Depois de um longo sumiço por aqui (e espero não mais fazê-lo), retomo estas linhas com um assunto que sempre norteou meus caminhos: a ética. Talvez pelos conceitos que embasaram minha educação, talvez pelo fato de ter tido um pé na ciência e por trabalhar quase que exclusivamente na documentação sistemática de pesquisas, o fato é que a ética sempre foi o alicerce da minha vida pessoal e profissional. E talvez por isso eu tenha sido convidado por Marcos Sá Corrêa (um dos melhores jornalistas que este país já conheceu) a compor o grupo de colunistas do ((o))eco, em seus primórdios como portal de assuntos ambientais; no meu caso, como responsável pela análise das fotografias.
A geração desta era digital fotográfica está seguindo por caminhos confusos. A manipulação exagerada nas fotografias tem tornado qualquer cromo (o popular slide) um objeto insosso e pálido. Mas cabe aqui ressaltar que esta pequena fotografia de origem química nada mais trazia do que senão a realidade. A verdade da cena documentada. O cromo sempre foi o retrato fiel da capacidade do fotógrafo em documentar a realidade. Em trazer as informações visuais ou informativas daquilo que estava sendo registrado. Logicamente naquela época também haviam alterações maliciosas, mas estou desconsiderando estes casos, afinal, mau caráter não se cura e aquele que o tem é capaz de deturpar ou mentir sobre qualquer realidade em benefício próprio.
Mas com o advento dos recursos digitais, os fotógrafos (ou aqueles que se autodenominam assim), viram um universo de possibilidades em alterar a realidade documentada. Saturam exageradamente as cores, tiram e acrescentam informações, colocam luz onde não existe e apagam o que incomoda; brincam de serem Deus em seu pequeno mundo computadorizado. Obviamente gosto não se discute e qualquer um pode fazer o que quiser com suas fotos, desde que estas manipulações estejam bem esclarecidas para os leitores que leem essas fotos. Mas não é isto que tem acontecido. Milhares de imagens alteradas flutuam no universo virtual, carregam informações distorcidas, falsas, sem o menor pudor daqueles que as transmitem. E o que é pior, não percebem que ao enganar o leitor está enganando a si próprio, pois antes de registrar uma cena, o dito fotógrafo é antes de tudo um leitor daquela cena. Ou seja, ao alterar e manipular o que viu, torna-se culpado e cúmplice ao mesmo tempo.
Sobre a manipulação de fotos de vida silvestre, arrisco ainda afirmar que não existe um biólogo especializado em ornitologia ou entomologia que não tenha se deparado com a foto de algum animal conhecido e pensou: “Eu conheço este pássaro, este besouro; eles não têm esta cor!” Sem falar das fotos do alvorecer ou paisagens montanhosas, com aquela luz agradável e sutil do fim da tarde, sendo transformadas numa paleta de cores que nenhum espectro de luz é capaz de explicar. Confesso que não entendo porque estes fotógrafos (ou quem se autodenomina assim) precisam exagerar tanto na manipulação de uma fotografia. Para que torná-la algo tão exageradamente colorida a ponto de transformá-la em algo surreal e fantasioso?
Enfim, tudo isto não seria problema se estas imagens permanecessem nos domínios de seus criadores. Tudo isto seria um problema menor se o impulso em corromper a realidade não transpusesse algumas barreiras éticas. Tudo estaria resolvido se distinguissem fotografia de arte digital. Mas recentemente o falso conceito de que tudo é permitido neste mundo moderno atingiu definitivamente a fotografia, com a denúncia da manipulação de uma cena. Uma fotografia realizada por um brasileiro (e neste caso, nem arrisco a defini-lo como fotógrafo, pois o que ele fez é inadmissível para meu conceito de ética), vencedora de um dos mais importantes concursos de fotografia de natureza do mundo, foi denunciada como falsa. Uma montagem vergonhosa de uma cena que envolvia um animal silvestre brasileiro. Especialistas na espécie averbaram uma série de contradições nas características biológicas do animal e da situação documentada, que corroboram a denúncia.
Definitivamente, um tiro no pé da fotografia brasileira ante o mundo. E não é a primeira vez que uma fotografia é revelada como falsa nesse concurso tão renomado, que carrega em seu nome a sigla de um dos canais de comunicação mais importantes sobre meio ambiente. Cabe agora o meu desejo que surjam duas reações a este descabido acontecimento: que sirva de exemplo às próximas gerações de fotógrafos digitais do que não pode ser feito, e que a instituição responsável por este concurso crie normas de ajuste de conduta, não aceite imagens manipuladas em qualquer instância, mesmo que seja “apenas um inofensivo ajuste na cor”; enfim, crie regras mais rigorosas para que as futuras imagens submetidas tragam de volta os valores éticos e profissionais da verdadeira fotografia.
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Parabéns pelo artigo!Muito bom,
Concordo plenamente. Fotografo ainda com películas, tanto cor (negativo e cromo) quanto em P&B, esse eu mesmo revelo e escaneio meus fotogramas. Mas vale a pena ressaltar que na fotografia digital, mesmo sub expondo ou super expondo um ou dois pontos na fotometragem, precisa de pelo menos um brilho e contraste para que a foto venha com força na definição, brilho, contraste. A fotografia digital como diz o nome, não é físico e as propriedades da fotografia em película 35mm ou 120mm, traz as cores, brilho, contraste (como disse acima) e a sensação de profundidade bem como texturas, o que na digital, mesmo com a melhor câmera, não consegue isso. Então quando o FOTÓGRAFO SABE INTERPRETAR A LUZ NA HORA DE FOTOMETRAR , com câmera digital, basta dar um brilho e contraste que tudo vem. Concorda comigo Luciano? Abraços fraternal. Sergio Assis