Colunas

Um banho insólito no Tietê

O rio que simboliza poluição para a maioria dos paulistanos, também pode servir de banho e lavanderia para dois moradores de rua.

22 de março de 2012 · 13 anos atrás
  • Victor Moriyama

    Victor Moriyama é um fotojornalista brasileiro baseado em São Paulo.

Banho nas águas do Rio Tietê. Foto: Victor Moriyama.
22 de março: Dia Mundial da Água
A carência de saneamento mata cerca de 1,5 milhões de crianças por ano, ou algo como 4 mil mortes evitáveis por dia.
Cerca de 880 milhões de pessoas não tem acesso à água potável
2,6 bilhões de pessoas não tem acesso a saneamento, 35% da população mundial (fonte: CDC – Center for Disease Control – US)
No Brasil, 37% dos domicílios não tem rede de abastecimento de água ou rede coletora de esgoto
No estado de São Paulo, esse percentual é de 9,2%. Fonte: IBGE.

Era segunda-feira e a janela do metrô de São Paulo emoldurava  uma cena insólita. Sob a luz forte das 11h, homens tomavam banho nas águas do Rio Tietê, um dos símbolos da poluição de São Paulo. Mesmo assim, a situação passava despercebida aos olhos saturados de imagens dos passageiros.

Os dois homens, totalmente nus, se banhavam e faziam sua higiene pessoal em um dos inúmeros dutos de esgoto que desembocam no rio. A imagem e o fedor crescente me torceram o estômago. Saltei do trem e consegui cruzar a marginal. Cheguei à margem oposta de onde a dupla se encontrava e preparei minha teleobjetiva. De longe, era aparente que conversavam como bons e velhos companheiros. Não gosto de fotografar de longe, a proximidade com as pessoas sempre foi o motor do meu trabalho como fotojornalista. Fui falar com eles.

Em uma mala preta, Ratão carregava três mudas de roupa, uma toalha, e objetos como barbeador, espelho, escova de dente, pasta, shampoo e um rádio de pilha. Sua serenidade me acalmava enquanto ouvia sua história de vida, a maior parte dela passada na rua.

Na rua a gente não faz muitos amigos. Confiar nas pessoas é difícil. Tem muita gente ruim, contou.

Enquanto eu ouvia Ratão, o outro homem continuava o banho. Reparei que a água saindo do duto parecia limpa. Perguntei a ele se sabiam sua origem. A resposta veio com naturalidade:

Vem de uma fábrica aqui próxima, depois de ser usada na lavagem de tanques de tintas.

Começaram a se barbear. O sol do meio dia brilhava. Embora fosse um dia de inverno, era quente o suficiente para secar as roupas no varal improvisado. Atrás, a infinidade de carros cruzava veloz e indiferente pela marginal do Tietê.

Foto: Victor Moriyama.
Foto: Victor Moriyama.
Foto: Victor Moriyama.

 

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