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O momento de brilho do SNUC e o perigo da escuridão

Num contexto como o atual, de retrocesso ambiental, a Lei 9.985/2000 constitui importante garantia de proteção de nossos ecossistemas.

18 de julho de 2015 · 9 anos atrás
  • Guilherme Purvin

    Graduado em Direito e em Letras pela USP. Doutor e Mestre em Direito (USP). Escritor.

Em tempos de investidas contra a legislação ambiental, ainda bem que existe o SNUC. Foto:
Em tempos de investidas contra a legislação ambiental, ainda bem que existe o SNUC. Foto:

O advento da Lei 9.985 há exatos 15 anos foi saudado na época como uma importante conquista do movimento ambientalista, sobretudo para fins de administração de áreas protegidas.

Um dos seus méritos foi o de uniformizar conceitos e nomenclaturas. A profusão de nomes de unidades de conservação e a imprecisão de conceitos, espalhados ao longo de uma infinidade de leis, decretos e resoluções, eram fatores de instabilidade na administração ambiental. A Lei 9.985, fixando os conceitos de 12 espécies de unidades de conservação da natureza, subdividida em dois grandes grupos, haveria de contribuir para a tão ansiada uniformização legal a respeito.

Os dois grupos de unidades de conservação ficaram, assim, sendo o das unidades de proteção integral (parques nacionais, estações ecológicas, reservas biológicas, monumentos naturais e refúgios de vida silvestre) e o das unidades de uso sustentável (áreas de proteção ambiental – APAs,  áreas de relevante interesse ecológico – ARIEs, florestas nacionais, reservas extrativistas, reservas de desenvolvimento sustentável, reservas da fauna e reservas particulares do patrimônio natural – RPPNs).

Nas unidades de proteção integral, não seria permitida a exploração econômica dos próprios recursos ambientais existentes na área protegida; e, a contrário senso, nas unidades de uso sustentável, parcela desses recursos teria exploração autorizada.

É bem verdade que o (muito bem vindo) veto a um dispositivo que autorizava a extração de recursos naturais, exceto madeira, em RPPNs (inciso III do § 2º do art. 21), colocou na prática estas unidades de conservação no grupo das Unidades de Proteção Integral. Época saudosa de evolução do Direito Ambiental, onde havia até mesmo vetos presidenciais visando a preservação do meio ambiente! No caso em referência, não fosse a intervenção do Chefe do Executivo, hoje em dia empresas mineradoras estariam dinamitando RPPNs sem nem ao menos pagar ITR.

Outro grande mérito veio a ser o de estabelecer com clareza o regime de dominialidade das unidades de conservação: algumas delas exigiriam prévia desapropriação (parques nacionais, estações ecológicas, reservas biológicas, florestas nacionais, reservas extrativistas, reservas de desenvolvimento sustentável e reservas da fauna); outras, poderiam conviver com o regime de propriedade privada (áreas de proteção ambiental, áreas de relevante interesse ecológico, monumentos naturais e refúgios de vida silvestre). As RPPNs, como o próprio nome indica, deveriam necessariamente ser implantadas em propriedade privadas.

Para viabilizar a regularização fundiária das unidades de conservação de domínio estatal (público), a Lei 9.985 previu, em seu art. 36, § 1º, que nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, o empreendedor seria obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de proteção integral, destinando não menos do que 0,5% dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento.

Essa receita serviu, por alguns anos, para regularizar a situação sobretudo de parques, estações ecológicas e reservas biológicas criados no papel mas ainda dependentes de aquisição das propriedades privadas situadas em seu interior.

Lamentavelmente, após o julgamento da ADIN nº 3.378-6, de 2008, esse percentual (0,5%) foi considerado inconstitucional, por não guardar proporcionalidade com o grau de impacto ambiental gerado pelo empreendimento. A nova regulamentação do dispositivo, numa era em que toda a legislação ambiental passou a ser atacada como “entrave para o crescimento”, não poderia ser mais nefasta: o que era percentual mínimo passou a ser percentual máximo. É óbvio que não havia sido isto o que decidira o STF: a ausência de proporcionalidade foi perpetuada, só que desta vez em favor do degradador e em prejuízo do meio ambiente.

Passados 15 anos do advento da Lei do SNUC, pode-se dizer que o texto constituiu um grande avanço para o Direito Ambiental e retratou o que era possível fazer à época. Hoje, não há muito sentido em considerar as Áreas de Proteção Ambiental como unidades de conservação. São, antes, formas especiais de zoneamento ambiental. Por outro lado, seria bem-vinda a unificação dos conceitos de Estação Ecológica e de Reserva Biológica, já que a dicotomia decorreu mais da divergência no âmbito da administração pública federal do que de elementos científicos que embasassem tal divisão. Por outro lado, a criação do conceito de Reserva da Fauna não contribuiu significativamente para a proteção de nossa fauna silvestre. Ademais, algumas espécies de espaços ambientais bastante populares poderiam ter sido incluídos na relação do SNUC, como é o caso dos Jardins Botânicos e Hortos Florestais.

Não acredito, porém, que o momento político seja adequado para arriscarmos algum avanço. À luz do que vem ocorrendo no país nos últimos anos, desde o advento da vigente Lei de Biossegurança só tivemos retrocessos: revogação do Código Florestal de 1965, vetos presidenciais que só beneficiaram ainda mais os degradadores anistiados por nosso Congresso Nacional, leis buscando enfraquecer cada vez mais a atuação do IBAMA – e assim vai. Num contexto como o atual, de imoralidade administrativa e completo desprezo pelo meio ambiente, a Lei 9.985/2000 constitui importante garantia de proteção de nossos ecossistemas.

 

 

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