Belém (PA) – A COP30 abriu espaço para um movimento inédito: comunidades locais de diferentes regiões do planeta decidiram construir sua própria instância política internacional. O Fórum Global de Comunidades Locais sobre Mudanças Climáticas (GFLCCC), lançado nesta semana em Belém, marca o início de uma articulação que pretende ocupar, com autonomia e força, um lugar historicamente negado nas negociações climáticas da ONU.
O anúncio veio após dois anos de diálogos conduzidos diretamente por organizações comunitárias da África, Ásia, América Latina e Caribe. Esse processo preparou o terreno para a criação do Caucus Internacional de Comunidades Locais, uma estrutura que nasce para fortalecer vozes que há décadas denunciam a ausência de representação formal dentro da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) ainda que sejam protagonistas na defesa da biodiversidade e na adaptação à crise climática.
Um espaço construído de dentro para fora
Ao contrário das estruturas tradicionais da conferência, o Fórum Global foi concebido pelas próprias comunidades, que definiram princípios, mecanismos de governança e critérios de autoidentificação. Esses critérios incluem vínculo territorial coletivo, inclusive de grupos de mobilidade territorial, autogoverno, ancestralidade, modos de vida que conservam ecossistemas e práticas tradicionais independentes de reconhecimentos estatais.
A coordenação política, que atuará entre 2025 e 2027, será compartilhada entre representantes de Nigéria, Camarões, Nepal, Indonésia, México e Brasil, num modelo que pretende refletir a diversidade e a pluralidade da articulação.
Representação bloqueada há sete anos
A pauta central do Fórum é romper um bloqueio que persiste desde 2018, quando a COP24 reconheceu a necessidade de garantir representação de comunidades locais, mas nunca ativou as vagas prometidas. A frustração acumulada se traduziu em um posicionamento mais firme nesta COP.
“O tempo das promessas passou. Agora é hora de coerência e coragem institucional”, disse o liderança geraizeiro Samuel Caetano. Para ele, não existe justificativa técnica ou moral para a ausência de comunidades locais em decisões que afetam diretamente seus territórios.
Gustavo Sánchez, da Red Mocaf (México), reforça que o Fórum chega maduro:
“Construímos um processo legítimo. Cabe às Partes reconhecerem isso e abrirem os espaços que nos são devidos.”
Cinco pedidos e um recado político
O Fórum entregou uma carta ao presidente da COP30, Embaixador André Corrêa do Lago, e ao Secretariado da UNFCCC com cinco pontos prioritários: reconhecimento institucional do Fórum; abertura de canais diretos de diálogo; participação imediata no processo previsto pela Decisão 14/CP.29; ativação das vagas destinadas às comunidades locais no FWG/LCIPP; e apoio para garantir presença das regiões do Sul Global, onde as barreiras de participação ainda são maiores.
As demandas foram reforçadas em reunião com o Relator Especial da ONU para os Direitos dos Povos Indígenas, Albert Barume, que reconheceu a relevância política da articulação.
Um divisor de águas para a justiça climática
Organizações brasileiras e internacionais avaliam que o lançamento do Fórum pode redesenhar a participação social na governança climática global. Apesar de historicamente marginalizadas, comunidades locais estão entre as mais impactadas por eventos extremos – e entre as que oferecem soluções concretas para a crise.
“Só um espaço autodefinido pode garantir legitimidade real”, afirma Guilherme Eidt, do ISPN.
O Fórum agora mira a consolidação de uma constituency oficial dentro da UNFCCC, além de pressionar por acesso direto a financiamento climático, considerado fundamental para que as comunidades mantenham sua autonomia.
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