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O Brasil, a má gestão e o isolamento climático

A irresponsabilidade do governo Bolsonaro levou o Brasil ao isolamento e à segregação internacional na agenda internacional climática

13 de dezembro de 2020 · 4 anos atrás
  • Carlos Bocuhy

    Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)

Ministro Ricardo Salles. Foto: Leonardo Hladczuk/MRE.

O que era impensável está ocorrendo. Inaceitável em função das qualidades intrínsecas do Brasil, com florestas imensas, ecossistemas hídricos gigantes, grandiosa biodiversidade, linha de costa extensa e uma população de 211,8 milhões (IBGE, agosto 2020).

A localização geográfica privilegiou o Brasil com imensas riquezas tropicais e culturais. Na preparatória para a Rio+20, o Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam) coordenou a elaboração do Manifesto do Trópico de Capricórnio, com o objetivo de expressar vínculos de solidariedade e anseios de uma sociedade que buscava reafirmar sua identidade no cenário internacional, demonstrando suas riquezas naturais e humanas:

“Ouçam-nos, pois saberes, valores e conhecimentos tradicionais tampouco podem ser desprezados nesta caminhada. É necessário resgatar a cultura que está sendo desprezada e massacrada neste Continente profundo, das planícies litorâneas, passando dos planaltos interioranos ao recôndito da Amazônia e aos paramos andinos, cercados das neves eternas, também ameaçadas”. E conclui: “Este é nosso desafio, o desafio civilizacional de levar adiante um sistema que integre todas as partes, ao invés de dividir. Porque uma parte do mundo não pode sobreviver sem a outra, assim como o ser humano não sobrevive sem sociedade e a biosfera depende de suas menores células”.

Depois de décadas de liderança desde o início dos trabalhos da Comissão Blundland de Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas, por meio do ilustre brasileiro Paulo Nogueira Netto, a Nação Brasileira se vê agora ameaçada e relegada aos bastidores, na condição de pária internacional, ao lado do negacionismo irracional de Trump, que guinou os Estados Unidos à ignorância; do atraso político imposto por Putin à Rússia, além do rol de atores racistas que lideram Hungria e Polônia.

O que diferencia o Brasil dos demais negacionistas climáticos é sua condição natural. Trata-se de um governo que manifesta uma profunda crise de identidade, que não reconhece o patrimônio ambiental brasileiro, ou seja, o que o Brasil é — nem o que isso representa no cenário internacional. Este fato, acrescido dos eventos devastadores sobre a Amazônia, com aumento de 9,5% da devastação no último ano, que decorre de uma notória omissão governamental, tem levado à uma maior estigmatização da imagem do Brasil junto aos interlocutores internacionais, com consequências históricas de difícil reparação.

“O que diferencia o Brasil dos demais negacionistas climáticos é sua condição natural.”

Neste cenário de atuação não republicana na área ambiental, o governo deixou de contar com orientação e respaldo do Itamaraty, responsável por estabelecer e manter relações diplomáticas com Estados e organismos internacionais. Combalida, a casa de Rio Branco encontra-se dissociada de sua missão e identidade histórica, contrariando o que afirma seu próprio Instituto e o Ministério das Relações Exteriores, sobre o papel da diplomacia brasileira: “O Itamaraty tem tradição de servir ao interesse público”.

Não por último, a tempestade perfeita decorre da contribuição negativa de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, ao propor a nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) ao Acordo de Paris, que parte de dados incorretos, tomando por base um indicador defasado cujo resultado é nada menos que o “esquecimento” de 400 milhões de toneladas de CO², além de propor uma dilação de prazo para atingimento de metas em mais 10 anos.

Ademais, pleiteia 10 bilhões de dólares anuais para que o Brasil possa “acelerar o processo” para o atingimento das metas. A proposta brasileira soa ridícula aos ouvidos internacionais, já que parte de um inadimplente contumaz. Além disso, o ministro tem seu perfil bastante conhecido, desde que confessou intentos de “passar a boiada”, sem nenhuma identificação ou sintonia com a proteção ambiental.

Atualmente o Brasil é responsável pela sexta maior emissão de carbono no cenário global e não tem cumprido minimamente sua lição de casa em conter desmatamentos. Vide a procrastinação do Fundo Amazônia, em prejuízo de centenas de projetos bem sucedidos e auditados internacionalmente, protagonizados por Estados, municípios e sociedade civil.

O Brasil deve retomar seu protagonismo internacional na área de mudanças climáticas. Não será possível com os atores que atualmente estão no processo. É preciso combater os desmandos desarrazoados e prejudiciais ao Brasil, que vêm sendo protagonizados pelo governo federal.

Nesse sentido, é alentador que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tenha instituído um Observatório de Meio Ambiente, com especial foco sobre a Região Amazônica. Políticas para o setor judiciário, naquela região, seriam muito bem vindas para romper com o ciclo de devastação, estimulando aspectos preventivos e especialmente no sentido da obrigatoriedade de recomposição das áreas que foram degradadas pela prática do crime.

“A raiz da crise no governo brasileiro encontra-se na ignorância, no desconhecimento e na recusa da realidade, cujos limites certamente esbarram em interesses inconfessáveis.”

Também se espera do judiciário brasileiro uma firme atuação para conter os excessos que tem cometido o governo de Jair Bolsonaro, que tem causados inúmeros prejuízos para a área ambiental. Ressalte-se neste aspecto o abuso da discricionariedade que tem extrapolado os limites constitucionais, seja pela desregulamentação normativa ou por favorecimento de interesses degradadores. Vide a desregulamentação do setor extrativista e as facilitações providas a madeireiros para exportação sem controle.

No cenário externo é alentador que os Estados Unidos retomem seu protagonismo, o que pode levar a um maior alinhamento das maiores potências globais para o enfrentamento das mudanças climáticas. Também é alentador o corte deste ciclo de subserviência de Jair Bolsonaro ao desarrazoamento de Donald Trump, cujo cópia e cola tornou-se evidente.

A raiz da crise no governo brasileiro encontra-se na ignorância, no desconhecimento e na recusa da realidade, cujos limites certamente esbarram em interesses inconfessáveis.

O Brasil é, em patrimônio ambiental, a maior potência do planeta. Rui Barbosa acertadamente dizia: “Quanto maior o bem, maior o mal que da sua inversão procede”. É o que assistimos: por um desvio histórico ocasionado por sucessivas más escolhas governamentais, o Brasil atravessa uma crise de governança, que se reflete em sua identidade, consome suas forças ao tornar seu protagonismo marginal, estigmatiza sua imagem no cenário externo e que o relega ao porão reservado aos párias da humanidade.

Há um outro caminho a trilhar, o da sustentabilidade, compatível com a antessala do gênesis, riqueza ambiental com que o Brasil foi agraciado: sua natureza, seu berço esplêndido.

 

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