excelente e a gentileza e atenção da equipe da ADEA, ONG que gerencia a reserva, tornaram a visita extremamente agradável.

Resolvi visitar Volta Velha com um colega bird-watcher em uma visita-relâmpago antes do último Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação. Encontramos maria-catarina logo após nossa chegada, em um trecho de floresta rica em finas taquaras e com uma borda densa adjacente a um plantio de palmeiras reais. Após atraída com auxílio de play-back o personagem mais notável de Volta Velha deu um show que incluiu pausa para fotos. Uma bela adenda à nossas life-lists.devidamente celebrada com caipirinhas comemorativas à mesa do jantar.

No dia seguinte deveríamos voltar a Curitiba, mas antes tínhamos outras obrigações.

A mais importante foi ir em busca de outra especialidade do litoral de Santa Catarina-Paraná, o famoso bicudinho-do-brejo Formicivora (ou Stymphalornis acutirostris) – foto ao lado. Descrita cientificamente apenas em 1995, a descoberta desta ave nos banhados do litoral paranaense foi um dos grandes acontecimentos ornitológicos da década. Eu já havia observado a espécie antes na Lagoa do Parado, em Guaratuba, mas rever ave tão especial é algo que não se recusa, ainda mais que este seria mais um lifer para meu.

Encontramos um casal de bicudinhos com facilidade que nos deixou sem graça em uma área fora da reserva, um brejo parcialmente aterrado por uma estrada que estaria sendo construída para servir um empreendimento portuário. Provavelmente o EIA do empreendimento não deve ter apontado a importância do que estava sendo aterrado.

Completamos uma manhã muito produtiva acrescentando outras especialidades das florestas de planície litorânea, como a saíra-sapucaia Tangara peruviana , mais uma entre tantas aves com nomes geograficamente inadequados (ela ocorre apenas entre SC e ES) e a maria-da-restinga Phylloscartes kronei outra espécie ameaçada que já havíamos ouvido no dia anterior mas só depois conseguimos observar. Esta maria é outra descoberta tardia, tendo sido descrita cientificamente apenas em 1992 a partir de exemplares do litoral sul de São Paulo.

Pensar que aves que não são exatamente discretas foram descobertas tão tardiamente em regiões palmilhadas por europeus e seus descendentes há quase 500 anos dá o que pensar sobre o desinteresse brasileiro em conhecer nossa biodiversidade, tão bem tipificado pelas declarações presidenciais sobre bagres e pererecas.

Felizes por nossos objetivos terem sido cumpridos com tamanha eficiência e com uma lista de 120 espécies registradas em pouco mais de 24 horas, eu e meu colega subimos a serra rumo a Curitiba e ao congresso que começava naquela noite.

 Foto da femêa do bicudinho-do-brejo

As aves endêmicas das florestas de planície litorânea são apenas uma minúscula parcela das formas de vida encontradas apenas nesta porção da Mata Atlântica. Que continua a desaparecer na esteira de novos loteamentos, condomínios, estradas e portos sem que parcelas que possam ser consideradas ecologicamente viáveis estejam efetivamente protegidas.

Algum tempo atrás, quando ainda trabalhava para o programa brasileiro da BirdLife International, juntamente com colegas do então IBAMA do Paraná, ajudei a elaborar uma proposta de redefinição dos limites do Parque Nacional Saint Hilaire-Lange que incluiria habitats pouco representados no interior do parque, como banhados, caxetais e florestas de planície. Exatamente onde estão aquelas aves ameaçadas. Infelizmente este processo não avançou e áreas fabulosas, coladas ao parque, continuam sem proteção.

Enquanto isso o futuro de maria-catarina e outras preciosidades das florestas do litoral sul depende de indivíduos que remam na contra-mão de um país que não valoriza nem a vida, nem seu futuro. Obrigado aos amigos de Volta Velha por isso.

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