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Aridez avança e 3/4 do planeta ficaram mais secos nas últimas décadas, diz estudo da ONU

Relatório apresentado na COP da Desertificação, que acontece na Arábia Saudita, aponta que 40,6% das terras do mundo são áridas; aridez cresce no Nordeste e Amazônia corre risco

Gabriel Tussini ·
10 de dezembro de 2024

Um estudo lançado nesta segunda-feira (9) por cientistas ligados à ONU alerta que 77,6% das massas de terra do planeta ficaram mais secas entre 1991 e 2020, na comparação com o período entre 1961 e 1990. O relatório foi lançado durante a 16ª Conferência das Partes (COP 16) da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, que acontece até esta sexta (13) em Riade, na Arábia Saudita. 2,3 bilhões de pessoas viviam em terras áridas em 2020, quase o dobro do que o registrado em 1991 (1,2 bilhão).

No total, 40,6% das terras do planeta passaram a ser consideradas áridas, excluindo a Antártida. No período analisado, 7,6% do mundo passou de não-árido para árido (uma área maior que a Índia apenas para essa categoria de mudança), ou de níveis mais suaves para mais extremos de aridez. O estudo define “terra árida” como aqueles com índice de aridez menor que 0,65 – ou seja, áreas em que os acumulados de chuva equivalem a menos que 65% do total de água pode ser potencialmente evaporada, o que inclui os climas hiperárido, árido, semiárido e subúmido seco. 3,2% do planeta passou do clima úmido para o subúmido seco, a mudança de classificação mais comum entre todas.

O Brasil, frisou o estudo, foi uma das áreas onde a tendência de seca foi “particularmente prevalente”, assim como no oeste dos EUA, na Europa, na Ásia (especialmente no leste do continente) e na África central. A região Nordeste esteve entre as áreas do mundo destacadas como as de maior expansão de novas terras áridas e de desertificação. Os países com maior extensão de áreas que recentemente se tornaram áridas em relação à sua área total, porém, ficam na África Oriental – Sudão do Sul e Tanzânia. A China, por sua vez, lidera o crescimento em números absolutos.

Caso as mudanças climáticas não sejam devidamente combatidas, alertam os pesquisadores, a tendência de aumento da aridez se agravará. A projeção é de que, em um cenário de aumento de emissões de gases do efeito estufa, mais de 5 bilhões de pessoas vivam em regiões áridas até 2100, contra as 2,3 bilhões registradas em 2020. 

Nesse cenário, também é esperado um processo de aridificação na Amazônia – que deve ainda ser “particularmente afetada” por incêndios florestais, assim como o Mediterrâneo. 20% das terras do mundo correm risco de transformações abruptas de ecossistema até 2100, com 55% das espécies sob risco de perda de habitat devido à aridez.

16ª COP da Desertificação ocorre na Arábia Saudita. Foto: UNCCD/Flickr

“Pela primeira vez, a crise de aridez foi documentada com clareza científica, revelando um perigo existencial afetando bilhões ao redor do mundo”, alertou Ibrahim Thiaw, secretário-executivo da convenção. “Ao contrário das secas – períodos temporários de pouca chuva –, a aridez representa uma transformação permanente e implacável. Secas terminam. Quando o clima de uma área se torna mais seco, porém, sua habilidade de retornar às condições prévias é perdida”, explicou.

“Os climas mais secos que agora afetam vastas terras ao redor do mundo não retornarão a como eles foram, e essa mudança está redefinindo a vida na Terra”, alertou o diplomata da Mauritânia. A causa dessas mudanças, conclui o estudo, é o aquecimento causado pelas emissões de gases do efeito estufa, principalmente na geração de energia, transporte, indústria e mudanças no uso do solo (desmatamento).

“As mudanças climáticas causadas pelo homem são o culpado; conhecidas por tornar o planeta mais quente, elas também estão o tornando mais e mais seco. O resultado é a baixa fertilidade do solo, perdas de colheita, quedas na biodiversidade, intensas tempestades de areia e poeira, frequentes incêndios florestais e, é claro, maior insegurança alimentar e de acesso à água. A escassez de água relacionada à aridez está causando doenças e mortes, e estimulando migrações forçadas em larga escala ao redor do mundo”, observa um trecho do estudo.

Recomendações

Para lidar com essa tendência, o estudo recomenda uma série de medidas de mitigação e adaptação – além da diminuição nas emissões –, divididas em 5 grandes áreas de políticas públicas integradas: 

  • Fortalecer o monitoramento da aridez, integrando aos atuais monitoramentos de seca;  
  • Estabelecer padrões globais para o monitoramento da aridez, facilitando a análise dos cenários e permitindo o surgimento de estratégias mais efetivas de adaptação;
  • Melhorar as práticas de uso da terra, utilizando sistemas sustentáveis, como a agroecologia e a agricultura orgânica, assim como políticas de reflorestamento, aliando conhecimentos tradicionais com tecnologias modernas;
  • Incluir a adaptação à aridez e à seca nos Planos Nacionais de Adaptação às mudanças climáticas, aumentando a resiliência de comunidades vulneráveis;
  • Fortalecer estruturas e cooperação internacionais para combate à crise da aridez, como a própria Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação.

“Sem esforços concertados, bilhões enfrentarão um futuro marcado pela fome, deslocamento e declínio econômico. Porém, ao abraçar soluções inovadoras e promover solidariedade global, a humanidade pode enfrentar esse desafio. A questão não é se temos as ferramentas para responder, mas se temos vontade de agir”, comentou Nicole Barger, co-presidente da Interface Ciência-Política, grupo de especialistas da Convenção responsável por traduzir estudos científicos em recomendações de políticas públicas.

“A clareza do relatório é um alerta para os formuladores de políticas públicas: enfrentar a aridez demanda mais do que apenas ciência – requer uma diversidade de perspectivas e sistemas de conhecimento. Ao combinar conhecimentos indígenas e locais com dados de ponta, nós poderemos elaborar estratégias mais robustas e inteligentes para frear o avanço da aridez, mitigar seus impactos e prosperar num mundo mais seco”, concluiu Sergio Vicente-Serrano, especialista em aridez e um dos autores do estudo.

  • Gabriel Tussini

    Estudante de jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), redator em ((o))eco e interessado em meio ambiente, política e no que não está nos holofotes ao redor do mundo.

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