Para que de fato contribua com a luta global contra as mudanças climáticas, o Brasil precisa adotar ações bastante ambiciosas, o que inclui comprometer-se a emitir somente 200 milhões de toneladas de CO2 equivalente (CO2e) por ano até 2035 e zerar o desmatamento. A meta ideal, apresentada nesta segunda-feira (26) pelas organizações que compõem o Observatório do Clima, representa um corte de 92% em relação a 2005, ano base dos cálculos climáticos e quando o Brasil emitiu 2,4 bilhões de toneladas de CO2e.
A meta oficial brasileira, conhecida pela sigla NDC, considera o corte de 48% em suas emissões até 2025 e de 53% até 2030, em relação ao inventário de 2005. Com isso, o Brasil chegará em 2025 emitindo 1,32 bilhão de toneladas de CO2e, e, em 2030, emitindo 1,2 bilhão de toneladas.
Segundo as regras do Acordo de Paris, tratado internacional sobre mudanças climáticas do qual o Brasil é signatário, os países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) têm até fevereiro de 2025 para apresentarem suas novas metas climáticas.
A expectativa é que a nova meta oficial brasileira seja apresentada durante a Conferência do Clima deste ano, a ser realizada em novembro próximo, no Azerbaijão. A data exata, no entanto, ainda não foi divulgada pelo governo brasileiro.
O objetivo das metas climáticas é limitar o aquecimento global, preferencialmente, até 1,5ºC acima do período pré-industrial. Atualmente, o globo já está, em média 1,1ºC mais quente – ainda sem considerar os recordes de 2024 – e as metas agregadas de todos os países levariam a um aquecimento de, ao menos, 3ºC, caso sejam cumpridas como estão.
Aumento de ambição
A meta proposta pelo Observatório do Clima foi construída ao longo de vários meses, por dezenas de organizações, e está baseada na melhor ciência disponível. Ela, no entanto, é bem mais ambiciosa do que as metas apresentadas anteriormente pelo governo brasileiro e, provavelmente, também com um nível de ambição maior do que a que será apresentada em breve pelo país.
“Colocamos essa proposta na mesa para estabelecer a barra de ambição e dizer ao governo não apenas o que o país precisa fazer, mas principalmente o que tem condições de entregar”, afirma David Tsai, coordenador do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do OC).
A meta apresentada pelas organizações fatora a responsabilidade histórica do Brasil e a capacidade de agir, dada pela renda per capita. Atualmente, o Brasil é o sexto maior emissor global de gases estufa.
Além da sugestão do corte total nos gases estufa (92% até 2035 com base no inventário de 2005), as organizações da sociedade civil também propõem cortes por tipo de combustível: 80% de redução no uso de carvão mineral, 38% nos derivados de petróleo e 42% no gás fóssil, também até 2035.
“Com essa redução na demanda, estimamos que o país não precise licenciar novos projetos de óleo e gás, cumprindo a recomendação da Agência Internacional de Energia de barrar a expansão de novos empreendimentos fósseis para cumprir o objetivo do 1,5oC”, diz Tsai.
Pilares de atuação
Para as organizações que propõem a nova meta climática, ela só poderá ser alcançada se as ações forem apoiadas em cinco pilares principais. O primeiro deles é a redução de desmatamento a quase zero em todo o país – limitado a um máximo de 1.000 km² anuais, a partir de 2030. No último ano, somente a Amazônia contabilizou 9 mil km² de desmatamento.
Os outros pilares seriam a recuperação de 21 milhões de hectares de cobertura vegetal em todo o país, sequestro maciço de carbono no solo pela expansão de práticas agropecuárias de baixa emissão, transição energética para fora dos combustíveis fósseis e a melhoria da gestão de resíduos.
As metas de corte para cada pilar de atividade e para cada setor da economia brasileira podem ser conferidas aqui.
Adaptação
O Observatório do Clima também propõe uma série de medidas de adaptação, entre elas o desenvolvimento de novos cenários de avaliação de risco climático e a inclusão da análise de impacto e risco climático em todo o orçamento público.
Além disso, a meta climática traz a proposta da realização, em dois anos, de um grande diagnóstico sobre perdas e danos no país, algo crucial num momento em que recifes de coral, o Pantanal e grande parte da Amazônia sofrem com uma sequência de eventos climáticos extremos.
“O que propomos aqui não é nada menos que uma transformação da economia brasileira. Parece radical, mas o mundo está num momento de radicalização da emergência climática. Como resultado de décadas de inação, todos os países terão de investir ao mesmo tempo em cortes agudos de emissão e em medidas amplas de adaptação ao clima”, diz Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional do OC.
Segundo Márcio Astrini, secretário-executivo da organização, a proposta já foi apresentada ao governo brasileiro e não houve nenhum questionamento sobre os números ou como os cálculos foram realizados. Como ela será absorvida internamente, ainda é uma incógnita.
“Acho difícil a proposta ser adotada na íntegra, tal como está. Não é nem nosso propósito ela ser adotada na íntegra. […] Quando os governos vão nas conferências de clima eles negociam a agenda de clima, nós estamos fazendo uma NDC para resolver a agenda do clima, não para negociar, existe uma diferença de princípio aí, mas eu espero que o governo considere essa proposta na hora de escrever a do país e adote o máximo possível”, disse.
De acordo com Astrini, a ideia é que a proposta das organizações brasileiras, a primeira a ser anunciada pelos países-membro da ONU, também sirva de referência e ajude outras nações a determinarem suas NDCs, com o nível de ambição necessário para o cumprimento do Acordo de Paris.
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