O Parque Nacional Grande Sertão Veredas celebrou seu 30o aniversário no dia 12 de abril de 2019. A história desta unidade de conservação é especial, diferente das de outras sob muitos aspectos, alguns dos quais são exemplares, e por isso justifica ser lembrada. Mas, como tantas outras áreas naturais protegidas do país, ela enfrenta grandes dificuldades que, nestes tempos de caos e retrocessos na área ambiental, se agravam.
Maria Tereza Jorge Pádua relatou, em 2004, como este parque foi proposto, estabelecido e gerenciado até então. Ela lembrou o fato de que, como outros, o parque foi iniciativa de grandes cientistas brasileiros, neste caso dos zoólogos Ângelo Machado e Célio Vale que, em 1977, alertaram para a urgência de preservar uma amostra dos sertões antes de que se transformassem em pastagens ou campos de soja. O tempo passou e os diversos estudos requeridos começaram a ser feitos. Quase uma década depois, com a maior parte do material necessário já disponível, Maria Tereza realizou uma expedição final no local, acompanhada dos cientistas Bráulio Dias, José Machado, Tarciso de Souza Filgueiras e do fotógrafo Carlos Terrana. Nessa ocasião, eles se perderam no mato e passaram vicissitudes, mas conseguiram terminar de definir a proposta. A história que segue está plasmada com várias primícias.
Com efeito, o Parque Nacional Grande Sertão Veredas é o primeiro que homenageou a obra mestre de um importantíssimo escritor brasileiro – João Guimarães Rosa – que precisamente a tinha dedicado a essa região esquecida. Também foi o primeiro que, ademais de ser promovido com êxito por uma organização não governamental, neste caso a Fundação Pró Natureza (Funatura), foi beneficiado desde 1990 por uma relação especial com ela, que durante longo tempo tomou forma de cogestão e que, com outras modalidades, se mantém firme até a atualidade. Assim mesmo, como é bem conhecido, esta unidade de conservação foi a primeira e a única que se beneficiou no Brasil com uma significante operação de conversão da dívida externa para o meio ambiente, impulsando a qualidade da sua gestão. Além disso, este Parque foi o primeiro a usar o instrumento de reforma agrária para sua regularização fundiária. Noventa famílias de posseiros e pequenos proprietários deixaram voluntariamente a área do Parque e foram reassentados sobre terras de qualidade muito melhor para o desenvolvimento agropecuário, sob satisfação geral. E, como bem se sabe, o Parque se beneficiou em 2004 de uma necessária ampliação que mais que dobrou a sua extensão, que hoje é de 230.671 hectares.
Trata-se, pois, duma história exemplar e bem sucedida. Destaca-se nela a estreita e duradoura relação de uma organização não governamental com o Estado para a gestão da unidade de conservação, que nasceu antes dela ser estabelecida. A Funatura foi criada em 1986 e desde a sua origem teve por objetivo primordial conservar uma amostra dos sertões. A longa colaboração entre ela e o Ibama e logo com o ICMBio teve, por certo, altos e baixos, mas jamais foi interrompida. Vários dos funcionários desta Fundação tem trabalhado ininterruptamente durante 30 anos no Parque, desenvolvendo uma relação quase íntima com os moradores locais e com a natureza. Na atualidade a Funatura trabalha mais no entorno do Parque, sempre apoiando atividades que contribuem a mitigar os impactos do desenvolvimento regional sobre ele, como o estabelecimento de um mosaico e de corredores biológicos. E seu sucesso nessa empreitada é visivelmente apreciado pelas autoridades do ICMBio.
A cerimônia do aniversário do Parque demonstrou bem a estreita relação de confiança entre todos os muitos atores involucrados nesta longa história de sucesso. Estavam presentes quase uma centena de pessoas representando todos os estamentos da sociedade concernida. Lá estavam, obviamente, as autoridades federais, estaduais e principalmente as municipais; os representantes dos agricultores, incluídos os que cultivam soja e criam gado; os líderes das comunidades locais e dos quilombolas; os educadores, comerciários e industriais; os representantes de outras organizações não governamentais que trabalham na região, e evidentemente, não faltaram os funcionários atuais e passados, dos que destacaram os guarda-parques que são, quase todos, antigos residentes do que agora é o Parque.
O grande sucesso a ser festejado é, evidentemente, o fato de que o Parque Nacional Grande Sertão Veredas existe e que sua integridade tem sido, até o presente momento, bem assegurada. Já o futuro se apresenta sob tormentas quase todas elas também conhecidas de outras unidades de conservação e que são o motivo atual do esforço da Funatura e de outras instituições. O Parque está estrangulado pela contínua expansão do cultivo da soja e sofre suas consequências como contaminação do ar e dos cursos de água pela aplicação massiva de agroquímicos e o volume crescente de sedimentos que terminam nos rios que nascem no Parque. E, como é bem conhecido, esta unidade de conservação, como outras, tem um orçamento absolutamente insuficiente e, portanto, é deficitário em pessoal, recursos para manutenção e também tem uma grande falta de infraestruturas, em especial para a visitação.
O que mais enraivece os cidadãos dos arredores do Parque é que este não recebe e nem pode receber visitantes. Na cidadezinha de Chapada Gaúcha quase tudo rende homenagem ao Parque ou, quiçá, ao livro do famoso escritor. Negócios, escolas, edifícios, avenidas, hotéis e restaurantes têm nomes que fazem referência ao Parque. Mas, o Parque não traz turistas, não aumenta a ocupação hoteleira nem o consumo nos restaurantes. E mais, seu acesso é difícil até para os próprios vizinhos.
Não há nenhum cartaz nas estradas que indique onde fica o Parque. Antes de chegar até o seu limite, se deve percorrer caminhos rurais sem manutenção e sem sinalização e, na porteira do Parque, se constata que o lugar está fechado com cadeado e que lá não tem ninguém com quem falar. Ocorre que a previsão é que quem quer visitá-lo deve cumprir o incômodo ritual de pedir autorização na cidade para só então ir ao Parque, o que não se pode fazer sem a companhia de um guia. Essa já é uma combinação para desanimar qualquer visitante.
O Grande Sertão Veredas tem indiscutível potencial para o turismo. Suas paisagens, em especial suas veredas, são magníficas; oferece inúmeras cachoeiras, rios de águas claras e negras com praias lindas e, claro, é um empório para bird watchers e outros amadores das preciosidades da natureza. As estradas até a Chapada Gaúcha estão perfeitamente asfaltadas e lá já existe um hotel muito aceitável para receber turistas. Mas, é indispensável que o Parque se prepare. Não tão só deve pôr em valor os seus atrativos com investimentos simples, organizar circuitos turísticos para diferentes gostos – motorizados, ciclistas e a pé – senão que também deve se preocupar seriamente por ter acessos fáceis e bem sinalizados e ter gente esperando no próprio Parque, pelo menos nos fins de semana. A obrigatoriedade de guias deve ser revista e substituída pela presença de guarda-parques em locais estratégicos. Tudo isso passa, por certo, pelo orçamento do Parque. Mas, acredita-se que muito pode ser feito, embora seja em escala experimental, com os meios atualmente disponíveis.
Críticas à parte, este é um momento de regozijo e de reconhecimento do esforço tão significativo de centenas de pessoas, na sua maioria pouco conhecidas, que durante três ou mais décadas tem se dedicado, com muito amor, a preservar este patrimônio do Brasil.
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É muito fácil falar da beleza e preservação do parque. Porque não se fala dos proprietários de terras que foram desapropriados a 30 anos como vocês mesmos declararam, e nunca foram indenizados. Meu pai morreu com seu sonho
É uma pena. O Parque tem de ser aberto à visitação. Placas podem indicar trilhas e belezas naturais. Fechado ninguém vai gostar do Parque!!!
Tive a oportunidade de conhecer o PNGSV há cerca de 6 anos e a burocracia para adentrá-lo é um entrave para que o mesmo se torne conhecido. Sou apenas um apenas um turista apreciador das belezas do Cerrado. Temos que levar em consideração a sua grande distância aos grandes centros urbanos (no caso capitais). Brasília está a mais de 350 quilômetros, Belo Horizonte a quase 700 quilômetros e Montes Claros, considerada a metrópole do Norte de Minas a quase 300 Kms também. Para visitar o PNGCV tive que contratar um guia e assinar um termo de responsabilidade. E a área que está aberta ao público, embora proporcione uma clara visão do que é o parque é muito pequena em relação ao seu tamanho! Concordo que Chapada Gaúcha e outras cidades da região têm muito o que ganhar com o PNGSV. Mas não vislumbro essa tal possibilidade no atual Governo!