Por 263 votos contra 146, a House of Representatives do Congresso dos Estados Unidos decidiu banir de vez do país os matadouros de cavalos. A decisão atendeu aos anseios de celebridades e de entidades como a National Thoroughbred Racing Association, que reúne apaixonados por puros-sangues de corrida, que protestavam mostrando fotos de cavalos ensangüentados e machucados a caminho dos matadouros. Do outro lado da disputa, a Administração Bush e os veterinários, que acreditam ser este o melhor fim para cavalos velhos ou doentes, que tenham se tornado um fardo para seus donos e que se não fossem sacrificados acabariam sendo abandonados para morrer de fome.
Aqueles que apóiam a decisão alegam que a prática é uma das mais desumanas e brutais dos Estados Unidos nos dias de hoje. Essa é a opinião do representative republicano John Sweeney. Ele afirma que para os americanos a morte de cavalos é muito mais brutal dos que a morte do gado ou de galinhas, já que os americanos consideram os cavalos seus companheiros “e até atletas, como os puros-sangues” e não como comida.
Seu colega de casa, o democrata John Spratt concorda: “Eles [os cavalos] são tão próximos dos seres humanos quanto um animal pode ser”. Da mesma opinião é o republicano Christopher Shays, que diz que “a forma como uma sociedade trata os seus animais, particularmente os cavalos, traduz os mais profundos valores e morais dos seus cidadãos”, criticando, provavelmente sem saber, os valores morais de boa parte da Europa e da Ásia.
Isso me lembra um episódio ocorrido quando eu tinha cerca de 7 anos, em uma viagem que fiz à Europa com os meus pais. Nós havíamos feito uma caminhada e passaríamos a noite em um refúgio de montanha no norte da Itália, não me lembro exatamente aonde. Naquela noite, o sujeito que cuidava do refúgio serviu para o nosso grupo, como aperitivo, um salame. Na mesa, um dos que nos acompanhava, dizendo-se entendedor dos salames italianos, apressou-se, tal qual um sommelier, a identificar a origem daquele salame com base em seu cheiro e seu sabor. Todos devidamente “impressionados”, o entendedor quis confirmar seu palpite com o curador do refúgio. Recebeu como resposta “Não, não. Isso aí é o meu cavalo, que morreu na semana passada”.
Só em 2005, de acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA, cerca de 88 mil eqüinos foram mortos em abatedouros e exportados para a Europa, Ásia e usados para alimentar animais nos zoológicos norte-americanos. E os que querem que esse quadro continue têm bons argumentos para isso.
Em primeiro lugar, é preciso que se diga que, embora o matadouro não seja um final desejável a ninguém, a lei dos EUA que regula o sacrifício de animais determina que todos devem ser dopados antes do abate, para que não sintam nenhuma espécie de dor. E isso, ao que tudo indica, é bastante controlado. Proibindo-se o abate dos animais nos EUA, as empresas que hoje realizam o serviço provavelmente se mudarão para o México ou para o Canadá onde terão, digamos, mais “liberdade de métodos”. Não é à toa, portanto, que o maior grupo de veterinários do país apóia o sacrifício como uma forma menos cruel de matar os animais doentes ou já imprestáveis para qualquer forma de trabalho.
Biologicamente falando, cavalos e vacas em muito se assemelham, especialmente quando se fala em sensibilidade à dor física e psicológica. Mas, mais habituado a montar do que a ordenhar, o povo se esquece de que o leite das vacas teve tanta ou mais importância na história da humanidade quanto a força dos cavalos. Mesmo assim, grande parte das culturas que consideram o abate de cavalos como algo reprovável ainda castra touros à base de macetes e aplaude de pé os heróis das touradas, muito mais cruéis do que o sacrifício — pelo menos em tese, indolor — agora em vias de extinção.
O banimento, como se vê, foi um ato muito humano. Especialmente no sentido que se apoiou em argumentos que nada têm a ver com o bem-estar dos cavalos em si, mas apenas com a cultura norte-americana, que não agüenta mais ver seus companheiros de caçada aos índios indo para o abatedouro. E, honestamente, duvido que o Senado, que ainda deverá se manifestar sobre a medida, terá uma opinião diferente.
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