O governo brasileiro tem agido de forma irresponsável na área internacional e vem acumulando perdas substanciais para a área ambiental. A começar pelo naufrágio do Fundo Amazônia, cujos recursos não são mais aportados pela Noruega e Alemanha, e cujo saldo em caixa está paralisado pela incompetência estatal.
A diplomacia brasileira encontra-se mais e mais desacreditada no cenário internacional. O Itamaraty tornou-se um pária entre seus pares na agenda global, diante da condução exótica do chanceler Ernesto Araújo, denunciada no estudo que aborda “A conspiração globalista de Jair Bolsonaro nas relações internacionais”, produzido pelo Instituto de Relações Internacionais da USP e da Fundação Getúlio Vargas. Foram analisados 480 pronunciamentos, vídeos e discursos do chanceler, que realizou em dois anos o maior número de manifestações entre outros personagens do 1º escalão e do próprio Jair Bolsonaro. Internamente, Araújo é considerado “descolado da realidade” por seus pares, devido à sua ideologia e fanatismo por teorias de conspiração.
O embaixador Paulo Roberto de Almeida, crítico do aparelhamento ideológico que vem tomando o Itamaraty, foi degredado aos arquivos no subsolo da chancelaria, após apontar que textos de Araújo são puro delírio, bem a gosto de Olavo de Carvalho, guru de Jair Bolsonaro e seus comandados.
Para a área econômica, a atuação do Itamaraty não foi uma surpresa – e foi um desastre. A subserviência à figura do ex-presidente Donald Trump, objeto de impeachment e rejeição por lideranças americanas e internacionais; as sucessivas manifestações antagonizando a China, que consome grande parte das commodities brasileiras e detém poder na liberação de insumos e vacinas anti-Covid-19 para o Brasil, acabaram sendo motivo de chacota internacional e um tiro no pé dos brasileiros.
A antagonização da comunidade europeia afundou as tratativas de acordo com o Mercosul, uma distensão que se torna cada vez mais grave em função da degradação ambiental do cerrado e da Amazônia, em sua relação com os produtos agrícolas para exportação. Além disso, a OMC está apertando o cerco aos degradadores, ao sinalizar mecanismos de penalização a países que produzem às custas da destruição do meio ambiente. Com forte apelo ambiental, surge um novo regramento que visa evitar a concorrência desleal.
Agora, sem Trump no cenário, a política ambiental americana tende a apertar os acordos econômicos vinculando-os à regularidade ambiental, especialmente a climática. Joe Biden vem sendo fortemente pressionado por expressivos e articulados ativistas para tomar medidas que condicionem os acordos com o Brasil à conformidade de proteção da Floresta Amazônica.
Na área ambiental o Brasil perdeu liderança e protagonismo, desde que deixou de sediar a Conferência do Clima das Nações Unidas, em 2019. Passou por vexame nas reuniões posteriores, onde o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles foi de chapéu na mão pedir recursos, enquanto não fazia a lição de casa.
O isolamento e a perda de imagem do Brasil no cenário internacional tendem a aumentar, pois o exótico modelo ideológico de Bolsonaro e Araújo não apresenta condições para arrefecer, pelo fato de que a ação política populista de Bolsonaro, sem conteúdo construtivo e sem sensibilidade ambiental, tende a continuar a desmantelar mecanismos de proteção ambiental, antagonizar e buscar inimigos, estratégia única da qual se utiliza para se manter junto à sua base sectária.
Recentemente Araújo começou uma guinada para tentar sua sobrevivência política diante do desgaste que provocou para o Itamaraty nos últimos dois anos. Iniciou uma série de pronunciamentos de que haveria alinhamento com a política ambiental de Joe Biden. Mas recentemente o chanceler discursou na formatura de novos diplomatas no Instituto Rio Branco afirmando que era melhor ser um país pária do que se render aos interesses “globalistas”. Joga com a imagem do Brasil a seu bel-prazer, orientado aparentemente pelos fantasmas de sua obsessão. Ao mesmo tempo lideranças no Congresso Nacional elegeram Ernesto Araújo o pior ministro do governo, seguido por Ricardo Salles.
Os indicadores de credibilidade da política externa brasileira encontram-se profundamente abalados. O ex-embaixador Rubens Ricúpero afirmou que levaremos ao menos duas gerações para recuperar a credibilidade no cenário internacional. Não será diferente internamente. Centenas de normativas ambientais, os sistemas de gestão pública federais e os mecanismos de gestão participativa foram fortemente desfigurados. Serão décadas para sua reconstrução, quando este momento de horror para a área ambiental brasileira passar. Há um ditado na área geológica que afirma que a história geológica vive grandes períodos de estabilidade e curtos períodos de horror.
Desde o início dos 40 anos de construção da Política Nacional de Meio Ambiente, estruturada em 1981, foram 39 anos de construção e agora dois de horror, onde foi gerado um elevado passivo externo e interno.
O desenrolar da história recente mostra que governos despreparados, com falta de empatia para com o ser humano e a cadeia da vida, mereceram apenas um curto voo de galinha ou o ostracismo. É natural que assim seja, dentro de um mundo em constante avanço civilizatório. As estruturas suprainstitucionais, como as Nações Unidas, foram criadas depois de períodos conflituosos e a era atual, frente à ameaça global das mudanças climáticas, trará transformações estruturais para a proteção ambiental como já apontam as Nações Unidas, a OMC, a Comunidade Europeia e o governo de Biden. As tendências apontam o início do fim da era do petróleo e da sobrevida do isolacionismo dos párias das mudanças climáticas.
Será necessário reconstruir o bom perfil do Itamaraty e retomar uma saudável e proativa política multilateral, que privilegie a solidariedade entre as nações. Os brasileiros terão que despender muito esforço para a reconstrução da imagem externa e reestruturação da gestão institucional e normativa, além de promover um intenso trabalho de recuperação ambiental do que foi destruído neste lapso antissustentabilidade da história do Brasil.
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