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O preço de uma montanha II

A secretária de Meio Ambiente do Espírito Santo diz o que está sendo feito para salvar as montanhas capixabas da exploração desenfreada das mineradoras.

2 de dezembro de 2005 · 18 anos atrás

A coluna da semana passada tratou dos problemas ambientais causados pela exploração das montanhas capixabas pelas mineradoras que, entre outras coisas, produzem placas de granito ornamental e brita, deixando para trás um rastro de destruição de grande impacto visual e ambiental. Nesta semana, o assunto é praticamente o mesmo, mas sob outro ponto de vista: o da Secretaria de Meio Ambiente e Recurso Hídricos do Espírito Santo – SEAMA, que tem brigado para reverter esse quadro.

Licenciar é preciso

“O primeiro passo”, diz Maria da Glória Brito Abaurre, bióloga, consultora da Fundação O Boticário, Secretária de Meio Ambiente e Recurso Hídricos do ES e Presidente do Instituto Estadual de Meio Ambiente do ES – IEMA, “é reconhecer que o problema existe e tentar identificar as suas causas e as soluções possíveis”. Isso já vem sendo feito. As pedreiras são, hoje, a maior preocupação do órgão, justamente porque nos últimos anos a atividade cresceu de forma muito rápida e praticamente sem controle. “Nós herdamos um passivo ambiental enorme da administração anterior, especialmente no que diz respeito aos processos de licenciamento, que eram feitos de forma idêntica para todas as espécies de atividade. Ou seja, o procedimento era igual para a cafeicultura, para a avicultura e para a mineração, independente do porte ou do impacto ambiental. O licenciamento ou demorava uma eternidade, ou era malfeito, ou os dois. Hoje, ainda trabalhamos para liberar 1000 processos de licenciamento atrasados desde 2002, sendo 700, aproximadamente, de mineradoras”, diz Maria da Glória.

Algumas providências já estão sendo tomadas para aliviar a situação. Em abril do ano passado, foi realizado concurso público para a contratação de 147 técnicos, sendo 16 só para o trabalho relacionado à mineração. O licenciamento também está sendo “setorizado”, com um procedimento específico para cada tipo e tamanho de atividade, visando dar mais agilidade ao órgão.

Mas nem só de normas e diretrizes impostas se faz uma política ambiental eficiente. O debate com todos os atores envolvidos – mineradores, agricultores, proprietários de terras, membros do governo, ambientalistas etc. – para tentar encontrar a melhor saída para a situação tem se mostrado mais eficiente. A resistência encontrada ainda é grande, no entanto, em especial sob o velho argumento de que as exigências ambientais são excessivas e estão emperrando o desenvolvimento do Estado, que muitos empregos serão perdidos, retirando o ganha-pão de milhares de trabalhadores. “O maior problema é com os pequenos mineradores. Pessoas que tinham pequenas propriedades rurais, onde exploravam alguma atividade ligada, em geral, à agropecuária, e foram atraídos pela explosão do mercado de rochas ornamentais”, diz a Secretária. “Essas pessoas é que tendem à ilegalidade, explorando pequenas lavras sem licença e sem qualquer plano de recomposição ambiental. Hoje, cerca de 2/3 das lavras operam na clandestinidade”, lembra ela. “As grandes empresas, que têm as vistas voltadas para o mercado externo, normalmente têm uma política ambiental exemplar. O mercado internacional só compra pedras de quem provar que anda na linha.”

Esse diálogo já rendeu alguns frutos. Na região de Castelo, cidade no sul do Espírito Santo, foi feito um trabalho de conscientização e educação ambiental dos mineradores que resolveram fundar uma associação e adquirir uma área para a cessão e o beneficiamento dos resíduos da exploração das rochas. “Nessa área, o que está sendo feito é o armazenamento desses resíduos, de forma separada e organizada, para criar uma reserva estratégica que poderá ser utilizada, no futuro, por exemplo, na construção civil. Enquanto se pesquisam os usos que se podem dar àqueles materiais, eles vão sendo estocados, ao invés de simplesmente serem abandonados aos pés das pedreiras. Isso além de reduzir o impacto ambiental, cria um potencial de renda para esses mineradores”, afirma Sueli Bassoni Tonini, Diretora Técnica do IEMA.

Além disso, a SEAMA conseguiu que o governo do Estado, através do Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo – Bandes – abrisse uma linha de financiamento diferenciado para a aquisição de equipamentos de controle ambiental pelos mineradores. A primeira parte do dinheiro reservado praticamente já se esgotou e tem sido usada, na maioria das vezes, para a compra de filtros-prensa, aparelho que serve para transformar a lama abrasiva – uma espécie de lama carregada de pó de pedra e água – em tabletes que poderão ser também utilizados para a construção civil de baixa renda. O governo do ES também doou uma área onde os rejeitos das mineradoras poderão ser depositados, em Cachoeiro do Itapemirim, mesmo município em que foi criado o Espaço Ambiental, onde técnicos da SEAMA ficam à disposição dos mineradores para dar-lhes orientação e ajudá-los a entender a legislação que se aplica à atividade.

O eterno problema da fiscalização

Se em termos de licenciamento as coisas parecem promissoras para as montanhas capixabas, o mesmo não se pode dizer a respeito da fiscalização. Nesse departamento, a SEAMA ainda enfrenta grandes dificuldades. Faltam fiscais – e o próximo concurso público ainda deve estar longe de acontecer – e o trabalho de repressão das ilegalidades ainda depende, em grande parte, de denúncias feitas por ecologistas e pessoas da sociedade em geral. O efeito disso é que, mesmo aquelas pessoas que possuem a licença ambiental devidamente expedida, não se sentem obrigadas a cumprir seus termos. A coisa fica parecendo campanha eleitoral: na hora de conseguir a licença, os mineradores prometem mundos e fundos e apresentam planos de recuperação belíssimos. Concedida a licença, no entanto, fica a critério de cada um cumprir ou não as promessas feitas. Pior ainda é o fato de que apenas 12% das multas aplicadas contra mineradoras em 2004 forma pagas, o que evidencia a imprestabilidade do sistema atual para coibir o descumprimento da lei.

Para melhorar o controle a SEAMA apresentou algumas propostas que ainda dependem de discussão e aprovação. Em primeiro lugar, quer tirar de seus ombros o ônus de fiscalizar o Estado inteiro. A saída, nesse caso, seria “municipalizar” a fiscalização, ou seja, transferir essa tarefa para os municípios, através de pessoal capacitado, que teria que controlar uma área muito menor e mais próxima de suas administrações.

Outra proposta da SEAMA é vincular a concessão de novas licenças a uma caução – depósito em dinheiro –, que será utilizada na recomposição da área explorada caso o minerador deixe de cumprir com as suas obrigações ambientais. Essa sugestão lembra a idéia de Paulo Affonso Leme Machado, que em seu livro Direito Ambiental Brasileiro, sugere que só se concedam licenças a quem comprovar que tem condições financeiras de arcar com a recuperação ambiental da área da lavra.

E já que estamos falando de atingir o bolso das mineradoras, a SEAMA também pretende criar um sistema através do qual os órgãos financiadores suspendam o financiamento de quaisquer empreendimentos que deixem de cumprir seus compromissos ambientais. É uma proposta inteligente, mas que só funcionará em empreendimentos onde a exploração e a recomposição ambiental ocorram ao mesmo tempo – a maioria dos planos de recuperação é implementada após o término da lavra. Caso contrário, de nada servirá. Terminada a exploração, quem precisa de financiamento?

As medidas ainda incluem conversar com o DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral – e com o IDAF- Instituto de Defesa Agropecuária do Espírito Santo – para que sejam bem delimitadas as competências e o papel de cada órgão nesse processo.

O prognóstico, portanto, no geral, é bom. Dentro do principal órgão ambiental do Espírito Santo existe a consciência de que o problema é sério medidas estão sendo estudadas e implementadas para reverter o quadro atual. Nos próximos dias 9 e 10, a SEAMA promoverá uma espécie de audiência pública para ouvir os envolvidos e suas propostas, o que parece ser mesmo o melhor caminho. “A época de fazer as coisas de cima para baixo acabou. Agora temos que ouvir as partes envolvidas e convencê-las a colaborar conosco”, afirma Maria da Glória.

Enquanto isso, vamos convivendo com notícias como as trazidas pelo jornal A Gazeta, de Vitória, no último dia 1º: uma “foto do leitor”, mostrava uma montanha de rejeitos abandonados de mineração, num caso em que o dono das terras foi enganado pela mineradora, que prometeu recuperar a área após a exploração e, evidentemente, não o fez; e, em outra seção, era noticiada a descoberta de uma nova espécie de orquídea rupícola, aparentemente rara (Pseudolaelia pavopolitana), nas montanhas de Vila Pavão, município recém-emancipado de Nova Venécia, dando apenas mais um motivo para salvarmos os monumentos naturais capixabas.

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