Manaus, AM – Jararacuçus não têm o apelo sedutor de golfinhos, bichos-preguiça ou macacos. Perigosas, mortíferas e, para muitos, repugnantes. Para quem adentra a mata, um encontro inesperado com ela pode não terminar muito bem, mas a presença de jararacuçus em uma floresta é uma excelente noticia para o Meio Ambiente.
“Elas são o que nós chamamos de espécie guarda-chuva, porque se está protegida significa que todo o ambiente está protegido”, afirma Marco Antônio de Freitas, analista ambiental do Instituto Chico Mendes (ICMBio), responsável por um estudo que apontou o risco de extinção de uma das espécies de jararacuçus brasileiras, a Bothrops muriciensis, que só é encontrada na Estação Ecológica Murici, Alagoas, e imediações.
Essa talvez seja a Bothrops continental mais rara e menos conhecida do Brasil, na opinião de Freitas, que é geógrafo e zoólogo. Desde que pesquisadores a espécie, em 2001, até agora, só nove indivíduos foram encontrados. O artigo assinado por Freitas e colegas relaciona outros seis registros, dois deles obtidos em uma expedição realizada há quase três anos, que teve a participação dele.
Em março de 2010, Freitas e outros três pesquisadores, Daniella França, Cristiano Moura e Alexandre Cavalcanti, empreenderam a busca na Fazenda Bananeiras, que tem mais de 75 por cento de sua área sobreposta à Esec Murici, na tentativa de obter novos registros da víbora. Foram oito dias e mais de 300 horas de buscas ativas (contando o trabalho da equipe inteira) à noite. A missão resultou em novos registros da serpente e informações que serviram para classificá-la como criticamente ameaçada, na lista de espécies brasileiras em risco de extinção.
Das 27 espécies diferentes do gênero Bothrops encontradas no Brasil, Freitas explica que quatro fazem parte do grupo das jararacuçus, caracterizadas por serem maiores e mais volumosas do que as primas jararacas. Elas podem chegar a 2 metros de comprimento, enquanto as jararacas, medem aproximadamente um metro (exceção da urutu-cruzeiro Bothrops alternatus, que pode atingir um tamanho de aproximadamente 1,5 metro). Além disso, o veneno da jararacuçu possui uma substância parecida com a miotoxina, veneno das cascavéis.
Outra diferença é que o afunilamento na parte final do coró, no caso das jararacas, é mais suave. As jararacuçu têm também um bote maior e capacidade de inocular mais veneno do que as parentes. Além da B muriciensis, existem a B pirajai (encontrada também no Nordeste, em uma limitada área do litoral baiano), a B jararacussu (que ocorre desde o Sul da Bahia até o Rio Grande do Sul) e a B brazili (relacionada ao Bioma Amazônia).
Os novos registros
As jararacuçus encontradas eram jovens e mediam 24 e 31 centímetros de comprimento. Infelizmente, os registros confirmam que a víbora só é encontrada em uma região muito pequena e que precisa ser protegida. De acordo com o artigo publicado no periódico científico North-Western Journal Of Zoology, a jararacuçu alagoana só foi vista até agora dentro dos 15,29 quilômetros quadrados da fazenda.
A importância de preservar a região vai além da presença da serpente. Os 61,16 quilômetros quadrados da Esec Murici abrigam diversos outros animais endêmicos, como outros répteis, anfíbios e aves. Faz parte também do pouco que restou da Mata Atlântica, bioma do qual só restam 8% da área original e ainda assim muito fragmentados. espécies endêmicas relacionadas a ela e ao ambiente, como aves e o macaco-prego-amarelo.
De acordo com o herpetólogo, a ESEC Murici precisa de uma base permanente e fiscalização mais rigorosa, esta jararaca é um exemplo de um animal que pode se extinguir se nada for feito, e com ela podem desaparecer toxinas importantes para a humanidade. O veneno da jararaca, como lembra Freitas, é utilizado para a produção do captopril. No veneno da cascavel, outro exemplo, foi descoberta uma substância anticancerígena e um analgésico centenas de vezes mais poderoso do que a morfina, segundo o pesquisador.
Apesar da necessidade de preservação, a Esec e a B muriciensis têm inimigos poderosos. Em novembro do ano passado, por exemplo, o Ministério Público Federal entrou na Justiça contra o senador Renan Calheiros (PMDB/AL) e a empresa Agropecuária Amazonas. A acusação: pavimentação irregular com paralelepípedos de uma estrada com 700 metros de extensão dentro da Estação Ecológica, sem autorização do ICMBio.
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