Quais são as árvores ameaçadas de extinção no Brasil? Pau-brasil, mogno, araucária… quem sabe maçaranduba… É mais ou menos o que responde o senso comum. Mas o conhecimento científico sobre o assunto também deixa a desejar.
Pesquisas existem, dispersas em instituições de todo o país. Só que a última lista oficial com as espécies da flora que precisam de cuidados especiais para sobreviver data de 1992. Agora estamos perto de, finalmente, conhecer o tamanho do problema.
E ele é grande. Há 13 anos, o Ibama reconhecia como ameaçadas apenas 107 espécies de plantas e árvores nativas. Agora, são 1.549. A nova lista vermelha da flora, que será divulgada nos próximos dias pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), é produto de 15 meses de levantamento científico envolvendo 299 pesquisadores de dezenas de instituições em todo o Brasil. Foi coordenada pela ong mineira Biodiversitas, em parceria com a Rede Brasileira de Jardins Botânicos, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, a Sociedade Botânica do Brasil e a Fundação Zoobotânica de Belo Horizonte. Além do MMA e do Ibama, claro.
Mais curioso é que metade daquelas 107 espécies da lista defasada não constam na nova lista. O que não quer dizer que nestes 13 anos as populações tenham se recuperado a ponto de se livrarem da ameaça. Quer dizer, isto sim, que as pesquisas científicas ao longo do tempo acumularam mais informações, e mudaram o status dessas espécies.
Por outro lado, a lista com os 1.549 tipos de árvores e plantas que correm perigo no Brasil poderia ser bem maior. Num primeiro levantamento, feito pela Internet junto a especialistas, foram apresentadas mais de 5 mil candidatas à temível lista vermelha. Destas, mais de 2 mil foram descartadas. Não por não estarem ameaçadas. Mas por não existir conhecimento científico suficiente para definir o grau de ameaça.
O anúncio oficial vem sendo adiado repetidamente. Era para ser no dia 10 de dezembro. Depois foi prometido para esta semana. Até agora, nada. Mas mesmo sem a lista completa chancelada pelo governo, no site da Biodiversitas já é possível conhecer as 622 espécies consideradas “Em Perigo” e “Criticamente em Perigo”. Falta divulgar as cerca de 900 menos ameaçadas, classificadas como “Vulneráveis”.
Os critérios são os mesmos adotados pela comunidade científica internacional, e que norteiam a lista vermelha da União Mundial para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). Mas os resultados, nem bem tornados públicos, já causam polêmica.
Mogno liberado?
Mesmo um leigo que procure as “famosas” espécies ameaçadas de extinção no país, há de tomar um susto examinando a nova lista vermelha. Procure por Swietenia macrophylla, por exemplo. Não vai achar. Trata-se nada menos do que o mogno, que na lista de 1992 era considerado “Em Perigo” e cujo corte está proibido por lei.
Talvez haja alguma explicação científica para isso. “Então as populações melhoraram?”, surpreende-se Edson Vidal, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) . “Mas o que aconteceu foi o inverso”, ele mesmo conclui.
Tão estranho quanto a não inclusão do mogno é o fato de o Imazon, um dos dois ou três únicos centros de excelência no estudo de espécies madeireiras amazônicas, não ter participado da pesquisa. “Nós não fomos consultados. Eu nem fiquei sabendo”, lamenta Vidal, doutor em Ciência de Engenharia Ambiental.
A coordenadora científica do projeto, Miriam Pimentel Mendonça, da Fundação Zoo-Botânica de Belo Horizonte, reconhece que ainda há muitas lacunas nas pesquisas botânicas brasileiras, especialmente na Amazônia. “Há áreas deficientes. Na Amazônia se conhece pouca coisa. Tentamos ser o mais abrangentes possível. Por isso criamos uma coordenação especial para Amazônia, no Museu Goeldi”, explica a pesquisadora.
Mas apesar de o Museu Goeldi se localizar na mesma Belém que o Imazon, as instituições não se encontraram para trocar informações. Segundo o coordenador da pesquisa para a Amazônia, Dário Amaral, o convite ao Imazon foi feito. Ele explica que o mogno, assim como a castanheira, apesar de muito assediado pelo mercado madeireiro, não foi considerado nem “em perigo” porque têm uma distribuição ampla, em vários estados da Amazônia. No entanto, ele mesmo esclarece que a distribuição geográfica é apenas um dos critérios, e que a exploração comercial destrutiva também é levada em conta. Nesses dois casos, parece que isso não pesou muito.
Dário Amaral não sabe quantas espécies amazônicas entraram na lista final. Estima que sejam mais de cem. Muito pouco perto das 1.549, ainda mais para a maior floresta do mundo, desmatada em ritmo galopante.
Ipê-roxo desconhecido?
Sobre o mogno e a castanheira, Edson Vidal não tem muitos comentários técnicos a fazer, por não conhecer os critérios adotados. Mas um estudo recente do Imazon poderia levar à inclusão de pelo menos três espécies excessivamente exploradas pela indústria madeireira: a maçaranduba (Manilkara huberi), o jatobá (Hymenaea courbaril) e o ipê-roxo (Tabebuia impetiginosa – foto). Principalmente esta última.
Há mais de cinco anos, pesquisadores do instituto, em parceria com cientistas da Universidade da Florida e do Instituto Floresta Tropical (IFT), estudam a ecologia dessas espécies e sua capacidade de recuperação à exploração madeireira “exemplar”. Ou seja, aquela que opera legalmente, adotando ciclos de 30 anos entre cada área cortada para permitir a regeneração da floresta, e só abate árvores a partir de certa idade e diâmetro.
A conclusão, publicada na revista Ciência Hoje de abril deste ano sob o título “Madeiras nobres em perigo”, é que nem mesmo a chamada “exploração de impacto reduzido” é suficiente para garantir a sobrevivência dessas espécies.
As projeções do estudo mostram que uma área com maçaranduba, depois 30 anos recuperando-se de um corte “seletivo”, só chega a 25% da população original. Para recuperar 75% das árvores que havia inicialmente, seriam necessários 120 anos! Um prazo inviável para o mercado. Com o jatobá os resultados foram semelhantes. Já o ipê-roxo vive situação ainda mais dramática. Explorado como vem sendo atualmente, daqui a 30 anos as áreas que “descansam” para se regenerar chegariam a apenas 4% dos indivíduos originais. No impensável prazo de 120 anos, o número de indivíduos alcançaria míseros 18% da população escolhida para manejo “sustentável”.
Diante disso, não estariam estas espécies em perigo? Os cientistas do Imazon acham que sim. Tanto que estão preparando documentos para defender a inclusão ao menos do ipê-roxo na lista de espécies ameaçadas da Convenção para o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagens em Perigo de Extinção (CITES), da qual o Brasil é signatário. O artigo conclui pela necessidade de novas regras para a exploração madeireira, que respeitam a dinâmica ecológica de cada espécie. “Os regulamentos do mogno representam um ponto de partida prático para o ajuste das normas de exploração para essas outras espécies”, afirmam.
Não se sabe como ficam os regulamentos do mogno após a divulgação da nova lista. Sobre o ipê-roxo, Dário Amaral, coordenador da lista vermelha para a Amazônia, informa: “Ele até entrou na relação inicial. Mas não havia conhecimento científico específico”.
Novas políticas
Os coordenadores da Biodiversitas não querem se pronunciar enquanto a lista não for divulgada pelo Ministério do Meio Ambiente. Este, não pode se pronunciar enquanto não receber a lista da Biodiversitas. O documento está em trânsito por estes dias.
Uma coisa é certa: mesmo com as omissões amazônicas identificadas, o reconhecimento de mais de 1.500 novas espécies da flora como ameaçadas de extinção abre um novo patamar de negociação entre ambientalistas e o governo, visando criar políticas e leis específicas para a proteção de cada espécie.
Um exemplo: a lista antiga serviu de base para a Resolução 278, editada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) em 2001. Ela proíbe a exploração comercial de todas as espécies da flora nativa ameaçadas de extinção na Mata Atlântica. Será que continuará a valer quando a nova lista for oficializada?
“O Ibama precisa urgentemente dessa lista. Muita coisa é perdida porque não existe lei para proibir. Os fiscais sabem que as espécies estão ameaçadas, mas por enquanto só podem agir com a lista de 1992 na mão”, diz Miriam Pimentel Mendonça, da Fundação Zoo-Botânica. Entre as espécies de Mata Atlântica, Miriam lembra que há quatro novos tipos de jacarandá “em perigo” ou “criticamente em perigo”. A araucária (Araucaria angustifolia), ameaçadíssima no sul do país, ganhou no novo estudo o reconhecimento de sua fragilidade, passando de “vulnerável” para “em perigo”.
O outro lado da moeda será a presteza do governo em atender à gigantesca demanda que deve surgir. E também combater a pressão comercial sobre as espécies da lista vermelha. “A situação é crítica. O governo precisa ter agilidade para iniciar estratégia para conservação daquelas espécies que estão superexploradas. E medidas para incentivar o plantio das espécies mais requisitadas pelo mercado. Senão não vai diminuir a pressão sobre a população natural. Pelo contrário: deve crescer a demanda comercial, especialmente a ilegal, a partir da divulgação da lista. Tenho minhas dúvidas de como isso vai ser administrado. O tiro pode sair pela culatra”, alerta o botânico Haroldo Cavalcante de Lima, da Diretoria de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e um dos coordenadores da pesquisa.
De ignorância, já não podemos nos queixar. Agora é esperar que o governo saiba o que fazer com o conhecimento acumulado. E que os cientistas, que já não são muitos, se comuniquem cada vez melhor.
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