Bonito – Suspensos num deck de madeira, olhamos para baixo sob a orientação de nossa guia. Ela nos mostra a poucos metros, um pequeno lago transparente rodeado de uma vegetação frondosa, com árvores de aroeira e peroba. “Aqui é uma das nascentes do rio Sucuri”, explica (Veja o vídeo ao lado). Quando voltamos a caminhar na trilha ladeada por palmeiras de buruti, ela acrescenta: “Como se vê é um ambiente frágil, por isso criou-se aqui uma RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural).” Dentro de alguns minutos e poucos metros dali, nosso pequeno grupo – 7 turistas munidos de máscaras, snorkel e roupas neoprene – iria mergulhar nas águas cristalinas para conhecer os habitantes do Sucuri: dourados, piraputangas e curimbatas.
Estamos em Bonito, Mato Grosso do Sul, a cidade brasileira que, talvez como nenhuma outra, conseguiu promover conservação (e até recuperação) da natureza através do turismo. Todos os anos cerca de 200 mil visitantes chegam em busca das águas com visibilidade incrível, que permitem, como no rio Sucuri, a observação de cardumes multicoloridos. Há menos de 20 anos, o turismo desordenado forçou proprietários a notar que sua fonte de riqueza – as nascentes – era extremamente frágil. Para não matar a galinha dos ovos de ouro, muitos criaram reservas particulares e passaram a reflorestar matas ciliares. Nas fazenda Nascentes do Rio Sucuri, o proprietário Geraldo Magela, reservou 642 hectares dos 8 mil hectares como RPPN.
Não por acaso, Bonito abrigou, na última semana de outubro, o 1o Congresso de Natureza, Turismo e Sustentabilidade (CONATUS). Organizado pela Fundação Neotrópica, o evento debateu como estratégias de conservação podem permear atividades turísticas. A impressão nítida para quem foi ao encontro é de que, ao redor do Brasil, sejam em fazendas ou em parques nacionais, a proteção das riquezas naturais torna-se viável economicamente graças ao recursos trazidos por turistas.
Especialistas do Brasil inteiro estiveram em Bonito para o Conatus. Entre os 320 inscritos, provenientes de 17 estados, grande parte era composta por estudantes de turismo sedentos por informação. Muito se discutiu como garantir o crescimento ordenado dos destinos, controlando o fluxo de turistas. Bonito parece ser um dos estudos de caso mais interessantes, onde suas atrações têm estudos de capacidade e recebem pequenos grupos sempre acompanhados por guias.
O perfil daqueles que buscam o ecoturismo também foi alvo de discussões interessantes. O coordenador-geral da Associação Brasileira de Ecoturismo e Turismo de Aventura (Abeta), Gustavo Timo, revelou que em uma pesquisa realizada em parceria com a Embratur, evidenciou-se que as pessoas buscam o turismo de natureza com objetivo principal de “fugir do stress urbano”. Nem sempre apelar para a consciência ecológica do turista pode ser a estratégia mais certeira. “Ninguém viaja pra ter um curso de educação ambiental, mas as informações são passadas ao longo do passeio.”, disse Timo.
Monitores da conservação
Samuel Dubela, cabelos compridos e um boné com aba virada, circulou todos os dias pelo CONATUS. Jeitão de garoto, muitos poderiam tomá-lo com
um dos estudantes por ali. Mas ele é o gestor da RPPN Cabeceiras do Prata, umas das atrações mais apreciadas de Bonito. A área, com 307 hectares, abriga as nascentes do rio Olho d´Água , um afluente cristalino do rio da Prata onde uma enorme quantidade de peixes pode ser avistada. Dubela coordena, na reserva, dois monitores ambientais que todos os dias coletam informações sobre espécies da fauna avistadas, a temperatura da água e abundância de peixes. “ A cada três meses eu faço um relatório com estes dados”, conta o biólogo.
Monitorar o estado das áreas de reserva bem como as atrações turísticas é uma contribuição valiosa que pode ser dada pelo turismo à conservação. Em Bonito, a proliferação da RPPNs nos últimos anos permitiu um planejamento, através de planos de manejo, de áreas de mata que devem ficar intocadas, bem como outras que serão recuperadas para formar corredores de biodiversidade com propriedades vizinhas.
Durante o Conatus, um dos exemplos mais marcantes foi o do hotel de selva Cristalino, localizado em Alta Floresta, Mato Grosso. A proprietária Vitória da Riva explicou a atração exercida pela RPPN sobre observadores de aves e também pesquisadores. Ao longo dos anos, o turismo no Cristalino Loudge ajudou a criar a estratégia de conservação da floresta amazônica no norte matogrosso. Com 7 mil hectares, ela faz um corredor com o Parque Estadual do Cristalino. E Riva criou uma Fundação para promover pesquisa da biodiversidade local.
“Não é turismo de massa”
Não há dúvidas que o Abismo Anhumas faz juz ao seu slogan propagandeado nas agências de turismo: “a maior aventura do Brasil”. Há cerca de 20km do centro de Bonito, uma pequena fresta na rocha calcária permite adentrar uma cavidade de 72 metros de altura, 120 de cumprimento e 80 metros de largura. Para tanto é preciso estar dependurado em uma corda, pela qual uma roldana desliza suavemente até uma plataforma flutuante. Dentro da caverna, um gigantesco lago cristalino, permite um mergulho de até 30 metros de profundidade.
Descer ali é como visitar outro planeta, para dizer o mínimo. Na verdade, alguém pode achar que o preço da passagem é quase mesmo: 360 reais para quem faz o rapel e flutuação no lago e 520 para quem opta por mergulhar com cilindro. De quebra, um passeio de bote no qual os guias explicam tim tim por tim tim a formação das gigantescas colunas de calcário dentro da água, as cortinas , as estalictites. Edmundo da Costa Júnior, responsável técnico de Anhumas, explica que a meta da atração é sempre atingir excelência, tanto no cuidado da caverna como com o próprio turista . No dia anterior ao passeio, todos os visitantes devem passar por um treinamento para fazer o rapel e também recebe instruções básicas como não utilizar filtro solar ou quaisquer outros produtos químicos que possam afetar o ambiente da caverna. Grupos de no máximo 10 pessoas por turnos de 10 horas. “Não é turismo de massa”, afirmo Edson, quando explica a estrutura de segurança e equipe envolvidos na aventura.
O preço das atrações de Bonito foi debatido durante mesa redonda no Congresso de Natureza, Turismo e Sustentabilidade. Um grupo de alunos questionou o alto custo dos ingressos ao secretário de Turismo, Indústria e Comércio da cidade, Augusto Mariano. Ele foi enfático ao dizer que não considera caro o preço das atrações. Mencionou que existem opções com preços mais modestos. O principal exemplo é o balneário municipal, onde os moradores de Bonito estão isentos da taxa de 10 reais cobradas ao turistas.
Buraco das Araras, exemplo de recuperação
Uma das atrações mais intrigantes de Bonito é o Buraco das Araras. Também transformado em RPPN, o local abriga uma dolina gigante (supostamente a segunda maior do mundo) em cujas paredes araras vermelhas e curicacas fazem seus ninhos. A história que torna este passeio tão interessante é que até os anos 90, o buracão era utilizado para a desova de cadáveres ou carros roubados. Isso afastou as araras que só voltaram depois que a área foi comprada por um fazendeiro interessado em recuperar. Hoje além da exuberante mata que cresce no fundo do buraco, ele está rodeado por um bonito cerrado com espécies com ananas, araticum, pororoca e muitas outras. Seguem as fotos do passeio, por Gustavo Faleiros. |
Gustavo Faleiros viajou a Bonito por convite da organização do CONATUS e foi convidado a visitar o Abismo Anhumas e as Cabeceiras do Rio da Prata.
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