O mundo precisa triplicar a velocidade de redução de emissões de gases de efeito estufa até 2030 se quiser evitar que o aquecimento global ultrapasse o limite de menos de 2°C definido no Acordo de Paris. Caso se pretenda ficar na temperatura mais segura de 1,5°C, o esforço terá de ser cinco vezes maior que o atual. As conclusões são de um relatório lançado nesta quarta-feira (27) pelas Nações Unidas.
O Emissions Gap Report, da ONU Meio Ambiente, é publicado todo fim de ano e mostra o abismo que separa nossas políticas de corte de emissões do que é necessário fazer para resolver a crise do clima. A edição de 2018 afirma que, em vez de diminuir progressivamente, esse abismo cresceu. Mesmo com as metas do Acordo de Paris sendo cumpridas, estamos no rumo de um aquecimento de 3°C no fim deste século.
Na edição de 2017, o relatório estimava que nós deveríamos chegar a 2030 emitindo no máximo 42 bilhões de toneladas de CO2 equivalente (em 2016, o mundo emitiu 51,9 bilhões). Cumprindo com régua e compasso todas as NDCs, as metas nacionais do Acordo de Paris, chegaríamos naquele ano na melhor das hipóteses a um nível de emissão 11 bilhões de toneladas maior do que o necessário. Isso equivale às emissões de “dois Estados Unidos”.
Neste ano, o buraco é mais em cima: as emissões de gases de efeito estufa voltaram a crescer em 2017 após três anos de estagnação, o que sugere que as políticas adotadas hoje pelos países para combater o aquecimento global não estão fazendo nem cócegas. O mundo emitiu no ano passado 53,5 bilhões de toneladas de CO2 equivalente. Isso indica que o esperado descolamento entre o crescimento econômico e as emissões de carbono, que se imaginava estar acontecendo entre 2014 e 2016, ainda não ocorreu.
Além disso, por conta de novos cálculos feitos pelo IPCC, o painel do clima da ONU, o limite de emissões em 2030 para nos mantermos na meta, especialmente a de 1,5oC, também foi reduzido. Como resultado, o hiato de ambição para 2°C cresceu de 11 bilhões para 13 bilhões de toneladas de CO2, no melhor cenário, e de 13 bilhões para 15 bilhões no pior (caso somente as NDCs não condicionadas, ou seja, que independem de ajuda financeira, externa sejam cumpridas).
Para 1,5°C, o hiato de ambição em 2030 quase dobrou: ele era de 16 bilhões de toneladas (melhor cenário) a 19 bilhões de toneladas no relatório do ano passado. Por conta dos novos achados do IPCC, saltou para 29 bilhões de toneladas (no melhor cenário ) para 32 bilhões de toneladas caso as NDCs sejam cumpridas apenas em sua parte não condicionada. A ONU Meio Ambiente considera que, se o nível de ambição das NDCs não for revisado para cima até 2030, a estabilização do clima em 1,5°C é carta fora do baralho.
A chance de 2°C ainda não está perdida, mas, segundo o relatório, “se o hiato de emissões não for fechado até 2030, é muito plausível que o objetivo de um aumento de temperatura bem menor que 2°C também fique fora de alcance”.
Tecnicamente, triplicar a velocidade de redução de emissões é viável. Segundo o relatório, uma combinação adequada de preço sobre as emissões de carbono (na casa de US$ 100 por tonelada) e tecnologias de redução de emissões poderia reduzir em 33 bilhões a 38 bilhões de toneladas de CO2 equivalente as emissões do mundo em 2030 (elas seriam de 59 bilhões de toneladas na ausência de medidas). O potencial de corte por parte de atores não-nacionais, como Estados, cidades e corporações, é de 19 bilhões de toneladas. Ou seja, no papel, dá para fechar o abismo e sobra.
A porca torce o rabo é na hora de traduzir esse potencial técnico na tal “vontade política”. Daqui a cinco dias, governos de 196 países terão mais uma chance de fazer isso, na conferência do clima de Katowice, Polônia, a COP24. Tudo indica que perderão a oportunidade de novo.
Na COP24 deverá ser fechado o “manual de instruções” do Acordo de Paris, um conjunto de regras sobre como os países deverão implementar as metas do tratado e verificar seu cumprimento a partir de 2020. Um ponto crítico das conversas será o aumento da ambição. Quando Paris foi assinado, já se sabia que as NDCs eram insuficientes, portanto ficou acertado que de tempos em tempos as nações se reuniriam para verificar a ambição coletiva e propor ajustes. A primeira dessas reuniões está marcada para 2023. Neste ano acontece o chamado Diálogo Talanoa, um bate-papo mais ou menos informal sobre a necessidade de ajuste.
Ocorre que apenas dois países do mundo, o Brasil e os EUA, definiram metas de cinco anos (para 2025). Todos os outros, inclusive a União Europeia, a Índia e a China, que estão entre os cinco maiores poluidores, têm metas para 2030. Os cientistas vêm defendendo que já no Diálogo Talanoa seja proposta a revisão das metas. Segundo Thelma Krug, vice-presidente do IPCC, esperar até 2023 para isso será tarde demais.
O problema, segundo diplomatas ouvidos pelo OC, é que não há o menor clima para falar de aumento de ambição na COP24. A conferência é presidida pela Polônia, país carvoeiro que tenta sempre puxar a ambição da União Europeia para baixo. E governos que negam a mudança climática andam chegando ao poder em países que são grandes emissores. O mais recente é o Brasil, cujo presidente eleito, Jair Bolsonaro, já ameaçou sair de Paris, seguindo o exemplo de Donald Trump, nos EUA. O chanceler nomeado por Bolsonaro, Ernesto Araújo, acha que o aquecimento global é parte de uma conspiração para dar poder à China.
Neste contexto, a própria diplomacia brasileira desistiu de pressionar na COP24 pela adoção de metas de cinco anos para todos os países, como vinha propondo – o que facilitaria revisões nas NDCs. O Diálogo Talanoa tende a produzir poucos resultados concretos e os negociadores tendem a manter suas asinhas recolhidas até que o clima entre as lideranças mundiais melhore.
O problema é que o outro clima, aquele que nos afeta todos os dias, só faz piorar, como mostraram os incêndios catastróficos na Califórnia, o deslizamento em Niterói, os recordes mundiais de calor batidos no primeiro semestre no hemisfério Norte e as inundações no Japão. Ano que vem, um El Niño fora de época se anuncia. Prepare o ar-condicionado, se puder. A maior parte da humanidade não pode.
Republicado do Observatório do Clima através de parceria de conteúdo. |
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