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Eventos extremos e governança climática

Preparar a humanidade para enfrentar eventos extremos implica a capacidade de estruturar a governança e construir estruturas defensivas eficientes. É comum que governos ineficientes justifiquem a inação com meias medidas

14 de setembro de 2023 · 1 anos atrás
  • Carlos Bocuhy

    Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)

A cidade de Derna, na Libia, foi arrasada. Milhares perderam a vida pela combinação desastrosa de uma tempestade extratropical e a falta de manutenção adequada de barragens.

Somou-se a isso a falta de capacidade preventiva que deveria ser exercida por instrumentos de defesa civil. Dezenas de milhares de desabrigados sobreviventes dependerão da ajuda humanitária internacional para manter suas vidas e saúde. Trata-se de um caso clássico de desgoverno, alimentado pelos efeitos de uma guerra civil que provocou a cisão do país. A Líbia é caso extremo de fragilidade político-social.

Preparar a humanidade para enfrentar eventos extremos implica a capacidade de estruturar a governança e construir estruturas defensivas eficientes. É comum que governos ineficientes justifiquem a inação com meias medidas. Nesse cenário, acreditando estarem a salvo, milhões de pessoas vivem sobre novas áreas de risco climático acreditando em falsa segurança.

Nada pode ser pior do que a sensação de segurança, que incentiva a inação e inibe iniciativas que poderiam ajudar as comunidades a se defender dos eventos extremos.

A Organização Meteorológica Mundial das Nações Unidas (OMM) tem afirmado que o fortalecimento da resiliência requer ações coletivas por meio da cooperação e parcerias com todos os níveis de governo, academia, empresas e sociedade civil. A prioridade estratégica da OMM é aumentar a preparação para reduzir a perda de vidas, infraestruturas críticas e meios de subsistência causados por extremos hidrometeorológicos.

“É consenso científico que as alterações climáticas estão intensificando as chuvas causadas por ciclones”, afirma a especialista em riscos climáticos da Universidade de Reading, no Reino Unido, a professora Liz Stephens.

Mesmo com riscos conhecidos e boas previsões climáticas, as reações oficiais não são suficientemente rápidas para enfrentar desastres naturais. Em 1º de setembro, 72 horas antes da catástrofe que arrasou o Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, vitimando dezenas de pessoas e 30 mil animais, o MetSul disparou seu segundo alerta sobre o ciclone subtropical que se aproximava: “Alerta: chuva virá com volumes excepcionais de até 300 mm a 500 mm… o cenário de precipitação para estes primeiros dez dias de setembro não tem precedentes nos últimos anos… a situação foge ao convencional”.

Este fato demonstra que o Brasil tem um longo caminho a percorrer na estruturação de sistemas eficazes de prevenção de riscos climáticos. Em que pese a capacidade técnica estatal instalada, a exemplo do Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação, há de se aprimorar as conexões entre previsões e efetiva informação para comunidades afetadas, desde a compreensão dos riscos, sua detecção meteorológica, disseminação de informações de alerta e capacidade de resposta.

Sem o estabelecimento dessas conexões o sistema não garantirá a proteção da população. A Defesa Civil das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, megalópoles com inúmeras áreas de risco, trazem, como primeiras diretrizes, além de cuidados básicos como alertar contra ocupações de encostas e não permitir entupimento de bueiros, o imprescindível acesso das comunidades vulneráveis à informação meteorológica. Há um enorme caminho a trilhar que demandará priorização política, capacitação de agentes públicos e da sociedade, incluindo destinação apropriada de recursos.

Os danos que vêm sendo causados pelas mudanças climáticas apontam para os caminhos da prevenção. A adaptação à mudança do clima deve ser objeto prioritário da humanidade em defesa de suas populações.

A conta do desequilíbrio climático é alta, mesmo para países com estrutura econômica de peso. Os Estados Unidos sofreram, em 2023, nada menos do que 23 desastres climáticos, todos com perdas acima de 1 bilhão de dólares, entre eventos climáticos extremos, inundações e incêndios. O prejuízo total chegou a 57,6 bilhões de dólares.

O que chama a atenção com relação a estes impactos é a capacidade da defesa civil norte-americana retratada no pequeno número de vidas perdidas quando a situação é comparada aos mesmos eventos ocorridos em países pobres. Mesmo com intensa destruição, o número de vítimas nos Estados Unidos está estimado em 253, aproximadamente 4% do total das vítimas de registradas inicialmente no episódio de Derna, na Líbia.

A conclusão é óbvia. A estruturação da defesa civil nos países em desenvolvimento é fundamental para enfrentar as mudanças climáticas. Os países ricos e com maior emissão de Gases Efeito Estufa, responsáveis pelo aquecimento global, estão infinitamente mais estruturados para defender suas populações dos eventos extremos.

Isso nos remete diretamente à lógica da justiça climática e à reparação de danos ambientais, que foi inicialmente acordada na COP 27 do Egito, e que retornará à pauta da COP 28, que ocorrerá em novembro, em Dubai.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

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Comentários 3

  1. Hugo Penteado diz:

    Excelente artigo Carlos. Por que a prevenção não faz sentido no nosso modelo econômico? Porque a destruição embora desfaça alguns elos econômicos, cria novos através das reconstruções. E o valor da vida humana e da natureza é zero na teoria econômica tradicional. A prevenção reduz o PIB. A reconstrução após o desastre aumenta o PIB. PIB é um fluxo, destruir os estoques através de guerras e desastres não possui grande impacto econômico. Eu me lembro de ter desfeito as expectativas negativas sobre a Ásia depois do Tsunami que matou 230 mil em 2004. O atual modelo prega crescimento infinito num planeta finito porque na teoria econômica se acredita que a natureza é inesgotável, que os processos econômicos são neutros para a natureza e que o capital produzido (máquinas e ferramentas) são um perfeito substituto da natureza. Ou seja, acreditam que não há limites ecológicos para a expansão exponencial e contínua da economia. Estamos contratando um colapso iminente e fim da vida na Terra com essa pseudociência.


  2. GASPAR diz:

    Como se diz! O óbvio precusa ser dito. Mas, a tal da prevenção , mais a tal da manutenção, suida da ma governança. Não se pode esperar outro resultado! A vuda humana é que menos importa! Everybody sacou?


    1. GASPAR diz:

      * Precisa
      *Vida * Seguida