O Seminário Jornalistas em Diálogo, organizado por ((o))eco em parceria com o Imazon, chegou ao fim nesta quarta-feira (16). Os três dias de evento tiveram como objetivo principal, como o nome indica, promover um rico debate entre temas socioambientais e capacitar comunicadores. No encerramento, a primeira mesa trouxe um assunto muito discutido atualmente: a pecuária e sua relação, direta e indireta, com o desmatamento. A conversa foi enriquecida pelo pecuarista Mauro Lúcio Costa, vice-presidente da Associação de Criadores do Pará (Acripará), junto ao pesquisador André Vasconcelos, da Trase, empresa que faz o monitoramento da cadeia produtiva do gado para exportação. A mesa teve a mediação da jornalista Juliana Tinoco, da Partnerships for Forest.
As falas de Mauro Lúcio, dono de uma fazenda no interior do Pará e que se dedica a criar rebanho bovino, ajudaram a mostrar não apenas que o diálogo é possível entre agronegócio e meio ambiente, mas também que tem gente no campo tentando reduzir impactos ambientais e atuar com responsabilidade, e que isso é muito mais rentável.
“Essa rastreabilidade é importante para o produtor como gestão da propriedade. Esse é o ponto. é fazer o cara ganhar mais dinheiro fazendo aquilo que é certo, aquilo que o mercado quer. Mas não é porque o mercado vai pagar mais não, é porque ele vai descobrir como que ele produz mais, como que ele tem um fornecedor melhor, de mais qualidade. É esse caminho. Agora o que falta para isso? É informação”, comenta o pecuarista. “Meu faturamento é 16 vezes maior que a média”, acrescenta.
O pesquisador da Trase, André Vasconcelos, ajudou a contextualizar esse mercado da pecuária, responsável por 8,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e apresentou o trabalho de rastreamento já feito pela Trase, que está disponível para consulta de todos na plataforma online do projeto. O monitoramento mapeia diversas cadeias produtivas de commodities, como a soja e a carne bovina, e faz a conexão entre os locais de produção, as empresas e as exportações – o país final de destino.
Com esse levantamento é possível estimar o risco de desmatamento associado à produção daquela commoditie. No caso da pecuária, entretanto, André ressalta que ainda falta informação, principalmente sobre os fornecedores indiretos, que fazem a cria do bezerro e a engorda, e sobre o consumo do mercado doméstico, ou seja, como a carne é distribuída dentro do Brasil. “Nosso objetivo é aumentar a transparência, para que os frigoríficos consigam combater os riscos associados a cadeia produtiva”, explica o pesquisador.
“É importante compartilhar a responsabilidade desses impactos em todos os diferentes elos dessa cadeia, não só o produtor, não só o consumidor, mas trazer todo mundo junto pra discutirmos as soluções para isso”, pondera André.
Junto com Mauro Lúcio, os dois concordaram que não é necessária a abertura de novas áreas para pastagem e que, se geridas de forma mais inteligente, através da capacitação dos produtores e da tecnologia, é possível aumentar a produção dos pastos existentes e recuperar áreas abandonadas e degradadas. Ou seja, aumentar a produtividade do rebanho sem colocar mais nenhuma árvore abaixo.
Assista na íntegra a mesa “Do pasto ao prato”, disponível abaixo:
Como o mundo vê a Amazônia
Na segunda mesa do dia, dando sequência aos debates sobre jornalismo ambiental, o Seminário contou com a participação de dois jornalistas de veículos internacionais, Sarah Maslin, do The Economist, e Andres Schipani, do Financial Times. A conversa de ambos foi mediada pelo coordenador de comunicação do Observatório do Clima, Claudio Angelo, e abordou as experiências dos profissionais na cobertura não apenas da Amazônia, mas do Brasil, e como o mundo olha para nós.
Os dois falaram sobre as práticas do bom jornalismo, como checar todas as informações, mesmo oriundas de autoridades; ouvir todos os lados e as pessoas, principalmente as comunidades locais, como indígenas e ribeirinhos; e os desafios de “traduzir” o Brasil para o mundo.
Andres também comentou as pressões internacionais que o governo brasileiro tem sofrido em resposta aos descaso com a agenda ambiental e climática. “Ainda não tem uma regulação global que possa fazer uma punição, caso o Brasil desmata mais do que xis % vai ter algum tipo de sanção comercial. Acho que por enquanto muito difícil. Sobretudo porque o Acordo de Paris foi tão difícil e isso foi a primeira parte para tentar harmonizar um pouco as regulações ambientais, imagina se já passa disso para ação policial, de punição. Acho que ainda a engrenagem precisa mais óleo”, opina o correspondente do Financial Times.
Sua dupla no painel, Sarah Maslin, falou também sobre como ainda é necessário quebrar certas versões errôneas e simplistas que às vezes dominam o imaginário estrangeiro sobre o Brasil e o brasileiro.
“A ideia ainda do Brasil que é o Brasil da praia, da floresta, da caipirinha, do carnaval. E o Brasil conservador, do interior, do agricultor da Amazônia é um Brasil que o mundo internacional ainda não entende. E é muito importante tentar explicar porque o leitor não entende que o Bolsonaro pode ter a política ambiental que ele tem, porque eles acham que os brasileiros inteiros são progressistas, que são todos contra o Bolsonaro. E como é que eles têm esse presidente? Então é muito importante também explicar de onde vem o apoio ao Bolsonaro. Tem pessoas na Amazônia que querem esse desenvolvimento, muitos querem derrubar a floresta, porque não conhecem outra opção. Quando a gente fala da Amazônia, a gente precisa falar sobre as pessoas que moram lá, o que eles acham, e às vezes é mais complicado do que a conversa que está acontecendo em Brasília, a conversa que está acontecendo na Nações Unidas, mas é preciso trazer essa conversa”, declara a repórter do The Economist.
Assista abaixo ao debate da mesa “Amazônia nas manchetes do mundo”:
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