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Dragar rios da Amazônia para enfrentar seca pode não ser uma boa estratégia

Medida é cara, ruim para o meio ambiente e de pouca eficácia para as populações, diz professor da USP especialista em ecologia de organismos aquáticos

Cristiane Prizibisczki ·
9 de outubro de 2023 · 1 anos atrás

O governo federal anunciou na última semana uma série de medidas de combate à seca que assola o estado do Amazonas. Entre elas está a dragagem dos rios Madeira e Solimões, com o objetivo de recuperar a capacidade de navegação de alguns trechos. A medida, no entanto, pode ser temerária, diz especialista em organismos aquáticos do Instituto de Pesquisas da Amazônia (INPA).

Segundo o pesquisador Jansen Zuanon, professor do Programa de Pós-Graduação em Biologia de Água Doce e Pesquisa Interior do INPA, diante do cenário futuro de agravamento dos eventos climáticos extremos, a dragagem, além de cara, pode se mostrar pouco eficiente, com um alto impacto ambiental.

“O fenômeno das secas severas e dos eventos extremos já é muito mais frequente do que a gente imaginava. E esses rios, como o Solimões e o Madeira, são rios que mobilizam muito sedimento o tempo todo. Então, fazer uma dragagem agora é enxugar gelo, na minha opinião. É resolver um problema momentaneamente, com um custo muito alto, para um problema que vai se repetir em breve, talvez até no ano que vem”, diz.

Segundo o governo federal, no Solimões, a dragagem será feita em área com 8 km de extensão, com custo estimado em R$ 38 milhões e duração prevista de 30 dias. Já os trabalhos no Madeira serão feitos em área de 12 km de extensão, ao custo de R$ 100 milhões e duração de 45 dias.

De acordo com o pesquisador do INPA, a dragagem é até importante em algumas situações especiais, como para escoar peixes mortos ou para religar trechos que ficaram isolados pela seca. A proposta do governo é somente aumentar a navegabilidade.

“No caso de navegabilidade, a não ser que sejam casos muito específicos, me parece que é uma medida de duração muito curta para um custo muito elevado, sem contar os impactos ambientais. Fazer dragagem em uma situação emergencial provavelmente vai ser realizado sem nenhum estudo prévio de impacto ambiental. Não dá tempo. Então, acredito que isso vai ser feito inclusive ao arrepio da legislação, o que é muito triste”, diz.

Segundo ele, seria mais interessante que o governo comparasse custos de suprimento de bens e serviços para as populações afetadas e planejasse com calma as soluções possíveis para as próximas secas que virão. Porque elas certamente virão.

Questionado por ((o))eco sobre a eficácia da medida, o Ministério do Meio Ambiente informou que os impactos ambientais são, de fato, uma preocupação, mas que as obras de dragagem serão realizadas por uma questão humanitária.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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Comentários 1

  1. ARNALDO DOS SANTOS RODRIGUES diz:

    Boa matéria Cristiane PRIZIBISCZKI! As evidências de falta de planejamento e ansiedade em mostrar alguma preocupação, mais que uma propaganda do que uma verdadeira preocupação, é o que estamos acostumados a assistir em casos como esse. As baixas nesses rios não é novidade, a ocorrência deste ano está mais intensa, mas se analisarmos os últimos 10 anos, veremos que essa questão vem sendo cada vez mais constante e, talvez, no próximo ano ainda tenhamos uma seca muito forte e cheias muito além do que se está acostumado. Tudo que se faz às pressas, certamente não segue um protocolo de estudos e, essa prática quando relacionada ao meio ambiente, não dá certo, é um “faz de conta” custoso para o erário público. Tenho acompanhado algumas reportagens televisivas, e uma observação importante que se pode fazer ao analisar detalhes das imagens é a quantidade de resíduos plásticos notados facilmente na região dos rios, essa aberração em áreas tão pouco povoadas e lindeiras às florestas, é indicativo de um problema que merece especial atenção. As imagens mostram palafitas ilhadas em areia coberta por resíduos plásticos, resultado de um descontrole sobre os hábitos e costumes da população local. Talvez agora seja uma boa oportunidade de melhorar a educação sobre os problemas que isso causará a médio e longo prazos. Também poderia ser uma oportunidade de coleta e limpeza mínima desse ambiente. Evidente que terá um custo, no entanto, grosso modo, o resultado será mais eficiente para o meio ambiente, tanto onde vivem as pessoas, bem como, para a biodiversidade ao longo dos cursos d’água. Independente de se tratar de outra pauta, o que analogamente, não é bem isso, trata-se de pensarmos que esses resíduos estão contaminando e vão continuar por séculos agindo diretamente no ambiente local, ou mais adiante, nas praias dos grandes rios ou na foz e, consequentemente, no oceano. A ação de retirada desse lixo plástico e outros derivados poderia colaborar para a mudança de comportamento de uma população que joga os resíduos estranhos ao ambiente, na própria água usada para sua regularidade de vida. Isso parece utópico? Que bom, quando abandonamos a utopia perdemos a referência do real!