Dizer que falta dinheiro é uma daquelas desculpas quase automáticas do setor público quando não consegue cumprir seus deveres. Por exemplo, a falta de dinheiro tem sido usada como desculpa pelo governo federal para o fato de que não consegue fazer a desapropriação de áreas ocupadas das Unidades de Conservação (UCs). A pedido do Tribunal de Contas da União, o governo federal apresentou a conta: seriam necessários R$ 7,13 bilhões para desapropriar 5,44 milhões de hectares ocupados. As terras ocupadas equivalem a 7,2% do território das UCs federais.
Na prática, o governo diz que só pode gastar um pouquinho com a regularização. Nos últimos anos, o governo federal gastou cerca de R$ 70 milhões por ano. Nesse ritmo, o TCU estimou que o governo levaria 102 anos para concluir a regularização.
É fácil projetar que, se as terras não forem regularizadas, em um século a biodiversidade será em grande parte eliminada das áreas ocupadas por causa do desmatamento, incêndios e caça. Na Mata Atlântica, restam apenas cerca de 7% da floresta original. Na Amazônia, é comum ouvir que fazendeiros ordenam a matança de onças para evitar a predação do gado.
Enfim, para garantir a conservação da biodiversidade é essencial ter espaços exclusivos para a conservação e não podemos esperar um século. Se a fauna e flora pudessem fazer cartazes para os protestos, provavelmente escreveriam: financiem o Minha Casa, Minha Vida Silvestre.
Mas de onde tirar cerca de R$ 7 bilhões. Afinal, parece ser muito dinheiro. Para dizer se é muito é preciso compará-lo com outros valores. Por exemplo, o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) estimou que a corrupção no Brasil soma cerca de R$ 200 bilhões por ano, usando dados de 2012. Portanto, se o governo reduzisse a corrupção em cerca de 4%, em um único ano seria possível custear toda a indenização de ocupantes de Unidades de Conservação. Parece inacreditável, mas é isso mesmo: evitando 4% da corrupção de um ano seria possível custear o que o governo levaria 102 anos para fazer no ritmo atual.
Um outro exemplo de fonte de recursos é a venda de terras na Amazônia que estão ocupadas fora das Unidades de Conservação. As ocupações foram ilegais, mas o Legislativo e Executivo aprovaram uma lei para regularizar quem já tinha ocupado até 2008. Parte das terras vai ser doada (posses até quatro módulos fiscais, o que chega no máximo a 400 hectares) e parte vai ser vendida (áreas acima de quatro módulos fiscais).
O programa Terra Legal que implementa a regularização destas posses cadastrou 107 mil posseiros que ocupam 13,4 milhões de hectares na Amazônia. Essa área é equivalente a 2,5 vezes a área ocupada dentro das UC federais em todo o Brasil.
Se o governo vendesse dois terços das posses seria possível arrecadar os R$ 7 bi necessário para indenizar os ocupantes das UCs. E ainda sobraria um terço das áreas já cadastradas para a doação.
Em resumo, duas análises rápidas mostram que não falta dinheiro para a regularização fundiária das Unidades de Conservação do Brasil.
Além de proteger a biodiversidade, a regularização fundiária fortaleceria as oportunidades para gerar empregos e renda nas UCs. Por exemplo, seria possível gerar uma renda anual de R$ 1,6 bilhão a R$ 1,8 bilhão com o turismo nos 67 parques nacionais brasileiros segundo um estudo dos professores e pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rodrigo Medeiros e Carlos Young.
Enfim, é hora de parar de usar desculpas e fazer o que precisa e pode ser feito. É hora de fazer um programa de regularização das UCs. A fauna e a flora brasileira não podem esperar 100 anos pelo sonho do Minha Casa, Minha Vida Silvestre.
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