Quando o governo brasileiro senta tantos ministros para negociar entre si propostas para levar à Dinamarca como se já estivessem lá, discutindo com diplomatas estrangeiros na COP15, é hora de procurar notícias por aqui mesmo mais concretas. No caso, as notícias que chegaram providencialmente em forma de livro. Um livro leve, bonito e otimista sobre um assunto que é quase nome feio: o Tietê.
Quem passa de má vontade por ele nos engarrafamentos de São Paulo, fazendo o possível para não vê-lo e, sobretudo, não aspirá-lo, deve achar que rio urbano só é tema ambiental que se preze nas pontes do Sena, nos parques novaiorquinos da beira do Hudson ou, para não ficar muito longe das atenções mundiais, nos canais de Copenhague.
Mas em Tietê, um rio de várias faces o jornalista Thiago Medaglia e o fotógrafo Valdemar da Cunha fizeram o contrário. Olharam o Tietê como se ele fosse um caso interessante. Eaté um rio fotogênico. Todos os seus problemas estão lá – a poluição tóxica, o esgoto doméstico, a canalização sepulcral e o medonho lixo que lhe entope a calha imunda.
Mas nada disso impede que se encontrem em suas páginas famílias de capivaras fitando a alva cordilheira de edifícios cadavez mais altos nas avenidas marginais. Ou que, no caminho de Pirapora, o rio passe por uma serra povoada por 652 espécies de borboletas. E que em Barra Bonita atravesse eclusas que são, literalmente, o ponto alto de cruzeiros fluviais em barcos lotados de turistas.
Tudo isso para botar na perspectiva do próprio rio – ou seja, a de longo curso – a frase de um diretor do Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo, que deve ter incomodado particularmente o repórter, porque figura entre aspas na primeira linha do livro: “O Tietê não é mais um rio. É um canal de engenharia”.
Ele é mesmo uma escadaria de barragens, descendo da Serra do Mar e correndo para longe do Atlântico, rumo ao interior paulista, até desaguar no rio Paraná, mil e tantos quilômetros a oeste. É por causa desse curso que ele foi, em priscas eras, o rio das entradas e bandeiras. E hoje é uma hidrovia onde barcaças levam quase cinco milhões de toneladas de soja, cana-de-açúcar ou material pesado de construção Brasil adentro.
Em outras palavras, do ponto de vista estritamente utilitário, o Tietê está vivo e irrigando negócios. Isso em séculos de exploração predatória e mínimo investimento em conservação. Suas nascentes em Salesópolis só foram oficialmente localizadas na década de 1950 e só viraram parque estadual há 13 anos. Na capital, seu trecho mais vistoso é um antigo lixão, promovido a “parque ecológico” para 50 mil visitantes, em média, nos fins de semana.
Ao longo do rio, cada população ribeirinha tem o Tietê que pode ou que merece. Em Pirapora do Bom Jesus, onde a correnteza transforma numa nata mal-cheirosa as toneladas de detergente diluídas em suas águas, Medaglia encontrou um menino de nove anos que compara essa espuma a “algodão doce com canela”. Rio abaixo, surge impávido em sua cabine de comando o tarimbado barqueiro Hélio Palmesan. De tanto transportar pessoas em viagens de recreio pelo médio Tietê, ele acabou no timão do San Marino, um barco próprio, com poltronas para 700 turistas. Em Buritama, a 535 quilômetros da capital, há casas de veraneio e clubes náuticos nas barrancas do rio. Oitocentos pescadores profissionais vivem dos bagres, pacus e tainhas que, sabe lá Deus como, o rio ainda sustenta. Ao redor das hidrelétricas, as barragens formam praias e as várzeas inundadas, reservas de fauna nativa.
Se as autoridades brasileiras têm tantas dúvidas sobre o que o progresso é capaz de fazer nas suas inevitáveis percentagens de vantagens e estragos, melhor do que ensaiar vagos índices de CO2 para Copenhague é provar as amargas doses do Tietê.
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