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Multiplicação de vias entre Brasil e Peru é cara e desnecessária

Avalanche de novas iniciativas de estradas e ferrovias para ligar os dois países é cara e destruidora. É preciso racionalizar os projetos.

13 de maio de 2013 · 12 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

A Estrada do Pacífico, também conhecida como Rodovia Interoceânica é uma estrada binacional ligando o noroeste do Brasil (estado do Acre) ao litoral sul do Peru. Foto: Aurelio Schmitt
A Estrada do Pacífico, também conhecida como Rodovia Interoceânica é uma estrada binacional ligando o noroeste do Brasil (estado do Acre) ao litoral sul do Peru. Foto: Aurelio Schmitt

Até recentemente as viagens entre o Peru e o Brasil eram exclusivamente de barco ou avião. Isso motivou que, de fato, entre os dois países existisse uma espécie de faixa de mais de 2.800 km de comprimento, que dependendo do lugar, tinha até algumas centenas de quilômetros de largura, bem protegida das atividades humanas. Nessa faixa a natureza se manteve mais ou menos intocada, e por tanto, vários povos indígenas em isolamento voluntário nela encontraram refúgio.

É óbvio que isso não podia continuar assim, dado o crescimento da população e as ambições de desenvolvimento econômico em ambos os lados da fronteira. Assim, na última década, duas vias interoceânicas foram concluídas: (1) a Rodovia Interoceânica Sul (entre Rio Branco no Brasil e Cusco ou Puno, no Peru) e (2) a via bimodal Interoceânica Norte (que liga a Costa Norte do Peru com Yurimaguas e com Saramiriza, de onde continua até Manaus por via fluvial).

Depois de séculos sem ligação terrestre com o país vizinho, ter duas vias como as mencionadas pareceria ser suficiente para, pelo menos, a próxima década, e mais ainda quando, como se sabe, o inicio de operações nas duas rotas mencionadas não aumentou o comércio entre ambos os países.

Mas, pelo contrário, há uma verdadeira avalanche de novas iniciativas de vias de comunicação e de revitalização de antigas. Só o departamento de Loreto tem planos para cinco projetos de estradas que o ligariam com o Brasil, além de uma ferrovia e, claro, de uma hidrovia. Acrescentando a isso outras propostas oficiais de ferrovias e estradas, que em suas rotas ao Brasil, passariam pelos departamentos de Ucayali e Madre de Dios, se chega a números mirabolantes, carentes de qualquer lógica econômica, e anunciantes de gravíssimos problemas sociais e ambientais, sem mencionar os de segurança pública.

O mais notável da situação é que, apesar de que obviamente não todas as propostas ou opções são compatíveis entre si e nem precisam ser materializadas simultaneamente, muitas destas iniciativas estão sendo executadas ao mesmo tempo. Em alguns casos, com investimentos importantes em obras, e em outros, através de financiamento de estudos de viabilidade. Frequentemente, também são executados com pequenos investimentos, locais, que se usam para alugar tratores e máquinas que, sem estudos nem autorizações, de árvore em árvore, avançam com direção à fronteira.

Nesta nota se informa sobre este assunto que é pouco conhecido e se discute sua racionalidade em busca de que, antes de gastar mais dinheiro e antes de continuar abrindo brechas na floresta, as autoridades responsáveis pensem seriamente no que estão fazendo e ponham um mínimo de sentido comum e de ordem neste tema tão importante para o desenvolvimento da Amazônia.

Rio navegável não é a mesma coisa que hidrovia

Grande parte do desenvolvimento dos países mais ricos do mundo é devido à utilização de seus rios navegáveis.

O cordão umbilical entre o Peru e o Brasil é, literalmente, o rio Amazonas, que leva desde os Andes até o Brasil os nutrientes que garantem a vida. Além disso, este é o rio mais caudaloso do mundo, sendo perfeitamente navegável. Não só é navegável o Amazonas, também são seus formadores, o Maranhon e o Ucayali e vários outros afluentes.

No entanto, o principal argumento para propor a construção de estradas ou vias férreas, no caso de Loreto, por exemplo, é que a navegação é lenta e perigosa, o que torna mais caro o frete. Hoje, isso é uma meia verdade, posto que na Amazônia peruana não há hidrovias.

Transformar um rio navegável em hidrovia requer investimentos importantes em estudos do comportamento fluvial, tipos de barcos e configurações de comboios apropriados, sinalização diurna e noturna, dragagem e abertura de canais em locais críticos, aplicação de regras de navegação e, entre outros, a construção de verdadeiros portos. É caro, mas é consideravelmente mais barato do que a construção de estradas ou ferrovias e, em particular, é um transporte energeticamente muito eficiente, proporcionando custos de frete altamente competitivos e emissões muito baixas de gases de efeito estufa. Grande parte do desenvolvimento dos países mais ricos do mundo é devido à utilização de seus rios navegáveis.

Até a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) reconheceu esse fato, apesar de que o programa reflete em grande parte o interesse por negócios lucrativos de empresas multinacionais de construção civil. Na verdade, a IIRSA propôs que a conexão norte do Peru com o Brasil fosse do tipo bimodal ou multimodal, construindo a Hidrovia do Amazonas, a partir dos rios Maranhon (Saramiriza) e Huallaga (Yurimaguas). O governo peruano também apoia esses projetos, e com apoio internacional já pagou estudos que confirmam sua viabilidade técnica, econômica e ambiental.

Entretanto, os fatos demonstram que essa opção foi descartada, ou pelo menos relegada, já que os esforços e investimentos atuais são orientados para rodovias e ferrovias. Investimentos em navegação fluvial são cosméticos e restritos a pequenas melhorias em poucos portos.

O tema dos trens

Algumas das outras ferrovias propostas poderiam, eventualmente, complementar um eixo como a Fetab, mas, pelo momento, apresentadas como projetos independentes, carecem de justificação econômica.

A ideia de ligar a Costa e a Serra do Peru com a Selva através de trens é bem antiga. A proposta da Via Férrea Tambo do Sol – Pucallpa vem desde a época em que o Peru construía ferrovias, e foi relançada, em 1958,como “de interesse nacional”. Mas depois apareceram cinco propostas adicionais, duas que também foram declaradas de necessidade pública e interesse nacional: (1) a Via Férrea Transcontinental Peru-Brasil (Fetab, na sigla em espanhol) e, (2) a Via Yurimaguas-Iquitos. De acordo com informações oficiais, já teriam sido investidos vários milhões de dólares em estudos sobre essas duas vias.

Outras duas se uniram com o Brasil. São elas: (3) Via Transcontinental Sul Peru-Brasil (Fetras), (4) Via Interoceânica Salaverry-Leoncio Prado-Fronteira Brasil (Ferribeb), (5) Via La Oroya-Iñapari, e (6) Via Cuzco-Baixo Urubamba. É evidente que algumas propostas são sobrepostas ou segmentos de outras, mas todas são parte dos planos do Ministério de Transportes e Comunicações do Peru.

As duas primeiras (Fetab e Yurimaguas-Iquitos) são coisa já decidida e em com estudos atualmente em execução. A que tem mais lógica econômica parece ser a Fetab. Este projeto permitiria, por exemplo, o transporte de fosfatos de Bayóvar ao Brasil, e de acordo com especialistas, poderia servir para a evacuação de commodities (soja, milho) do oeste do Brasil para a Ásia em portos do norte do Peru. O desenho desta ferrovia que, desde Pucallpa, seguiria pelo vale do Huallaga até cruzar os Andes pelo Passo de Porculla, a baixa altitude, permitiria configurações apropriadas para este tipo de transporte. Além disso, esta ferrovia em seu traçado até a fronteira brasileira não compete com nenhuma hidrovia e, inclusive, poderia ser complementada pela hidrovia do Amazonas, embarcando a carga em Saramiriza (Maranhon) ou em Yurimaguas (Huallaga). Aliás, alguma das propostas da IIRSA considerava que o Fetab só chegaria até Saramiriza ou até Yurimaguas, de onde a carga seguiria viagem por via fluvial.

É precisamente esta ferrovia, a Fetab, a qual se referiam recentemente jornais brasileiros relatando uma reunião entre o vice-presidente do Senado, Jorge Viana, com o governador do estado do Acre, seu irmão Tião Viana, e autoridades do setor de transporte desse país. O encontro ocorreu em um contexto especial. O Brasil teve uma safra recorde de grãos, principalmente soja, mas está enfrentando um colapso de sua capacidade de transporte, atualmente baseado em caminhões com estradas em mau estado e portos ineficientes.

A situação é tão grave (os chineses cancelaram pedidos, devido a atrasos) que o assunto das ferrovias voltou com força, revelando suas atuais deficiências e limitações e, pior, o mau uso de amplos recursos para expandir a rede ferroviária no Brasil. Deste modo, os acreanos voltaram a insistir no tema da Fetab que, entre outras vantagens, lhes permite resolver o isolamento de Cruzeiro do Sul, a primeira cidade brasileira que se uniria com Pucallpa. Jorge Viana disse que “com esta obra, Cruzeiro do Sul será o ponto onde o Brasil começa e deixará de ser o ponto onde termina”. É evidente que do lado peruano essa afirmação merece alguma reflexão adicional. Mas é sintomática do interesse brasileiro nesta obra.

Algumas das outras ferrovias propostas poderiam, eventualmente, complementar um eixo como a Fetab, mas, pelo momento, apresentadas como projetos independentes, carecem de justificação econômica. No entanto, uma delas, a Yurimaguas-Iquitos (que se for realizada logo seria obviamente estendida até a fronteira) está “decidida” e recebendo um financiamento considerável para estudos de viabilidade.

Estradas

Entre o Peru e o Brasil se registram, além das duas estradas que já existem (Interoceânicas Sul e Norte, sendo a segunda bimodal), pelo menos outros sete projetos de estradas com direção ao Brasil, dos quais cinco estão em Loreto.

As estradas são as preferidas dos governantes já que são populares e concedem votos. Se constroem rapidamente, embora de qualquer jeito, passando de simples caminhos de carroças a estradas de terra e, finalmente, às bem mais caras pistas asfaltadas. As principais têm algum tipo de estudos, mas muitas outras começam sem esse empecilho, por iniciativa local, e com o passar do tempo vão se transformando em fatos consumados.

Entre o Peru e o Brasil se registram, além das duas estradas que já existem (Interoceânicas Sul e Norte, sendo a segunda bimodal), pelo menos outros sete projetos de estradas com direção ao Brasil, dos quais cinco estão em Loreto. Estes projetos, de norte ao sul, partem das localidades de Caballococha, Tamshiyacu, Genaro Herrera, Orellana, Contamana, Pucallpa e Iñapari-Puerto Esperanza. Com exceção da que parte de Pucallpa, que é oficialmente de interesse nacional, as outras são de interesse unicamente regional ou municipal. Ainda assim, elas aparecem nos planos oficiais e a cada ano, recebem algum investimento.

A estrada que sairia de Pucallpa e chegaria até Cruzeiro do Sul, no Brasil, é parte da IIRSA, que a chama de Interoceânica Centro. Trata-se de um projeto muito antigo de ambos os países e o Brasil já levou esta estrada até a própria fronteira. Embora ambos os governos tivessem reiterado que pretendem estabelecer a conexão, resta a questão de saber se isso seria por via rodoviária, que também tem duas alternativas, ou por estrada de ferro. Enquanto isso, investimentos são feitos em estudos isolados de ambas as opções, mas tudo indica que a estrada será feita de qualquer jeito.

Perguntas básicas demais sem resposta

Por que é necessário ter três estradas, duas ferrovias, e uma hidrovia para ligar o Peru com o Brasil, no prazo de apenas uma década?

Qualquer opção de conexão com o Brasil é cara para o Peru, que além do mais, deverá endividar-se para construí-la. Além disso, todas têm outros impactos sociais e ambientais graves que geram altos custos e múltiplas consequências políticas e de segurança interna. Isso significa que os cidadãos tem o direito de esperar de suas autoridades que respondam, pelo menos, as perguntas tão óbvias, como as seguintes:

Por que é necessário ter três estradas, duas ferrovias, e uma hidrovia para ligar o Peru com o Brasil, no prazo de apenas uma década? Por que os planos oficiais também contam, além dos anteriores, com outros seis projetos de estradas e quatro de ferrovias existentes, todos também previstos para ser concluídos na próxima década?

É necessário ou rentável, no caso de Loreto, construir uma ferrovia paralela a uma hidrovia e uma estrada? Por que razão, então, são propostas oficial e simultaneamente três opções em Loreto?

Já que na realidade as estradas estão sendo construídas, como no caso das duas que chegarão até Iquitos, qual é a lógica de promover também uma ferrovia que, além disso, é paralela ao rio Amazonas?

Onde estão os estudos econômicos que sustentam a necessidade e viabilidade de tais investimentos simultâneos tão colossais?

Será que a Interoceânica Centro não chegaria, como a Interoceânica Sul, à própria BR-364, que está ligada ao resto do Brasil? Por que então, é sugerida a estrada Pucallpa-Cruzeiro do Sul? O que existe em Cruzeiro do Sul que seja de interesse para Pucallpa ou para o Peru?

Por que na prática, é relegada a opção da hidrovia apesar de ser natural e obviamente a mais rentável e a menos impactante?

Se alguns projetos são apenas ideias… por que estão nos “planos” nacionais e regionais, e pior ainda, por que gastar dinheiro com eles?

Não seria melhor escolher clara e cuidadosamente uma ou outra opção, ou seja, planejar seriamente?

O certo é que até agora não existem respostas para essas perguntas nem para muitas outras referentes a cada projeto em particular. Não há sequer um documento que mostre tudo o que foi mencionado acima. Para juntar as peças do quebra-cabeça é necessário rever dezenas de documentos oficiais nacionais, regionais e locais, sempre incompletos e contraditórios, inclusive no próprio Ministério dos Transportes e Comunicações.

Obras sem sentido

Vários estudos econômicos demonstraram veementemente que a maioria das estradas construídas ou por construir na Amazônia, incluídas as Interoceânicas Sul e Norte, não são rentáveis nem mesmo com base a critérios económicos convencionais, e que são extremamente caras, levando-se em conta os custos de seus impactos ambientais e sociais.

A verdade é que o povo peruano foi enganado. A Interoceânica Sul, por exemplo, apesar dos dois bilhões de dólares investidos, não aumentou o comércio entre o Peru e o Brasil. Somente serviu para estimular atividades ilegais como a mineração “informal”, a destruição da floresta e a invasão de territórios indígenas. Ninguém viu, até hoje, um caminhão carregado de soja brasileira para ser embarcada nos portos do sul peruano, como os políticos tanto propagandeavam. Eles se esqueceram do pequeno detalhe: os gigantes Andes, que tornam técnica e economicamente impossível usar esta estrada para o transporte das volumosas commodities brasileiras em direção aos mercados asiáticos. É mais barato dar a volta no continente. A Interoceânica Sul foi um grande negócio para as empresas construtoras, para os banqueiros, os especuladores e, aliás, é claro, para os garimpeiros informais de ouro de aluvião e para os traficantes de drogas.

Vários estudos econômicos demonstraram veementemente que a maioria das estradas construídas ou por construir na Amazônia, incluídas as Interoceânicas Sul e Norte, não são rentáveis nem mesmo com base a critérios económicos convencionais, e que são extremamente caras, levando-se em conta os custos de seus impactos ambientais e sociais. Mas isso parece não importar aos governos que tampouco fizeram investimentos colaterais às estradas que permitiriam aproveitá-las.

O custo socioambiental da desordem

Tanto a estrada como a ferrovia Yurimaguas-Iquitos cruzariam a maior área úmida do Peru, obras que, além dos custos de construção extravagantes, poderiam por em risco o maior reservatório natural de carbono de toda a América do Sul.

As estradas são as que mais avançam sobre o que sobra da Amazônia entre o Brasil e o Peru. Elas são o principal vetor do desmatamento. Abrem a possibilidade de lotear a terra, expandir a exploração florestal e as atividades agropecuárias, a mineração, e também, facilitam a invasão de terras indígenas e de unidades de conservação. Nenhum país tropical, muito menos o Brasil ou o Peru, conseguiu jamais controlar este processo de ocupação desordenada que termina eliminando ou degradando milhões de hectares de florestas e emitindo centenas de milhões de toneladas de carbono na atmosfera, agravando o fenômeno da mudança climática. A transformação de florestas em terras agrícolas é, sem dúvidas, aceitável onde a capacidade de uso do solo permite, mas deve obedecer à lei.

Tanto a estrada como a ferrovia Yurimaguas-Iquitos cruzariam a maior área úmida do Peru, obras que, além dos custos de construção extravagantes, poderiam por em risco o maior reservatório natural de carbono de toda a América do Sul. A proposta Interoceânica Centro já atravessa o Parque Nacional Serra do Divisor brasileiro e cruzaria o proposto equivalente peruano, que não foi criado precisamente por este fato. Trata-se de um lugar de alto valor por sua biodiversidade e de beleza cênica única, com um grande potencial turístico. Além disso, a estrada colocaria em risco as populações indígenas nativas.

Podem, é claro, parecer inconvenientes as hidrovias e as ferrovias, mas a verdade é que ambas as opções de transporte são notoriamente menos prejudiciais social e ambientalmente do que as estradas. As hidrovias são perigosas na medida em que elas sejam feitas tentando adaptar o rio à navegação, em vez de fazer o contrário, ou seja, adaptando a navegação – embarcações e sua configuração – ao rio. Também são sérios os riscos de poluição por acidentes dos barcos. Mas em geral, os benefícios ambientais das hidrovias são enormes.

As ferrovias têm impacto na etapa de construção, mas se reduzem muito durante a operação. Ferrovias e hidrovias são muito eficientes em termos de consumo de energia e de contaminação atmosférica, especialmente se comparamos ao transporte por estradas. Mas, as vantagens ambientais das ferrovias e hidrovias dependem muito de onde se estabelecem as estações ou os portos, já que, geralmente, a partir destes lugares aparece uma rede de estradas.

Usando um pouco de bom senso

(…) das várias propostas de novas vias que existem entre o Brasil e o Peru, somente tem lógica a hidrovia ou uma estrada de ferro.

As conexões entre o Peru e o Brasil devem ter uma clara justificação econômica. Antes de começar a construí-las, deve se saber exatamente para que serão feitas. Se fosse verdade, como afirmam os políticos brasileiros, que para as exportações de commodities brasileiras para a Ásia é vantajoso encurtar o caminho através dos Andes, deve ser demonstrado que o tipo de via a construir vai permitir que este transporte seja economicamente viável.

Com a carga de commodities volumosas, a única opção disponível para atravessar a Cordilheira dos Andes até os portos do Pacífico no Peru é uma estrada de ferro. E a verdade é que o único passo andino que permitiria fazer isso economicamente seria o Passo de Porculla, a menos de 2.200 metros acima do nível do mar. Qualquer outro passo exigiria que as cargas subissem até 4.000 metros acima do nível do mar. Já na parte amazônica a carga pode continuar por ferrovia ou por hidrovia.

Ou seja, das várias propostas de novas vias que existem entre o Brasil e o Peru, somente tem lógica a hidrovia ou uma estrada de ferro. A última, se se justificasse, poderia chegar só até o começo da hidrovia (em Saramiriza ou em Yurimaguas) onde recolheria as cargas que chegam por via fluvial desde o Norte do Brasil e/ou pode continuar ao Sul, descendo pelo vale de Huallaga e passando por Pucallpa, onde entraria no Brasil para receber cargas do oeste da Amazônia brasileira (Rondônia, Acre e talvez Mato Grosso). Este é o caminho da já mencionada Via Férrea Transcontinental Peru-Brasil, a Fetab. Um trem que passe perto ou dentro dos parques nacionais Serra do Divisor, brasileiro e peruano, poderia, com pouco investimento, se transformar em um importante atrativo turístico internacional. O Fetab também aumenta sua viabilidade econômica a partir do fato antes citado, de que em Bayóvar existem enormes jazidas de fosfatos que o Brasil precisa para manter sua agricultura de exportação e que as empresas brasileiras já estão explorando. Este fato assegura, para justificar a obra, carga de ida e volta. É claro que a partir desta matriz ferroviária é possível realizar toda classe de ramificações dentro do Peru, de acordo à necessidade.

Dito de outra forma, em médio prazo, as conexões com o Brasil deveriam ser limitadas às já existentes Interoceânica Sul, a via bimodal Interoceânica Norte, que inclui a Hidrovia Saramiriza/Yurimaguas-Iquitos-Manaus, e no futuro próximo, á mencionada ferrovia Fetab. Não seria necessário nada mais e isso já seria muito.

No longo prazo, pode ser necessário ou se justifiquem outras conexões. Tomara que quando chegue a hora de construí-las, o Peru e o Brasil estejam melhor equipados para prevenir que como, até agora, essas vias signifiquem desordem, desperdício e degradação em vez do tão ansiado progresso.

Saiba mais
Marc J. Dourojeanni. 2006. Estudo de caso sobre a Estrada Interoceânica Sul na Amazônia Sul do Peru. Bank Information Center, Conservation International, Derecho Ambiente y Recursos Naturales y ProNaturaleza, Lima, 103p.

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