O presidente Lula fez um discurso contundente na manhã desta terça-feira (24), na abertura do debate geral da 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas. O combate à crise climática foi um dos temas abordados em uma longa lista de assuntos, mas sua abordagem ao problema deixou a desejar, avaliam organizações ambientalistas brasileiras. “O líder climático que o mundo esperava não deu as caras”, disse o Observatório do Clima.
No discurso, Lula citou os eventos climáticos extremos recentes no mundo, incluindo as enchentes do Sul do Brasil e a seca severa que agora assola o norte do país. Falou também das ações que o governo tem colocado em curso para combater o desmatamento e as queimadas e informou que o anúncio das novas metas climáticas nacionais será feito ainda este ano – o prazo final é fevereiro de 2025.
“É impossível “desplanetizar” nossa vida em comum. Estamos condenados à interdependência da mudança climática. O planeta já não espera para cobrar da próxima geração e está farto de acordos climáticos não cumpridos. Está cansado de metas de redução de emissão de carbono negligenciadas e do auxílio financeiro aos países pobres que não chega”, disse.
O tema da redução no consumo de combustíveis fósseis – acordado na última Conferência do Clima, realizada em 2023 em Dubai, e necessária para conter o caos climático que cada vez mais se agrava – ficou para o final da parte ambiental do discurso e o presidente brasileiro não indicou um compromisso forte do Brasil nesse sentido, apenas repetiu o mantra da justiça climática, considerado defasado diante do agravamento da crise.
“O Brasil desponta como celeiro de oportunidades neste mundo revolucionado pela transição energética […] É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis”, disse.
Diante da situação climática atual, organizações ambientalistas brasileiras esperavam mais.
Para Anna Maria Cárcamo, especialista em política climática do Greenpeace Brasil, a chamada “justiça climática” não deve ser usada como desculpa para a falta de ação de países em desenvolvimento que não deixam de ser grandes poluidores, como é o caso brasileiro.
“Embora considerar a ação climática à luz da justiça e equidade seja crucial, é igualmente importante que isso não seja utilizado como pretexto para permitir a continuidade da exploração de combustíveis fósseis e de modelos de desenvolvimento arcaicos sob o manto do combate à desigualdade, e sim, que se reflita em uma transição justa com financiamento de países desenvolvidos e de empresas de combustíveis fósseis, disse Cárcamo.
“Lula está certíssimo em exigir dos países ricos que cumpram sua obrigação de financiar ações de mitigação e adaptação em países do Sul Global, mas enquanto o Brasil não puser um ponto final nos planos de expansão de combustíveis fósseis, o presidente estará apenas minando sua própria credibilidade como líder climático”, declarou Ilan Zugman, diretor da 350.org na América Latina.
“Lula até que não fez feio nessa agenda em comparação a outros líderes globais. O problema é que medir a própria ambição pela falta de ambição dos outros foi o que nos trouxe à ultrapassagem de 1,5oC nos últimos 14 meses e ao caos climático que vivemos agora. Quem esperava liderança do Brasil se frustrou, mas o presidente ainda terá tempo de demonstrá-la nos próximos meses”, disse Márcio Astrini, secretário-executivo do OC.
Encontro com petrolífera
As críticas foram reforçadas pelo fato de, cerca de 24 horas antes de seu discurso, Lula ter se encontrado com o CEO global da Shell, Wael Sawan. A reunião foi realizada na manhã de segunda-feira (23), também em Nova York, sede da 79ª Assembleia Geral da ONU.
Segundo noticiou o site Poder 360, no encontro, que estava fora da agenda oficial do presidente, Sawan apresentou ao presidente brasileiro um estudo realizado pela petrolífera para a transição energética no Brasil. Nos dois cenários apresentados pela empresa para a descarbonização, a Shell prevê uma expansão da exploração de petróleo e gás na próxima década.
Também durante esta terça-feira acontece no Rio de Janeiro um mega evento da indústria petrolífera, que conta com a participação das maiores empresas do setor, como a própria Shell, mas também a Chevron, Exxon, Equinor e BP.
Magda Chambriard, presidente da Petrobrás, e Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, também compareceram ao evento, que contou com protestos realizados pela sociedade civil contra a exploração de petróleo. A fala do secretário-geral da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), Haitham Al Ghais, chegou a ser interrompida.
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