O Cerrado brasileiro, em seu estado natural, possui belezas somente vistas por poucos e privilegiados exploradores e estudiosos do bioma. Vez por outra, alguns deles têm a sensibilidade de compartilhar suas experiências com o público. Alessandro Abdala, fotógrafo e observador de aves, é uma dessas pessoas. Ele presenteia nossos olhos com o livro “SERRA DA CANASTRA: Refúgio das Aves do Cerrado”, que contém belos registros fotográficos a valiosas informações históricas e culturais sobre a região da Serra da Canastra, em Minas Gerais.
Ao longo de dez anos de trabalho, Alessandro fotografou e pesquisou a fundo o Cerrado mineiro. Ele encontrou, por exemplo, uma das aves mais raras e ameaçadas do mundo, o pato-mergulhão (Mergus octosetaceus), que conta com uma população restante de cerca de 250 indivíduos. Ele também captou raras imagens de uma espécie pouco documentada, o maxalalagá (Micropygia schomburgkii), um tipo de saracura de áreas campestres que é extremamente arisca: “para fotografar essa espécie, eu e um amigo realizamos várias viagens ao Parque Nacional da Serra da Canastra. Durante semanas acordávamos às quatro da manhã, dirigíamos quase 100 km até o ponto onde ela aparecia, para estar no local ao nascer do sol, momento em que a espécie é mais ativa e oferece melhores chances de registro. Foram dias de espera escondidos atrás de um blind (um tipo de rede camuflada) até conseguir o registro que ilustra o livro”, contou ele.
Alessandro conseguiu captar imagens de mais de cem espécies de aves, retratadas em fotos cuidadosamente escolhidas. Dentre os registros mais raros, aves em extinção como a águia-cinzenta (Urubitinga coronata), segundo maior rapinante do Brasil, extremamente ameaçada devido à perda de habitat do Cerrado; o galito (Alectrurus tricolor), curiosa ave endêmica dos campos naturais do cerrado com a qual ele foi premiado no Concurso Avistar Brasil em 2015; o andarilho (Geositta poeciloptera); e o papa-moscas-do-campo (Culicivora caudacuta). “Acredito que tornar essas espécies conhecidas e consequentemente valorizadas pelas pessoas é um importante passo no sentido de criar uma consciência de preservação da rica biodiversidade brasileira”, disse ele.
E vale lembrar que cada foto é fruto de muito esforço, técnica, estudo, muitas andanças (às vezes com chuva e lama) ou muita sorte. Por trás de cada imagem, há uma história. A da foto de capa do urubu-rei (Sarcoramphus papa), por exemplo, foi uma grande aventura e uma prova de amizade, como conta aqui. Segundo ele, o urubu-rei é a sua “espécie da sorte”, pois foi com outra imagem deste animal que conseguiu ser finalista de um dos mais importantes concursos de fotografia de natureza do mundo, o Wildlife Photographer of the Year, do Museu Britânico de História Natural, e a imagem acabou por ser publicada, em destaque, no Handbook of Birds of the World, como conta aqui.
Com esses e muitos outros registros, ele descobriu no Parque Nacional da Serra da Canastra um verdadeiro refúgio para sobrevivência de inúmeras espécies, além de servir de proteção para as nascentes do rio São Francisco. Entretanto, também observou que a região vem sendo seriamente ameaçada, seja por queimadas criminosas frequentes, pela pressão do agronegócio e das mineradoras ou por indecorosas propostas de políticos que pretendem, em nome de interesses escusos, esfacelar a proteção da área. “Dentro do bioma Cerrado, as aves especializadas em viver nos campos naturais são algumas das que mais sofrem ameaças atualmente, como queimadas criminosas e a exploração indiscriminada dessas terras para a agropecuária”, denuncia ele.
Dividida entre a exposição das belezas e o trato das delicadas questões ambientais locais, a obra é o resultado de um trabalho que vai além do mero registro fotográfico, apresentando um panorama do rico bioma Cerrado, numa visão artística que descreve paisagens, plantas, animais, cultura, gente e principalmente as aves da Serra da Canastra, enriquecida por textos explicativos e ilustrações exclusivas. “Como tenho experiência com publicações e formação em design, além de produzir as fotos e os textos, cuidei pessoalmente da diagramação, do tratamento das fotos e do projeto gráfico. Tudo isso resultou num trabalho inédito no Brasil, que combina belas fotografias com um sólido conteúdo histórico, cultural e ornitológico”, explicou Alessandro.
O livro foi lançado em dezembro e, na ocasião, foi iniciada uma exposição itinerante com trinta painéis sobre fauna, flora e paisagens do Cerrado que vem percorrendo diversas cidades mineiras, levando a riquíssima biodiversidade da Serra da Canastra a museus, escolas e outros espaços públicos e privados. “Tem sido muito gratificante ver como o tema tem encantado as pessoas ao visitarem a exposição. Crianças, jovens e adultos se interessam a acabam de alguma forma passando a valorizar mais as questões ambientais”, concluiu.
Sobre o autor
Alessandro Abdala, mineiro de Sacramento (MG), formado em História pela UNESP, é pesquisador e professor de História, fotógrafo premiado e designer gráfico. Também é coeditor da Revista Destaque IN, revista cultural de Sacramento, e dirige a agência Impacto Comunicação, onde desenvolve projetos de cunho editorial.
Como pesquisador, tornou-se profundo conhecedor da região do antigo Julgado do Desemboque, Sacramento e Serra da Canastra, onde atua como guia em viagens exclusivas para observação de vida selvagem no interior e entorno do Parque Nacional da Serra da Canastra. O gosto pela fotografia, que era antigo, aprimorou-se com a vontade de registrar as belezas naturais e as formas de vida silvestre que observava sempre. À paixão pelas aves aliou a técnica fotográfica para produzir imagens que retratam a diversidade das paisagens, flora e fauna do cerrado mineiro.
Atualmente, Alessandro desenvolve projetos nas áreas de educação, design e fotografia, tendo seus trabalhos publicados no Brasil e no exterior.
Livro: “SERRA DA CANASTRA: Refúgio das Aves do Cerrado”
Alessandro Abdala Editora Bertolucci – 248 págs. R$ 120,00 Contatos: Telefone: 34-3351-4549 Mais informações: http://alessandroabdala.com/livro |
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