O desmatamento em florestas maduras da Mata Atlântica caiu 27% em 2023, em comparação com o ano anterior. Mas a derrubada de encraves do bioma em áreas de Cerrado e Caatinga cresceu 53% no mesmo período. São as conclusões do Atlas da Mata Atlântica e do Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD), mecanismos de monitoramento desenvolvidos pela Fundação SOS Mata Atlântica em parceria com, respectivamente, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o MapBiomas.
Os 14.697 hectares de desmatamento em 2023 detectados pelo Atlas – que monitora áreas de floresta madura maiores que 3 hectares – são o menor número desde 2020, interrompendo uma sequência de dois anos de perdas superiores a 20 mil hectares. Mas o relatório lembra que, mesmo sendo importante interromper a sequência negativa, o número ainda é superior aos desmatamentos de 2018, 2019 e 2020. “Este é um valor alto, considerando-se que se trata dos 12,4% de matas maduras da Mata Atlântica, onde estão os maiores remanescentes, mais bem conservados, com maior estoque de carbono e maior biodiversidade”, diz um trecho do documento.
O Atlas ressalta ainda que 4 estados concentram 90% do desmatamento registrado: Piauí (6.192 ha), Minas Gerais (3.193 ha), Bahia (2.456 ha) e Mato Grosso do Sul (1.457 ha). Sozinho, o Piauí foi responsável por 42% do total. “Descontando-se o valor deste estado, a queda do desflorestamento no bioma teria sido de 58%, em vez de somente 27%”, diz outro trecho do relatório. 73% do desmatamento ocorreu em áreas classificadas como privadas, 23% em vazios fundiários, 2,1% em assentamentos rurais, 0,9% em áreas protegidas (unidades de conservação, terras indígenas e quilombolas) e 0,6% em área urbana ou de infraestrutura de transportes.
Duas cidades piauienses foram os maiores destaques negativos: Manoel Emídio (3.033 ha) e Alvorada do Gurguéia (2.887 ha), ambas muito à frente da terceira cidade com maior desmatamento, Porto Murtinho, em Mato Grosso do Sul, que registrou 806 hectares de desmate. Todas as 30 cidades com maiores índices estão nos 4 estados citados.
Dos 17 estados com cobertura de Mata Atlântica, 4 registraram alta nos números – Piauí, Mato Grosso do Sul, Ceará e Pernambuco, com os demais apresentando redução. Apesar de ainda estarem entre os maiores desmatadores, Minas Gerais e Bahia registraram queda significativa em seus índices, com ambos tendo 57% de redução em relação a 2022. Santa Catarina e Paraná, que tradicionalmente também ficam entre os líderes de desmatamento, tiveram queda de 86% e 78%, respectivamente.
Por outro lado, os dados do Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD) são mais alarmantes. O sistema, que monitora todos os fragmentos de Mata Atlântica e detecta desmatamentos superiores a 0,3 hectare, registrou 81.353 hectares desmatados em 2023, superior aos 74.556 hectares registrados em 2022. A discrepância entre os números, segundo a SOS Mata Atlântica, se deu por conta de um grande número de pequenas derrubadas, menores do que o Atlas pode detectar, feitas principalmente em regiões de transição de biomas e em encraves de Mata Atlântica no Cerrado e na Caatinga – 69 mil hectares foram desmatados apenas nos encraves.
“É importante entender que, no passado distante, o Brasil era coberto por uma imensa floresta tropical. Ela foi se dividindo a partir das glaciações e mudanças no clima, mas, nesse processo, restaram o que podemos chamar de ‘ilhas’ de vegetação típica da Mata Atlântica dentro de outros biomas, os encraves”, explica Luiz Fernando Guedes Pinto, diretor-executivo da SOS Mata Atlântica.
“Essa perda, mesmo com todas as restrições ao desmatamento estabelecidas pela Lei da Mata Atlântica, inclusive nos encraves, se deu majoritariamente onde há expansão agrícola”, diz a fundação. Para Guedes Pinto, o cenário apresentado pelos dois índices, Atlas da Mata Atlântica e SAD, demonstra, ao mesmo tempo, o sucesso das políticas de conservação na área contínua do bioma, entre o Rio Grande do Norte e o Rio Grande do Sul, e os desafios para conseguir esse mesmo sucesso nas áreas de transição.
“A redução no desmatamento na área contínua em parte da Mata Atlântica é um sinal encorajador de que as políticas de conservação e o monitoramento intensivo estão produzindo resultados positivos, assim como o que temos visto na Amazônia”, disse. “Está evidente que os desafios na Caatinga e, especialmente, no Cerrado são maiores que nunca, assim como a aplicação da Lei da Mata Atlântica nas regiões de transição. Perto do Pampa, na Região Sul, a situação também é preocupante. Alguns dos municípios mais afetados pelas recentes enchentes no Rio Grande do Sul, como Muçum e São Francisco de Paula, fazem parte do bioma Mata Atlântica”, ressaltou.
Para ele, enquanto não houver um olhar integrado para todos os biomas, tanto no que se refere a zerar o desmatamento quanto à priorização da restauração florestal, as crises do clima e da biodiversidade continuarão a se intensificar. “De nada adianta puxar o lençol para a cabeça e descobrir os pés. Menos floresta representa mais desastres naturais, epidemias e desigualdade. Para a agricultura, significa também quebras de safra recorrentes. Qual é o sentido de termos tanta área agrícola se não conseguimos manter a saúde dos ecossistemas que sustentam a produção?”, questiona.
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