Não há como negar: os Estados Unidos revolucionaram a maneira como o mundo vê os processos judiciais. Desde o surgimento da teoria da responsabilidade civil, os norte-americanos adquiriram o hábito de processar a tudo e a todos, pelos mais variados motivos, sempre em busca de reparações financeiras milionárias.
É um hábito que, sem dúvida, trouxe inúmeras vantagens para a população. Nada é mais eficaz para tornar uma empresa atenta às necessidades dos consumidores do que o medo de enfrentar um processo milionário. Afinal, perder dinheiro e ter a imagem manchada é a última coisa que se deseja num mercado competitivo e exigente.
O outro lado da moeda, no entanto, é uma verdadeira inversão de valores. Cair das escadas de uma grande loja de departamentos passou a ser visto como a melhor coisa que poderia acontecer a alguém. Sofrer uma queimadura porque o seu café quente caiu do porta-copos do carro e a tampinha plástica permitiu que ele vazasse, então, é quase uma garantia de indenização milionária.
Em casos assim, ao invés de encarar o acidente como uma fatalidade, os norte-americanos aprenderam a processar o fabricante do carro e do copinho de café. Sempre, é claro, com a ajuda de advogados, muitos advogados, prontos a apontar os irreparáveis danos sofridos por seus clientes. Tantos advogados que, no carrossel do Central Park, os cavalos de madeira que não se mexem para baixo e para cima levam no pescoço uma tabuleta com o aviso, tratando de se prevenir contra crianças que montem neles por engano e sofram sabe-se lá que prejuízos morais.
Nasceu, assim, a indústria do dano moral, destinada a enriquecer advogados e clientes, da noite para o dia. Mas, numa reação um tanto tardia, o Congresso dos Estados Unidos aprovou, há algumas semanas, o Ato para a Redução do Abuso dos Processos Judiciais (ou LARA, sigla do Lawsuit Abuse Reduction Act). Trata-se de um conjunto de medidas para reprimir as ações judiciais frívolas, de má-fé, que propõe punições administrativas e pecuniárias para os autores desses processos e para seus advogados.
Embora o alvo principal do LARA seja as ações cíveis de indenização por danos morais, já se especula que seus efeitos se farão sentir em muitos processos envolvendo matéria ambiental, onde a litigância compulsiva também tem se tornado um problema. O Judiciário norte-americano tem hoje, sob os seus auspícios, mais de sete mil processos que tratam, principalmente, de questões ambientais.
O número, por si só, não diz muito. Os fatos que dele decorrem, no entanto, têm abalado bastante a credibilidade e a imagem de seriedade que os ambientalistas tanto lutaram para conquistar, a ponto de hoje já se encontrarem artigos afirmando que a indústria do dano moral tem uma nova vertente, ambiental. Isso mais prejudica do que ajuda o meio ambiente, além de enriquecer os autores às custas dos contribuintes.
As acusações são várias. Diz-se que a propositura irresponsável de processos ambientais provocou, por exemplo, a falência de agências ambientais do governo norte-americano, como a Fish and Wildlife Service. O serviço teria esgotado seus fundos em maio do ano passado, pagando dívidas de processos judiciais movidos contra suas decisões, as quais, muitas vezes, eram tomadas em obediência a determinações judiciais proferidas em outros processos.
Outro dado, que não ajuda em nada a credibilidade dos ambientalistas, é que 59% dos projetos governamentais para reduzir o risco de incêndios florestais nos Estados Unidos foram alvo de ações judiciais. Só nos anos de 2001 e 2002, foram 180 ações desse gênero, das quais 161 foram julgadas improcedentes por falta de mérito pelas cortes norte-americanas. Ou seja, cerca de 90% dessas ações foram rejeitadas pelos tribunais, por falta de embasamento jurídico.
Nesse caso, o atraso causado nos projetos de prevenção de incêndios ambientais foi, em média, de 120 dias. Além disso, o grande número de processos sem mérito tem ainda como conseqüência gerar a má-vontade dos juízes e tribunais para o julgamento de futuras causas. As novas ações ambientais já chegarão ao Judiciário tendo que reverter um quadro desfavorável. Na cabeça dos julgadores, a princípio, uma nova causa já é vista, a priori, como mais uma fantasia gananciosa de algum “eco-chato” ou “verde xiita”. E isso não é nada bom.
Nada boa, também, é a reputação que algumas ONGs ambientalistas andam adquirindo por lá. Com grandes escritórios, em endereços de luxo, e salários que, por vezes, ultrapassam os 300 mil dólares por ano, elas se parecem mais com as grandes corporações que deveriam reformar do que com entidades filantrópicas.
Uma matéria publicada no site do jornal Sacramento Bee (www.sacbee.com/static/archive/news/projects/environment/20010422.html) as acusa de apenas comprar brigas que lhes rendam boa publicidade, ignorando questões ambientais sérias que não representem uma garantia de espaço na mídia. Uma das entrevistadas na matéria, que trabalha recuperando tartarugas marinhas feridas em redes de pesca, diz que tentou atrair a atenção de diversas ONGs para uma mortandade desses animais que ocorreu, em 1993, no Texas. Não obteve sucesso. Segundo ela, todos queriam salvar golfinhos, mas tartarugas não. “Não são animais populares”, alega.
As contas dessas organizações também não andam agradando a opinião pública. Muito dinheiro tem sido gasto e investido em pontos que, não necessariamente, têm qualquer relação com a conservação da natureza. E quando se fala em muito dinheiro nos Estados Unidos se fala sério.
Estima-se que, com o crescimento da preocupação da população em geral com o meio ambiente, cerca de 20 milhões de norte-americanos façam doações, anuais, para pelo menos uma organização voltada para a conservação da natureza. E é justamente nessa gigantesca fonte de renda que as ONGs parecem ter fixado a maior parte de suas atenções.
Centenas de milhares de dólares são gastos, anualmente, com jantares, malas-diretas via e-mail e telemarketing, com único fim de arrecadar fundos. Em uma só noite, segundo a matéria, a ONG The Nature Conservancy, uma das mais sérias do ramo, gastou mais de um milhão de dólares num jantar, regado a martinis e animado por bandas da moda, para atrair doações de milionários norte-americanos. Deu certo. A noite rendeu 1,8 milhão de dólares para a ONG.
Em outro caso, a Environmental Defense perdeu quase 500 mil dólares em uma aplicação mal feita em Wall Street e tratou de se desculpar, dizendo que, em compensação, ganhara muito dinheiro com outras aplicações semelhantes. Considerando que se trata de uma ONG ambientalista, e não uma financeira, talvez seja o caso de perguntar se ela não aplicaria melhor o dinheiro num investimento de sua especialidade – ou seja, o meio ambiente.
Mas não se pode generalizar. Há, também, é claro, aqueles que usam critérios estritamente científicos para escolher onde investir seu tempo e seu dinheiro. Que se preocupam mais em promover a natureza do que a si próprias. Assim como não se deve esquecer que muitas causas ambientais são falsamente acusadas de frívolas ou carecedoras de mérito por aqueles que simplesmente não concordam com seus objetivos. Mas convém não perder de vista que o ambientalismo está ficando grande e rico. E, com isso, começa a ser olhado com outros olhos.
O que o Brasil pode aprender com isso? Muita coisa. Os Estados Unidos estão, e sempre estiveram, mesmo durante o governo Bush, na vanguarda de grandes questões jurídicas. Nosso direito ambiental engatinha, o deles já corre. E nos ensina muito com os seus erros. A primeira lição é que a credibilidade é, hoje, uma das coisas mais importantes para aqueles que pretendem brigar por causas ambientais. Tendo o Brasil a tradição predatória e extrativista que tem, é tarefa bastante difícil colocar a questão ambiental aos olhos dos juízes em sua real grandiosidade e complexidade. Fazê-los ver que de nada vale o desenvolvimento social ou tecnológico, se ocorrer em detrimento da saúde do meio ambiente é, por hora, praticamente impossível. Mas estamos evoluindo aos poucos.
Portanto, quando nosso direito ambiental não estiver mais engatinhando – o que vai acontecer, inevitavelmente – e passar a render um bom dinheiro para aqueles que se envolverem com a questão, teremos que tomar cuidado. Cair na tentação de processar a tudo e a todos, em busca do benefício financeiro que isso pode trazer, causa um verdadeiro estrago nas questões ambientais, com conseqüências muito mais sérias por aqui do que por lá.
Mesmo porque, a cobertura vegetal dos Estados Unidos tem aumentado constantemente nas últimas décadas, apesar dos contratempos. A nossa só faz diminuir. E o nosso judiciário ainda enfia os pés pelas mãos na hora de decidir entre o meio ambiente e outras urgências sociais, como o emprego, o acesso à energia elétrica e até mesmo a balança comercial.
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