O Cerrado segue como uma “bucha de canhão” para o avanço do agronegócio. O desmate no bioma chegou a 109 mil ha em outubro deste ano, crescendo 86% em relação ao mesmo mês de 2022. É a pior taxa para outubro nos últimos três anos e terceiro pior mês de 2023.
Turbinadas pela forte seca, 75% (82 mil ha) dessas derrubadas no bioma ocorreram nos estados do Matopiba, fronteira agropecuária em parte do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, avaliou o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Piorando o cenário, legislações estaduais legalizam terras griladas. A da Bahia consolida ocupações até 1960, a do Maranhão até 1969, a do Piauí antes de 2014 e a do Tocantins até 2019, informou a advogada Joice Bonfim, da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado.
”Para atender a demanda por terras na esteira da expansão da fronteira agrícola, vão se abrindo brechas a partir de mudanças legislativas, em especial nas leis ambientais e de terras estaduais”, afirma o estudo ‘Na fronteira da (i)legalidade: desmatamento e grilagem no Matopiba’.
Para tentar frear essa lavagem de terras usurpadas, entidades civis protocolaram esta semana no Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a legislação tocantinense, aprovada em 2019.
A lei abre alas para que títulos de terras privadas sejam validados em cartórios mesmo sem uma “cadeia dominial” completa, a lista de proprietários de um imóvel rural, da sua titulação original pelo Poder Público ao último dono. Isso bateria de frente com leis federais.
“Permitir que [esses] títulos sejam validados com aval do Instituto de Terras do Tocantins (Intertins) institucionaliza processos históricos de grilagem de terras, de supressão vegetal e de violência contra o povo tocantinense que vive no campo”, destaca a ADI.
O pedido de ação foi sorteado ao ministro Kassio Nunes Marques, que poderá dar seguimento ou não ao procedimento.
A Constituição determina que terras devolutas devem ser primordialmente destinadas à agricultura familiar, reforma agrária, indígenas e quilombolas. “Estados não são autorizados a legislar sobre direito fundiário e registros públicos. Isso é competência da União”, explica a advogada Joice Bonfim.Se isso não é respeitado, crescem o desmate e a violência no campo. Em 2022, o Tocantins foi palco de 504 casos de pistolagem, 101 ameaças de expulsão, 113 casas destruídas, 15 ameaças de morte a posseiros e 1 homicídio ligado a conflitos por terra. Os dados são da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Não bastando, um projeto do senador Eduardo Gomes (PL/TO) transfere terras da União ao Tocantins. “Se o texto for aprovado, o estado poderá fazer a destinação massiva de terras públicas federais a setores privados”, avisa Dinah Rodrigues, advogada da CPT no Tocantins.
A proposta legislativa foi aprovada em outubro na Comissão de Desenvolvimento Regional do Senado e segue para análise da Comissão de Constituição e Justiça. Medida similar, a transferência de terras da União a Roraima e ao Amapá, foi aprovada em 2020.
*Com informações da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado.
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