Somos mesmo parentes dos demais primatas. Com o mico-leão preto, muitos humanos têm ligação direta. Um relato detalhado de toda a trajetória desse pequeno macaquinho preto que vive no interior oeste de São Paulo está no livro escrito pela Gabriela Cabral Rezende: Mico-Leão-Preto: A História de Sucesso na Conservação de uma Espécie Ameaçada, publicado pela Matrix Editora.
Considerado extinto por muitos anos, o mico-leão-preto (Leontopithecus chrysopygus) foi redescoberto no Parque Estadual do Morro do Diabo (Instituto Florestal de São Paulo, agora Fundação Florestal de São Paulo), pelo primatólogo Adelmar Coimbra Filho em 1970. O habitat original da espécie está reduzido a menos de 2% da Mata Atlântica de Interior que havia originalmente De modo a salvá-la, muitos se envolveram. Algumas pessoas bastante conhecidas e influentes e outras que, na época, apenas iniciavam o caminhar pela conservação da natureza aderiram à causa.
Há quase 30 anos, Claudio Padua e eu estávamos na categoria dos que ingressavam na conservação. Mudamos de profissão, de rumo e de ideais para salvar esse primatinha, que se tornou um símbolo para nós. Nossa vida e a dos micos tem sido uma miscelânea de aventuras que mesclam filhos, amigos, e gente que encontramos no percurso.
Fundamos o IPÊ em 1992 com uma pequena equipe de estudantes que se contagiou pela vontade de salvar o mico e outras riquezas naturais Brasil afora. A turma inicial nos inspirou a fundarmos uma escola para conservação e sustentabilidade, da qual a Gabriela faz parte. A ampliação de foco para incluir educação de modo mais significativo foi uma evolução natural, que valeu a pena.
No livro, escrito como trabalho final de seu Mestrado na Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, Gabriela Rezende soube descrever detalhes e fatos que merecem ser lidos. São anos de empenho para salvar uma espécie e o livro mostra como é complexa a missão da conservação. Seus relatos abrangem ecologia, questões sociais, educacionais e mesmo políticas, a maioria dependeu do apoio de indivíduos e de instituições brasileiras e estrangeiras. Gabriela coletou inúmeras informações de fontes publicadas, mas uma grande e rica porção de seu trabalho ela obteve por meio de entrevistas. Foram mais de 20 pessoas consultadas diretamente, e aproximadamente 130 publicações examinadas, inclusive algumas daqui de ((o))eco.
Fora da lista mais crítica
“o que o livro me despertou mesmo foi uma enorme vontade de que cada espécie ameaçada no mundo, ou pelo menos uma em cada habitat, encontrasse gente empenhada em mudar o trem da história..”
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Sou grata a todos mencionados no livro da Gabriela por terem conosco, ou por iniciativa própria, dado contribuições que se somam em um desfecho profícuo e com bons resultados. O mico, após quase 30 anos de um programa integrado de conservação, deixou a lista da UICN de “criticamente ameaçado” e adentrou a classificação “ameaçado”. Uma unidade de conservação, a Estação Ecológica Mico-Leão Preto, foi criada em 2002 e o programa de educação ambiental ajudou as comunidades locais a se envolverem na proteção do mico e das matas que sobraram de seu habitat. Pode não parecer muito, mas nesse período as pressões sobre o ambiente natural continuaram a existir e em muitos aspectos aumentaram, assim como os esforços para reverter as perdas.
Outro resultado é a própria Escola do IPÊ que forma mestres e proporciona cursos em temáticas variadas para profissionais brasileiros e estrangeiros em diversas áreas do conhecimento. Muito do que oferecemos é resultado da experiência na conservação do mico-leão preto. Valeu ter ousado integrar saberes em um programa que acabou rendendo inúmeras lições aprendidas, muitas compartilhadas por Gabriela neste livro.
Minha gratidão se estende à ela, Gabriela, por ter sido cuidadosa ao relatar fatos que deram sentido a uma história da qual me sinto tão parte. Seu espírito crítico e analítico ajuda a dar coerência a essa sequência de fatos, que pode servir de inspiração a outros profissionais que também sonham em salvar espécies e habitats.
O mico-leão preto tornou-se um símbolo para nós do IPÊ. Mostrou ser possível se reverter situações que parecem insolúveis quando se tem vontade, persistência e ousadia. A colcha de retalhos de pequenas e grandes contribuições acabou se mostrando valiosa no lidar com realidades tão complexas.
Ao ler esse livro revivi partes de nossa vida que nem lembrava mais. Claro que isso foi muito bom, mesmo que os fatos nem sempre tenham sido fáceis na época em que ocorreram. Mas, o que o livro me despertou mesmo foi uma enorme vontade de que cada espécie ameaçada no mundo, ou pelo menos uma em cada habitat, encontrasse gente empenhada em mudar o trem da história. Se o livro inspirar de alguma maneira quem comunga dessas vontades já terá sido de grande valia. Tomara que a Gabriela continue a escrever sobre conservação e sustentabilidade!
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