No ano de preparações para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-30), a primeira vez que ela será sediada no Brasil, o evento e seus desdobramentos se tornaram pauta constante na mídia: obras estruturais, crise no setor hoteleiro, participação popular, contradições políticas internas e investimentos milionários. Em meio a airbnb’s por centenas de milhares de reais e delegações desistindo de integrar a conferência, pautas ambientais impulsionadas pelo evento se perdem entre as informações noticiadas. Observar a cobertura do maior evento climático mundial é também promover uma série de reflexões necessárias aos jornalistas – e aos seus públicos. A três meses da COP, o que o jornalismo põe em destaque? E por quais razões?
Para acompanhar o desenrolar da cobertura da COP30, ponto de referência para o enfrentamento climático, o Observatório de Jornalismo Ambiental tem uma nova seção quinzenal, impulsionada pelo Laboratório de Comunicação Climática da UFRGS e PET Educom Clima da UFSM. A iniciativa “De olho na COP”é um esforço coletivo de pesquisadores na área para discutir as informações que circulam no campo jornalístico acerca dos desafios e potencialidades da COP-30.
Os textos publicados no Observatório de Jornalismo Ambiental constituem críticas midiáticas, que atuam em uma relação estreita com o fortalecimento da democracia e da cidadania, de modo a avaliar a imprensa para incentivar uma pedagogia crítica do público. Além de tentar trazer novos olhares para a cobertura, esse trabalho busca provocar os consumidores de notícias a uma leitura mais crítica da produção dos meios de comunicação, implicando uma demanda por parâmetros mais alinhados ao cuidado ambiental no jornalismo.
Questionar discursos sobre a COP-30 à medida que estão sendo construídos e apresentados aos públicos permite que os profissionais da comunicação sejam incentivados a produzir conteúdos, matérias e reportagens cada vez mais aprofundadas e coerentes com a realidade ambiental brasileira. De outra forma, leitores aprendem mais sobre os mecanismos da lógica jornalística e as disputas existentes no campo ambiental.
Publicado no início de julho pelo “De olho na COP”, a análise “O valor da hospedagem em pauta: Quais são as implicações para o enfrentamento climático?”, de Letícia Pasuch e Eloisa Loose, já tratava dos desafios acerca da hospedagem em Belém. As autoras verificaram a abordagem do assunto pelos veículos O Globo, Estadão, UOL, Folha de São Paulo, Sumaúma e Brasil de Fato, e observaram que os desafios logísticos da COP-30 em Belém foram principalmente relacionados à crise diplomática e à imagem internacional do Brasil.
Nesse texto, é indicado que as reportagens, muitas vezes, minimizam a questão da hospedagem, reforçando a ideia de que a importância simbólica de sediar o evento na Amazônia superaria os problemas de infraestrutura. Essa narrativa priorizou a tensão entre o setor hoteleiro e o governo, enquanto a imprensa alternativa e alguns poucos veículos da mídia hegemônica deram atenção às implicações financeiras e sociais – em algumas reportagens, o debate trouxe as consequências da ausência de atores-chave, como países em desenvolvimento, ativistas e a sociedade civil brasileira.
A crítica da cobertura jornalística ambiental apresentada traz os limites de uma lógica estruturada sob o “agora”, que dificulta enquadramentos sistêmicos. O texto reflete sobre a própria lógica jornalística de escolher o que é notícia a partir do assunto mais recente, ao invés de tratar temas de forma integral – preferindo contexto e aprofundamento.
Publicado no início de agosto, o texto “No prato e na pauta: a importância da agricultura familiar no debate da COP-30”, de Jéssica Thaís Hemsing e Cláudia Herte de Moraes, discute a presença no cardápio da conferência de alimentos oriundos de agricultura familiar e de povos e comunidades tradicionais e a abordagem jornalística do tema. As autoras questionam a medida além do seu simbolismo, mas como um ponto de partida para um compromisso histórico com a valorização da agricultura familiar, da agroecologia e mitigação das mudanças climáticas pela agricultura sustentável.
No texto, as autoras observaram a falta de repercussão do assunto na mídia, e analisaram as recentes publicações da revista Veja e do jornal independente Brasil de Fato. Segundo a análise, a relação da crise climática com a agricultura familiar é um assunto que merece centralidade nas discussões da COP, mas que aparece invisibilizado na cobertura da cúpula.
Também discutindo a visibilidade de pautas na cobertura do evento, o texto “Os desafios do Brasil como anfitrião: expectativas internacionais e contradições internas expostas” , publicado no final de julho, de Fernanda Vargas e Alice Balbé, trata da repercussão internacional de recentes contradições políticas brasileiras com a preservação do meio ambiente. Entre elas, a confirmação da construção da gigantesca estrada de quatro faixas pela Floresta Amazônica, o leilão de blocos de exploração da Agência Nacional do Petróleo (ANP) meses antes da COP-30, e a aprovação no congresso da Lei do Licenciamento Ambiental.
As autoras observam manifestações de veículos como o alemão Deutsche Welle, os portugueses O Público e Rádio Comercial, o espanhol El País e o britânico The Guardian. A partir disso, o texto explica que o Brasil se tornou alvo de críticas da imprensa internacional pelo contraste entre o discurso diplomático de protagonista de ações contra a mudança do clima, e as políticas internas de devastação no país. A partir dos espaços de cobertura jornalística, as possibilidades e contradições da COP-30 no Brasil se mostram fonte de diversos e necessários debates sobre os desafios políticos e econômicos das mudanças climáticas.
A iniciativa segue até o final do ano. O projeto “De olho na COP” é divulgado nos perfis das instituições no Instagram: Laboratório de Comunicação Climática (@comclima.ufrgs ), PET Educom Clima (@peteducomclima) e Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental (@jornalismoemeioambiente). Os textos também podem ser acessados no site do Observatório de Jornalismo Ambiental, em: https://jornalismoemeioambiente.com/observatorio/.
As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.
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