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O que o Jornalismo pode fazer em tempos de crise climática?

O enfrentamento da emergência climática exige uma alfabetização ecológica ampla e prévia também por parte do Jornalismo, fundamentada na na justiça social e em uma cultura da prevenção

5 de maio de 2025
  • Clara Aguiar

    Estudante de Jornalismo da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS

  • Ilza Maria Tourinho Girardi

    Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), fundadora e líder do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).

Diante da emergência climática, o jornalismo desempenha um papel fundamental no fortalecimento da cidadania e na mobilização social, ao oferecer informações que possibilitem a compreensão dos riscos e a participação ativa da sociedade nas decisões sobre estratégias de enfrentamento, mitigação, adaptação e reconstrução pós-desastres.

Torna-se, portanto, essencial refletir sobre como o jornalismo, em especial o hegemônico, tem abordado as mudanças climáticas, considerando as possibilidades e os limites desta cobertura na formação de uma cultura voltada à prevenção de riscos. Essa é uma questão central debatida no artigo A responsabilidade do Jornalismo Ambiental na formação cidadã em tempos de emergência climática, publicado na Edição Especial “Democracia, Soberania e Clima”.

O texto discute como o jornalismo pode (e deve) contribuir para o enfrentamento das mudanças climáticas, especialmente por meio da formação cidadã e do incentivo à participação democrática. O artigo parte de uma perspectiva que vincula informação qualificada à capacidade de ação dos sujeitos sociais.

Como exemplo, o artigo traz o caso do desastre climático que assolou o estado do Rio Grande do Sul em maio de 2024, há um ano. Inicialmente, observa-se uma cobertura jornalística intensa por parte dos veículos de comunicação, que desempenharam um papel relevante na disseminação de informações e na orientação da população. Essa atuação foi fundamental para o esclarecimento dos acontecimentos e para a mobilização de redes de solidariedade. As reportagens, ao trazerem à tona falhas estruturais no sistema de contenção de enchentes da cidade de Porto Alegre, se valeram de fontes diversas, como moradores afetados, especialistas das universidades, representantes da Defesa Civil e autoridades públicas, cumprindo assim a função social do jornalismo de fiscalizar o poder público e dar voz à sociedade civil.

No entanto, apesar da abrangência inicial, a cobertura apresentou limitações significativas no que se refere à visibilidade de grupos historicamente marginalizados, como comunidades indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, catadores de materiais recicláveis e pessoas em situação de rua. A ausência dessas vozes pode ser atribuída, em parte, aos obstáculos logísticos enfrentados pelas equipes jornalísticas, como o bloqueio ou destruição de vias de acesso, à necessidade de equipamentos de segurança e transporte adequado para regiões alagadas, além das dificuldades de comunicação com fontes institucionais. Ademais, a intensidade emocional do evento e o esgotamento físico e psicológico dos profissionais evidenciam a falta de preparo estrutural e institucional das redações para lidar com eventos climáticos extremos de grandes proporções. 

Essas lacunas na cobertura apontam para a urgência de se repensar práticas jornalísticas mais inclusivas e estratégias de ação diante de desastres climáticos, cada vez mais frequentes e complexos. Analisando os caminhos e descaminhos dessa cobertura, a pesquisa evidenciou a fragilidade com que o jornalismo hegemônico trata a pauta climática e ambiental, por décadas rechaçando-a como uma pauta de militância que ameaça aos interesses econômicos dos veículos e seus anunciantes. Indo por essa correnteza, o Jornalismo hegemônico deixou de cumprir seu papel fundamental de promover a circulação de temas essenciais para a cidadania e a temática passou a ser incorporada pelo jornalismo alternativo, que, ao longo da história, tem enfrentado limitações econômicas para sustentar suas atividades.

O artigo sustenta que o Jornalismo Ambiental deve ser tratado não como nicho, mas como prática transversal, apta a permear todas as editorias jornalísticas. Para isso, propõe um conjunto de políticas públicas e educacionais, como:

1. Observação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Jornalismo, aprovadas pela Resolução CNE/CES nº 1, de 27 de setembro de 2013; 

2. Ampla inclusão da disciplina de Jornalismo Ambiental nos currículos dos cursos de Jornalismo no país; 

3. Obrigatoriedade da educação ambiental, desde o ensino fundamental até o ensino universitário, podendo ser implementada por meio de disciplinas ou projetos interdisciplinares; 

4. Abertura de editais para financiamento da mídia ambiental pelo governo brasileiro, a fim de dar sustentação aos veículos de Jornalismo Ambiental, incluindo o salário dos profissionais; 

5. Abertura de editais para financiamento de projetos de Jornalismo Ambiental em rádios comunitárias, organizações do movimento ecológico e/ou comunitário, incluindo a remuneração dos profissionais;

6. Abertura de editais para organização dos congressos promovidos pela Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental; 

7. Abertura de editais para financiar projetos de Jornalismo Ambiental voltados para todos os biomas brasileiros; 

8. Criação de linhas de pesquisa em Comunicação e Jornalismo Ambiental nos cursos de pós-graduação em comunicação, em especial nas universidades públicas.

O artigo tece reflexões epistemológicas sobre a função do jornalismo em uma sociedade democrática, reafirmando que a imprensa deve garantir a circulação de informações essenciais ao exercício da cidadania. O enfrentamento da emergência climática exige uma alfabetização ecológica ampla e prévia também por parte do Jornalismo, fundamentada na na justiça social e em uma cultura da prevenção.

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