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O que exigir de nossos candidatos municipais?

Criação de parques lineares, controle de poluição sonora e visual são temas da competência das prefeituras e câmaras de vereadores

26 de setembro de 2024
  • Guilherme Purvin

    Pós-doutorando junto ao Depto. de Geografia da FFLCH/USP, graduado em Direito e Letras pela USP. Doutor em Direito (USP). Membro da Academia Latino Americana de Direito Ambiental. Escritor.

Em tempos de eleições municipais, candidaturas à prefeitura e à vereança têm falado muito sobre assuntos que não são da competência dos municípios. O que o eleitorado pode exigir em matéria de meio ambiente, ecologia, mudanças climáticas?

Já de há algumas décadas o número de moradores nas zonas urbanas em todo o planeta superava o de zonas rurais. O Brasil conta hoje com quinze municípios cuja população era de mais de um milhão de habitantes. São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Brasília (DF), Fortaleza (CE), Salvador (BA), Belo Horizonte (MG), Manaus (AM), Curitiba (PR), Recife (PE), Goiânia (GO), Belém (PA), Porto Alegre (RS), Guarulhos (SP), Campinas (SP) e São Luís (MA). Ao todo, são quase 43 milhões de habitantes nestas cidades, representando 20,1% do total do país. Apenas a cidade de São Paulo conta com 12 milhões de habitantes, ou seja, mais do que toda a população de países como Áustria, Bélgica, Bolívia, Cuba, Portugal ou Suécia.

Essa enorme concentração populacional certamente traz inúmeros desafios ambientais para o Poder Público, em especial no que diz respeito ao saneamento básico, coleta de lixo, poluição visual, atmosférica, hídrica e sonora. Por isso, é absolutamente imprescindível o estudo conjugado do Direito Ambiental e do Direito Urbanístico quando estamos tratando de cidades.

O renomado professor francês Michel Prieur, aliás, destaca a necessidade crucial de adoção de medidas visando à redução da poluição urbana e a proteção dos elementos naturais existentes no ambiente urbano, o que, pode-se acrescentar, justifica tanto o estudo do aspecto urbano nas obras de Direito Ambiental como o estudo dos instrumentos jus-ambientais aplicáveis nas cidades nas obras de Direito Urbanístico (PRIEUR, Michel. Droit de l’environnement. 4e ed. Paris : Dalloz, 2001. p.707).

A cidade de São Paulo vem se tornando, sob o prisma ambiental, um verdadeiro circo de horrores.

Com relação aos fundos de vale, a impermeabilização vem de meados do Século XX, com a infeliz ideia de um prefeito chamado Francisco Prestes Maia, que resolveu utilizar o caminho dos rios como vias expressas para transporte privado de automóveis.

Hoje, o Rio Anhangabaú e seus afluentes estão todos sepultados. O Rio Anhangabaú, localizado no centro da cidade de São Paulo, teve uma importância histórica, ecológica e simbólica para a cidade. O nome “Anhangabaú” vem do tupi-guarani e significa “rio ou água do mau espírito”. No passado, ele possuía vários afluentes, mas, como a urbanização avançou, eles foram canalizados, desviados ou extintos. Os principais afluentes do Rio Anhangabaú incluem pequenos córregos que, assim como o rio principal, estão hoje canalizados.

O Córrego Saracura está localizado na região que abrange os bairros da Bela Vista e do Bixiga. Ele corre subterraneamente sob a Rua dos Franceses, Rua dos Ingleses e outras ruas da região, desaguando no Rio Anhangabaú. Esse córrego tem relevância cultural e histórica, pois passava por áreas de grande importância para a cidade, incluindo o bairro do Bixiga, onde havia intensa atividade imigrante no final do século XIX e início do XX.

O Córrego Itororó tem sua nascente na parte dos taludes à direita da Avenida 23 de Maio, perto do Hospital Beneficência Portuguesa. Ele corre canalizado, beirando a avenida, até desaguar no Ribeirão Anhangabaú. O Ribeirão do Itororó era conhecido como Riacho da Limpeza, pois recebia as águas usadas do antigo matadouro e de uma cadeia que ficavam próximos.

O Córrego Pacaembu, localizado na zona oeste da cidade, corre subterraneamente pelo bairro de mesmo nome e desemboca no Rio Anhangabaú. A região do Vale do Pacaembu foi profundamente alterada pela urbanização e construção de avenidas. Foi canalizado e é praticamente invisível no cenário atual da cidade, embora siga existindo de forma subterrânea.

Nossa cidade chamava-se São Paulo de Piratininga, em referência à abundância de peixes nas águas locais. Piratininga, em tupi guarani, era o nome que os indígenas davam à planície onde hoje se encontra a cidade de São Paulo, uma região de rios e lagos que, em épocas de seca ou estiagem, deixavam os peixes encalhados nas margens.

Marginal Tietê, São Paulo. Foto: Ana Paula Hirama/Flickr

As competências em matéria ambiental acham-se arroladas ao longo de diversos dispositivos da Constituição Federal mas, para efeito de análise da questão posta, importa atentar para os artigos 23, VI e VII (competências materiais comuns) e 24, VI, VII e VIII (competências legislativas).

Da leitura de referidos dispositivos conclui-se que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no exercício de suas atribuições administrativas, devem proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, seja no meio ambiente natural como no artificial (urbano), além de preservar a fauna e a flora, inclusive nas cidades.

Sob a perspectiva legislativa, compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (atmosférica, das águas, do solo etc.).

Vale dizer, o Poder Executivo Municipal (Prefeito) tem o dever de promover a proteção do meio ambiente de acordo com o que vierem a estabelecer as lei federais e estaduais. 

A Constituição do Estado de São Paulo, reconhecendo, aliás, a unidade do meio ambiente, dispõe em seu art. 191:

“O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico”.

É, neste aspecto, salvo engano, a única constituição estadual a mencionar o meio ambiente do trabalho. Por meio ambiente artificial, aqui, há que se entender seus aspectos urbano e cultural.

Com relação às Câmaras de Vereadores, as possibilidades de legislar sobre meio ambiente são um pouco mais restritas. O artigo 30, incisos I e VIII, da Constituição Federal, estabelece que compete aos Municípios “legislar sobre assuntos de interesse local” e “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”. Isto não significa que os vereadores estão impedidos de legislarem sobre meio ambiente, mas, apenas, que as leis municipais sobre meio ambiente devem tratar de assuntos de interesse local, em consonância com o que dispuserem as leis federais e estaduais.

Eis alguns temas da competência municipal que podem e devem ser tratados por candidatos ao Executivo ou ao Legislativo Municipal:

Proteção das matas ciliares dos rios que correm pelo perímetro urbano e criação de corredores ecológicos

Embora não existam “rios municipais”, estamos aqui tratando de planejamento do solo urbano, assunto de interesse municipal. A impermeabilização do solo às margens dos rios e riachos contribui decisivamente para a ocorrência de inundações e para a formação de ilhas de calor. O que as sucessivas administrações municipais paulistanas fizeram com o Rio Tamanduateí, que nasce na cidade de Mauá e desagua no Rio Tietê foi verdadeiro crime ecológico: o rio tem longo trecho, desde a foz do Riacho do Ipiranga até o Parque Dom Pedro II, tampado por duas pistas de automóvel a aproximadamente dois metros de altura das margens da Avenida do Estado, além do que restou do famigerado “Fura Fila” de Celso Pita. Não há a mais remota possibilidade de se promover o plantio de árvores nas suas margens cimentadas e, em termos socioambientais, a cidade ficou dividida por uma muralha, impedindo o acesso de moradores da baixa Mooca e do Brás com os do Cambuci e do Glicério. Essa degradação se estendeu para as margens infectas do riacho símbolo da Independência Nacional: a Avenida Teresa Cristina, que liga o Parque da Independência à foz do Riacho do Ipiranga é uma das áreas mais degradadas da cidade, onde o lixo acumula-se diante de ocupações habitacionais totalmente insalubres – cenário .

A ocupação dos fundos de vale, de resto, é  um hábito nefasto em praticamente todos os municípios de médio ou grande porte no Brasil. As consequências desta antipolítica ambiental e urbanística são catastróficas: bairros sem áreas verdes tornam-se desertos tórridos e, em tempos de chuva, as inundações completam a tragédia, com perdas de vidas humanas e de bens – camas, televisões, sofás, geladeiras, fogões destruídos debaixo de uma água fétida. Assim, não é caso de mirar apenas nesta ou naquela prefeitura, deste ou daquele partido político, mas de lutar em prol de uma cidadania ambiental em face do rolo compressor das megacorporações de construção civil, que são as únicas beneficiárias do afrouxamento de condicionantes ambientais e urbanísticas.

O Projeto Margens Plácidas, criado há dezenove anos pelo Instituto Brasileiro de Advocacia Pública (IBAP), é uma iniciativa voltada à preservação e recuperação de rios, córregos e cursos d’água urbanos no Brasil, com foco especial nas cidades de São Paulo e região metropolitana. O objetivo central do projeto é a renaturalização desses corpos hídricos, resgatando suas funções ecológicas e integrando-os ao ambiente urbano de forma mais harmoniosa e sustentável. Seus objetivos principais são:

  1. Renaturalização e Recuperação de Rios: O projeto busca devolver características naturais a rios e córregos que foram canalizados ou degradados, promovendo a restauração das suas margens e cursos.
  2. Conscientização e Educação Ambiental: Margens Plácidas também trabalha na sensibilização da população e das autoridades sobre a importância dos rios urbanos, promovendo ações educativas e de conscientização sobre o impacto do urbanismo desenfreado sobre os corpos d’água.
  3. Intervenção Urbana Sustentável: Um dos focos do projeto é propor soluções urbanísticas e ambientais que harmonizem o desenvolvimento das cidades com a preservação do meio ambiente, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida urbana e a proteção da biodiversidade.
  4. Ações Jurídicas e Políticas Públicas: O IBAP, como organização focada na advocacia pública e na proteção ambiental, também propugna que seus membros atuem na esfera consultiva e contenciosa, promovendo ações que visam garantir a defesa dos rios e a implementação de políticas públicas voltadas à recuperação ambiental.

O projeto tem como referência, entre outros, o Rio Tietê e seus afluentes, muitos dos quais foram canalizados ao longo do século XX, como o Rio Tamanduateí e o próprio Rio Anhangabaú, com o intuito de recuperar seus ecossistemas e melhorar a convivência entre a cidade e os corpos d’água. Simbolicamente, propõe que o projeto tenha início com a construção de um parque linear urbano ligando o Parque Estadual Fontes do Ipiranga à sua foz, na confluência das Avenidas Teresa Cristina e do Estado, passando pelo Parque da Independência.

O nome “Margens Plácidas” faz alusão à letra do Hino Nacional Brasileiro, que menciona “margens plácidas” como símbolo de tranquilidade e beleza natural. O projeto visa justamente restaurar essa imagem de harmonia entre o homem e os rios, que tem sido perdida em muitas cidades brasileiras.

O Projeto Margens Plácidas reflete o compromisso do IBAP em proteger o meio ambiente e promover a sustentabilidade em áreas urbanas. Ao focar na recuperação dos rios e na educação ambiental, a iniciativa busca reverter os danos causados pela urbanização descontrolada, resgatando o equilíbrio ecológico nas cidades e promovendo uma melhor qualidade de vida para seus habitantes.

Outras iniciativas, porém, também podem e devem ser tomadas, cabendo a nós, eleitores, exigirmos um posicionamento de nossos candidatos a prefeito/a e vereador/a. Há, literalmente, centenas de rios e córregos no município. Sua canalização / retificação contribui para o aumento de áreas aedificandi, mas em contrapartida implica em aumento da velocidade de escoamento das águas e diminuição de áreas permeáveis. O resultado será inundação a jusante. Por que destruir os meandros, que têm a vocação natural de áreas verdes? É certo que não há como reconstruir um traçado já destruído, mas por que persistir nessa prática em áreas de expansão urbana?

Áreas verdes urbanas são perfeitamente factíveis. Tomemos o exemplo da cidade de Medellin, na Colômbia, que adotou exitosamente uma política de arborização urbana, com a redução expressiva da temperatura naquela cidade.

Estes são apenas alguns exemplos de pauta que nós, como cidadãos, podemos exigir de nossos candidatos a prefeito/a e vereador/a em matéria. Outros temas que poderiam ser objeto de reflexão nestas eleições seriam:

  • Administração pública de parques e praças, que devem cumprir simultaneamente as suas funções de lazer, descanso e contato com a natureza.
  • Controle da poluição visual: a regulamentação de outdoors e letreiros implica em cidades mais humanas, em valorização de seu patrimônio arquitetônico e, indiretamente, na redução de acidentes de trânsito que decorrem da distração de motoristas.
  • Combate à poluição sonora: tema de inequívoca competência municipal, o controle dos níveis de ruído é essencial para a saúde da população. É totalmente reprovável que se tolere a emissão de níveis elevados de ruído nas proximidades de residências, advenham eles de estabelecimentos comerciais, veículos automotores ou obras viárias (britadeiras).
  • Proteção da vida e da saúde de quem trabalha, pelo oferecimento de condições dignas de transporte coletivo pelas vias urbanas e por um zoneamento urbano inteligente, que não obrigue o deslocamento in itinere por horas a fio.

Mais informações sobre o Projeto Margens Plácidas podem ser obtidas neste endereço: https://www.advocaciapublica.com/projeto-margens-placidas

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