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Compensação Ambiental: recurso público ou privado?

Os órgãos ambientais, ante escassas dotações orçamentárias, tem na compensação uma fonte de financiamento. Contudo, isso não pode criar anarquia.

19 de novembro de 2009 · 15 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

A Lei n° 9.985/2000 que instituiu o chamado Sistema Nacional de Unidades de Conservação, em seu artigo 36 estabeleceu a chamada compensação ambiental. O Supremo Tribunal Federal ao decidir Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Confederação Nacional da Industria – CNI entendeu que a compensação era constitucional e estabeleceu normas para a sua cobrança. Este artigo não discutirá, portanto, a constitucionalidade ou não da cobrança, mas pretende refletir sobre o que vem ocorrendo com ela. Tanto o §1 ° quanto o caput do artigo estão redigidos em linguagem que não deixa clara a natureza jurídica da verba.  São utilizadas as seguintes expressões: “nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente”…. “o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral” …., Já o § 1o    afirma:  “  O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor”. Em uma primeira leitura, apressada por certo, tem-se a impressão de que os recursos originados pela compensação ambiental seriam recursos privados, destinados pelo empreendedor para atender às finalidades legais.   Tal interpretação tem sido adotada por muitos órgãos ambientais que, com bastante frequência, determinam que os empreendedores abram contas bancárias específicas para o depósito dos valores definidos como compensação. Aberta a conta, o órgão público manda a conta de projetos a serem implementados e o empreendedor paga. Alguns argumentam que o “modelo” evita que os recursos sejam dirigidos para os cofres públicos que, muitas vezes, está sob o regime de caixa único e que o órgão ambiental não teria ingerência na sua gestão, resultando em prejuízo para a proteção ambiental. Muito embora o argumento reflita uma realidade insofismável, ele não se sustenta juridicamente.

A natureza jurídica da compensação ambiental não é matéria tranquila, havendo aqueles que atribuem-lhe natureza tributária, como é o caso do Professor José Marcos Domingues, titular de Direito Tributário da UERJ. Tributo ou não tributo, é indiscutível que a compensação ambiental é receita pública. Vários são os fundamentos para que assim seja, passo a enumerá-los: (i) tem origem em lei; (ii) é definido em processo de licenciamento ambiental que é expressão do poder de polícia; (iii) decorre da utilização de “patrimônio público”1  , (iv) destina-se a ser utilizado prioritariamente para a regularização fundiária de  bem público de uso comum do povo.  Como receita pública, não tenho dúvidas em afirmar que a sua gestão deve ser pública, o que a torna incompatível que o modelo que alguns estados e municípios vem adotando e que foi acima mencionado.

Reconhece-se que os órgãos ambientais, ante as escassas dotações orçamentárias, tem nos recursos originados da compensação uma relevante fonte de financiamento, o que aliás é um desvirtuamento do “instituto”. Contudo, tal realidade não pode servir para que se caminhe em sentido de uma verdadeira anarquia em relação à gestão de um recurso público. O Ibama mantem convênio com a Caixa Econômica para que o banco público gerencie os recursos da compensação e acompanhe projetos que venham a ser implementados com os dinheiros oriundos da compensação2 . Na verdade, a CEF criou um fundo que tem por objetivo a execução indireta da compensação ambiental. Assim, evitam-se dois problemas (i) o empreendedor ter que assumir a implementação de projetos que nada tem a ver com o seu negócio e (ii) a administração pública ficar encarregada de gerir recursos e acabar perdendo-os por incapacidade gerencial.

Penso que uma solução bastante razoável para a gestão dos recursos da compensação ambiental é a adoção do modelo de convenio entre a CEF e o IBAMA, porém fazendo-o através de uma licitação mediante a qual um banco pudesse estabelecer um fundo no qual seriam aplicado os recursos da compensação, garantindo-se uma remuneração aos depósitos que , necessariamente, deveriam ser aplicados em uma carteira variada que poderia ser assemelhada àquelas dos fundos de pensão. A gestão do “fundo de compensação ambiental” deveria ser profissional e prestar contas a um comitê formado  pelo Governo, representantes dos empreendedores que recolhem a compensação e entidades interessadas na proteção do meio ambiente, estes dois últimos segmentos escolhidos com base em reconhecida legitimidade. O Fundo contraria as medidas necessárias para o atendimento da Lei 9.985/2000, adquirindo terras para a regularização fundiária das Ucs e, em seguida, doando-as para a Administração Direta, etc. Também se poderia controlar a qualidade dos projetos em desenvolvimento, pois a grande maioria deles não passa de um desperdício de recursos, com a adoção de medidas absolutamente ridículas tais como a produção de cartilhas e embromações chamadas de “educação ambiental”.   Se não ficarmos atentos, os recursos da compensação ambiental se transformarão em uma moeda de troca política, sem qualquer controle efetivo e, evidentemente, sem qualquer ganho ambiental. Logicamente, a matéria depende de lei e já está na hora de que se pense seriamente no assunto. Veja-se que a implantação de empreendimentos de grande porte, sobretudo na área de infraestrutura, gera compensação de algumas dezenas de milhões de reais que ficam na condição de “emissões fugitivas” sem qualquer controle.

Há, ainda, um problema relevante que é se materializa no velho aforismo jurídico: “quem paga mal, paga duas vezes”.   Não seria de espantar que valores depositados em cadernetas de poupança a título de compensação não sejam considerados válidos pelos tribunais de contas e que, ao final, o empreendedor tenha que recolher, mais uma vez, os valores da compensação.

1 –  Lei 6.938/81: “ Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:  I – ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;

2- Execução Indireta da Compensação Ambiental

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