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Bolsonaro autoriza exploração salineira em APP no Rio Grande do Norte

Decreto que torna de interesse social a atividade salineira e consolida ocupações em área protegida foi assinado às vésperas do Dia Mundial do Meio Ambiente

Carolina Lisboa ·
6 de junho de 2019 · 5 anos atrás
APP ocupada por salinas no Rio Grande do Norte. Foto: F. Souto.

Às vésperas do Dia Mundial do Meio Ambiente, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, assinaram um decreto tornando de interesse social a exploração de salineiras no Rio Grande do Norte, atividade que já foi alvo de grandes ações do Ibama, por ocupar irregularmente áreas de preservação permanente, como beira de rio. O Decreto nº 9.824, de 4 de junho de 2019, que declara a atividade salineira nos municípios potiguares de Mossoró, Macau, Areia Branca, Galinhos, Grossos, Porto do Mangue, Pendências e Guamaré de interesse social foi assinado no Palácio do Planalto na última terça-feira (04) pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. No evento estiveram presentes a prefeita de Mossoró, Rosalba Ciarlini (PP), parte da bancada federal do Rio Grande do Norte e os empresários da indústria salineira do RN.

A publicação saiu no Diário Oficial da União (DOU) ontem (05), Dia Mundial do Meio Ambiente.

A ocupação dos estuários pela atividade salineira pode gerar uma série de problemas ambientais como devastação de manguezais, mortandade de fauna, ocupação de margens de rios, lançamento de efluentes tóxicos, além de conflitos socioambientais, uma vez que as empresas fecham os canais de rios, impedindo o acesso da população, especialmente de pescadores e marisqueiros.

“A medida pode comprometer todos os estuários do Rio Grande do Norte que produzem sal, seja por desmatamento de mangue ou ocupação de habitats e suas consequências. Pode repercutir indiretamente em um outro setor produtivo que utiliza os estuários, fazendo com que os empresários desse setor pressionem a classe política para tornar de interesse social atividades como a carcinicultura. Isso repercutirá nos manguezais no país todo, especialmente do Nordeste ao Norte, onde há produção de camarão, e isso é muito perigoso. Além disso, os processos administrativos podem sofrer problemas como cancelamento de autos. Também pode comprometer as ações civis públicas abertas pelo Ministério Público Federal contra as empresas que ocuparam APPs. Enfim, há uma repercussão ambiental gravíssima e muito séria. Ainda não sabemos a repercussão administrativa e jurídica disso, mas provavelmente o Ministério Público Federal entrará com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo contra esse decreto”, esclareceu um servidor do Ibama, que preferiu não se identificar.

Operação Ouro Branco

Ato de assinatura da regulamentação das atividades em Salinas. Foto: Isac Nóbrega/PR.

O decreto foi uma consequência da Operação Ouro Branco, deflagrada em 2013 pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que resultou na autuação de 35 salinas por ocupações irregulares em Áreas de Preservação Permanente (APPs) de manguezais e margens de rios. Na época, foram 112 multas que somavam cerca de R$ 80 milhões, 19 áreas embargadas e 45 notificações para apresentação de documentos. Desde então, a bancada federal apoiada pelas classes política e empresarial ligadas às atividades de salinas da região vêm pressionando o Governo Federal com a proposição de criação de um decreto para tornar essas áreas de produção de sal como de interesse social.

Planejada desde 2010, a Operação Ouro Branco já entrou para a história como uma das ações mais exitosas dentre os órgãos ambientais potiguares, envolvendo um efetivo de 21 agentes federais de 5 estados (RN CE, AL, PE, ES), além da participação da Diretoria de Proteção Ambiental (DIPRO), de Brasília. Quando foi deflagrada, gerou forte pressão do Governo do Rio Grande do Norte e dos empresários salineiros sobre o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema), o órgão estadual, que ficou incumbido de “salvar a atividade”, segundo o próprio diretor-geral do Instituto na época, via licenciamento ou renovação das licenças das salinas em situação irregular.

Interesse social

O decreto declara como de interesse social as salinas “cujas ocupação e implantação tenham ocorrido até 22 de julho de 2008”. A menção a esta data decorre da entrada em vigor do Decreto 6.514/08 (Lei de crimes ambientais), que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas a quem destruir ou danificar florestas ou demais formas de vegetação natural em APPs sem autorização ou em desacordo com a norma. O Código Florestal de 1965 (Lei nº 4.771) já permitia a ocupação em APPs nas condições de interesse social, utilidade pública ou uso militar. Na última revisão do Código, que resultou na Lei 12.651/12, foram incluídas, em seu art. 3º, diversas outras ações ou atividades como de interesse social e utilidade pública, além de atividades de baixo impacto ambiental. Dentre as possíveis intervenções em APPs estão as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, a exploração agroflorestal sustentável, a implantação de certos tipos de infraestruturas e instalações públicas, a regularização fundiária de assentamentos humanos de baixa renda em áreas consolidadas, atividades de pesquisa e extração mineral outorgadas. Também foi incluída a possibilidade de permissão de “outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional à atividade proposta, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal”.

O impacto das salineiras visto de cima. Foto: Henrique Lage

Leia íntegra do decreto:

DECRETO Nº 9.824, DE 4 DE JUNHO DE 2019

Declara de interesse social a atividade em salina, destinada à produção e ao beneficiamento de sal marinho, nos Municípios de Mossoró, Macau, Areia Branca, Galinhos, Grossos, Porto do Mangue, Pendências e Guamaré, Estado do Rio Grande do Norte.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 3º, caput, inciso IX, alínea “g”, e no art. 11-A, § 6º, da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012,

DECRETA:

Art. 1º Fica declarada de interesse social, para fins do disposto na alínea “g” do inciso IX caput do art. 3º da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, a atividade em salina, destinada à produção e ao beneficiamento de sal marinho, cujas ocupação e implantação tenham ocorrido até 22 de julho de 2008, realizada em áreas localizadas nos Municípios de Mossoró, Macau, Areia Branca, Galinhos, Grossos, Porto do Mangue, Pendências e Guamaré, Estado do Rio Grande do Norte.

Parágrafo único. A declaração de interesse social não vincula a tomada de decisão dos órgãos e das entidades ambientais competentes quanto à aprovação do empreendimento para fins de licenciamento e de autorização ambientais.

Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 4 de junho de 2019; 198º da Independência e 131º da República.

JAIR MESSIAS BOLSONARO
Paulo Guedes
Ricardo de Aquino Salles

 

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  • Carolina Lisboa

    Jornalista, bióloga e doutora em Ecologia pela UFRN. Repórter com interesse na cobertura e divulgação científica sobre meio ambiente.

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