Análises

Por que propostas que defendem o corte de araucárias como solução para salvar a espécie são injustificáveis

Ou seguimos o caminho de um negócio que já se extinguiu, ou avançamos com inteligência e bom senso para um novo capítulo de nossa história

Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental ·
10 de agosto de 2017 · 7 anos atrás

O manejo da espécie Araucária (Araucaria angustifolia) tem dividido opiniões e gerado discussões nos âmbitos acadêmico e governamental no estado do Paraná. Afinal, qual o propósito de olhar somente para o manejo de uma espécie ameaçada, quando o real problema para sua sobrevivência está no o status de preservação de seu ambiente natural?

Originalmente distribuída em uma área de 200 mil km2, a Floresta com Araucária – ou Floresta Ombrófila Mista (FOM) – abrangia predominantemente os três estados do sul do Brasil: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com manchas descontínuas em algumas serras dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, se estendendo também a alguns pontos da Argentina.

Estudos realizados em 2001 pela Fundação de Pesquisas Florestais do Paraná (FUPEF) e PROBIO/Araucária avaliaram in loco a situação da Floresta com Araucária no estado do Paraná e concluíram que, na época, restavam menos de 0,8% de remanescentes florestais de Floresta com Araucária em estágio avançado de sucessão ecológica e apenas 0,24% de Campos Naturais. Nesses estudos, constatou-se, ainda, que os remanescentes que ainda sobrevivem estão desconectados e localizados em grandes propriedades e latifúndios, onde continuam sofrendo um processo contínuo de degradação e desmatamento.

“Dentre os diversos problemas para a conservação da Floresta com Araucária, por exemplo, está a fragmentação desse ecossistema, que acarreta em redução da diversidade biológica e na erosão genética”.

Dentre os diversos problemas para a conservação da Floresta com Araucária, por exemplo, está a fragmentação desse ecossistema, que acarreta em redução da diversidade biológica e na erosão genética – que é o enfraquecimento da espécie pela falta de troca de material genético entre os indivíduos das diferentes populações. Essas condições podem levar muitos exemplares à extinção.

Recentemente, uma minuta de resolução foi apresentada ao Conselho Estadual do Meio Ambiente do Paraná (CEMA) para regulamentar o incentivo ao plantio florestal e manejo da Araucaria angustifolia. Ela propõe que o proprietário que realizar o plantio em área sem restrição legal tenha garantida sua utilização econômica, mediante declaração de reflorestamento com registro de plantio junto ao órgão competente, constando obrigatoriamente as coordenadas geográficas, a data de plantio e o número de mudas plantadas com espaçamento regular. Essa resolução não se aplica às araucárias em remanescentes naturais. Ou seja: não trata de qualquer tipo de exploração de exemplares que fazem parte das últimas áreas naturais ainda existentes e tão raras nos dias de hoje.

Não obstante a iniciativa encabeçada pelo CEMA não enquadre a questão do manejo de florestas nativas, um grupo de representantes da academia e da iniciativa privada insiste na máxima de que a “única maneira de conservar a Floresta com Araucária” é, justamente, cortando suas árvores a partir dos famosos planos de manejo. Esse procedimento formal foi aplicado aos milhares durante as últimas décadas na região de ocorrência de Floresta com Araucária, mas não representou um instrumento que garantiu a sua conservação.

Os números sobre remanescentes em melhor estado de conservação acima apresentados não deixam quaisquer dúvidas. Os planos de manejo foram apenas um meio legal para o avanço da destruição da floresta e uma forma de explorar a madeira ainda existente até a sua exaustão, abrindo espaços, na sequência, para a consolidação das áreas naturais para agricultura, pastagens e plantio de árvores exóticas como o pinus e o eucalipto.

Omissão do poder público e prejuízos coletivos

“Se conseguirem manter o esforço de degradação que hoje está em curso, ainda farão algum dinheiro arrancando as últimas araucárias nativas e outras árvores também bastante pressionadas pela degradação e abrirão espaços para o grande negócio que a agricultura proporciona nos dias de hoje.”.

A conclusão sobre a insistência de políticos ligados ao setor madeireiro em seguir destruindo a Floresta com Araucária é bastante óbvia. Se conseguirem manter o esforço de degradação que hoje está em curso, ainda farão algum dinheiro arrancando as últimas araucárias nativas e outras árvores também bastante pressionadas pela degradação e abrirão espaços para o grande negócio que a agricultura proporciona nos dias de hoje. Em troca, garantirão a devastação completa de todo o planalto paranaense, exaurindo até a última árvore nativa que, até pouco tempo, cobria mais de um terço do Paraná.

O processo de desenvolvimento econômico do Estado dizimou a Floresta com Araucária do seu território e o pouco do que restou continua ameaçado pelo desmatamento e exploração ilegal madeireira, que ainda ocorrem em razão da inexistência de uma estrutura mínima de controle e fiscalização.

A irresponsabilidade e inconsequência do poder público estadual representa um crime contra toda a população e é sustentada por interesses setoriais que tomam conta e mandam no atual governo.

Atualmente, segundo dados da ONG SOS Mata Atlântica, o Paraná lidera o ranking dos maiores desmatadores da Mata Atlântica, com a perda de 456.514 hectares nos últimos 30 anos. A área equivale a aproximadamente 11 cidades de Curitiba. Esses dados envergonham os paranaenses.

É preciso que mais aliados à causa da conservação contestem os desmandos e a conivência do poder público estadual. A Floresta com Araucária e os Campos Naturais, além de patrimônios naturais brasileiros são fonte inesgotável de serviços ecossistêmicos e excepcionais atrativos para o ecoturismo, ainda explorado de maneira incipiente no Brasil.

Ou seguimos o caminho de um negócio que, de fato, já se extinguiu como atividade econômica de alguma relevância em meados do século passado – quando os colonizadores argumentavam que a destruição da natureza era a única maneira de sobreviver – ou avançamos com inteligência e bom senso para um novo capítulo de nossa história. Uma história menos truculenta e que agregue mais valor às nossas últimas áreas naturais conservadas.

A Floresta com Araucária

Foto: Mariano Mantel/Flickr.
Foto: Mariano Mantel/Flickr.

A Floresta Ombrófila Mista (FOM) ou Floresta com Araucária é caracterizada pela presença da Araucária (Araucaria angustifolia), árvore símbolo do estado do Paraná, de grande relevância cultural, enquadrada na categoria “Em perigo” na Lista Nacional Oficial de Espécies da Flora Ameaçadas de Extinção (Portaria MMA nº 443/2014).

A FOM é um ecossistema regional complexo e variável, que abriga muitas outras espécies raras, ameaçadas de extinção e únicas desta floresta, abrigando mais de 300 espécies da flora – como a canela-sassafrás, a erva-mate e a imbuia – e uma rica fauna silvestre dependente deste ambiente, a exemplo do papagaio-de-peito-roxo, do grimpeiro,da paca, onça-parda e gavião-pega-macaco, dentre outras. A FOM, assim como os Campos naturais,pertencem ao bioma Mata Atlântica, protegido pela Lei nº 11.428/2006 e Resolução CONAMA n° 278/2001, que restringe o corte ou a exploração de qualquer espécie da flora ameaçada de extinção.

*Artigo escrito pela equipe da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS).  

 

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Comentários 3

  1. Gustavo Romeiro diz:

    Infelizmente faltou o ponto principal: como revalorizar as terras cobertas por remanescentes de Floresta Ombrófila Mista? Como fomentar o aumento das áreas cobertas por biodiversidade nativa em detrimento das monoculturas? Como produzir em um ambiente biodiverso, sequestrando carbono e promovendo a justiça social? Como gerar renda e produto perto do seu local de consumo? Porque hoje praticamente todos os proprietários rurais impedem o crescimento de árvores nativas quando jovens? Por favor, propostas! Por favor, ideias realmente inovadoras!


  2. Joõa Medeiros diz:

    Muito oportuno esse artigo nesse momento; complementando é importante lembrar que aludida sustentabilidade dos planos de manejo aprovados pelo IBAMA foi contestada judicialmente e, na decisão judicial o IBAMA ficou impedido de continuar autorizando tais planos até que comprovasse, técnica e cientificamente, a sustentabilidade que figurava nos rótulos dos tais planos. Desde 2001 essa comprovação nunca foi apresentada, e o IBAMA finalmente condenado em ultima instância. O argumento utilizado para defender o corte de araucárias, além de tosco, totalmente divorciado da lógica, é velho, anacrônico; os que ainda o utilizam demonstram mais do que tudo uma reduzida capacidade intelectual e completa falta de criatividade.


    1. kaua diz:

      O artigo é oportuno pois converge com teus argumentos na revista época qu, confundem exploração florestal com manejo florestal e, acusam o manejo florestal – ou exploração florestal ? – pela inobservância das leis que, de fato, é um problema em praticamente todos os setores da economia brasileira. Um manejo florestal com ciclos de corte e intensidades de corte que obedecem a capacidade de suporte da floresta, assim como os diâmetros assintóticos da espécie considerada poderá, indubitavelmente, melhorar a sanidade do ecossistema e impulsionar uma recuperação expressiva, uma vez que a diversidade genética das populações naturais de Araucaria angustifolia não diverge significativamente das populações artificiais, como apontam diversos estudos de genética de populações. Outro ponto fundamental é perceber que a espécie não se regenera em plena sombra e, não sei se é possível perceber que o ciclo do fogo na FOM é bastante comprometido no sul contemporâneo. Agora, capacidade intelectual reduzida e falta de criatividade não é um argumento inteligente, ainda mais de alguém que não parece ter nenhum treinamento estatístico além de análises de variância e t-student para analisar cortes histológicos.