Era para ser o lançamento, no Brasil, do relatório que mostra que é possível zerar o desmatamento na Amazônia até 2030, mas mais do que o compilado de informações reunidas pelas organizações Greenpeace Brasil, ICV, Imaflora, Imazon, IPAM, Instituto Socioambiental, WWF Brasil e TNC Brasil, o que chamou bastante atenção no seminário, realizado no dia 24, uma quinta-feira, foi um assunto que tira o sono de muitos cientistas: como popularizar a ciência, causar maravilhamento e atrair grande parte da população para causas socioambientais.
A discussão foi motivada por uma pergunta da reportagem de ((o))eco: “diante de todas as informações importantes do relatório e da urgência do desmatamento ilegal zero, qual é o melhor caminho para fazê-las chegar às pessoas que, atualmente, não se interessam por esse tema?”.
A questão foi inspirada no que diz o cientista Antonio Donato Nobre no relatório O Futuro Climático da Amazônia. Segundo ele, ao falarmos de floresta, deve-se fazer brilhar os olhos. “Todos os esforços devem ser feitos para simplificar a mensagem [científica] sem deturpar-lhe a essência. Antes de tudo, deve-se falar para a sensibilidade das pessoas”, escreveu Nobre.
O evento para o lançamento de “Desmatamento zero na Amazônia: como e por que chegar lá”, mediado pelo jornalista Marcelo Tas, contou com a presença de cerca de 40 pessoas e de palestras dos especialistas Ana Toni, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (ICS); os pesquisadores Eduardo Assad, da Embrapa, Paulo Artaxo, da USP, Paulo Coutinho, do Ipam e Paulo Pianez, diretor de Sustentabilidade do Carrefour Brasil.
A publicação, que foi inicialmente lançada no ano passado durante a 23a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP23), em Bonn, na Alemanha, é um compilado de informações relevantes sobre o tema. Algo que vale a pena lembrar, o Brasil já se recusou a assinar a Declaração de Nova York sobre Florestas, que previa o fim do desmatamento até 2030, durante a cúpula do clima em 2014. Contrariando a própria recusa brasileira de 4 anos atrás, o relatório afirma que acabar com o desmate não apenas é possível, como pode ser feito antes mesmo desta data.
Apesar das possibilidades, a realidade atual é preocupante – a taxa média de desmatamento entre 2013 e 2017 foi 38% maior do que em 2012, ano com a menor taxa registrada. Além disso, a área desmatada da Amazônia já chega a 74 milhões de hectares, uma área mais do que duas vezes maior que o território da Alemanha.
Apoio da sociedade
O fim do desmatamento pede inúmeras medidas e uma delas, como aponta o relatório, é o apoio da sociedade. Fica claro que é necessário que se empodere, cada vez mais, para pressionar o poder público – afinal de contas, também já se sabe, há tempos, que zerar o desmatamento da Amazônia não é somente de responsabilidade de órgãos públicos ou organizações como ONGs, instituto de pesquisa, universidades. É também do cidadão comum.
E como é possível apoiar? Conforme o documento, exigindo o fim de subsídios públicos a desmatadores, a proteção de áreas públicas e a produção sustentável, além de mobilizar-se contra medidas que aumentem o desmatamento. É preciso, também, evitar qualquer apoio a políticos que promovem tais medidas e é claro, evitar votar em qualquer parlamentar que já tenha proposto ou aprovado medida legal em prol da flexibilização da legislação ambiental e da diminuição dos direitos humanos.
Diante da importância que o relatório dá ao apoio da sociedade para que o desmatamento zero seja conseguido, o que ainda não está claro para as organizações que publicaram o documento é “como” fazer estas informações chegarem a pessoas que, atualmente, não se conectam com o tema.
Eduardo Assad, da Embrapa, foi o único a afirmar que a sociedade científica tem “furado a bolha”. Ele enxerga a quantidade de informações produzidas pela ciência como suficientes para atingir um público mais abrangente. Os demais palestrantes, no entanto, não seguiram este mesmo ponto de vista.
O “como” trabalhar a comunicação de dados científicos diante da urgência de zerar o desmatamento de modo que a sociedade brasileira se engaje amplamente, sentindo-se de fato capaz e motivada a agir na direção da proteção da floresta, foi visto como necessário pelos demais. “Precisamos de novas estratégias de comunicação, isso é fundamental”, disse Coutinho.
Uma das soluções apontadas veio do próprio Tas. “Vale a pena reservar uma boa quantidade de dinheiro para a comunicação dentro das ONGs e instituições, senão os dados ficam retidos” – e a realidade atual é que, infelizmente, os recursos para comunicação dentro de diversas organizações foi reduzido, o que deveria ser revisto. Sem uma boa comunicação, não há como mobilizar a sociedade para esta causa. Este tema foi o ponto alto do encontro.
Escolhas
Outras perguntas foram feitas no lançamento, algumas sem resposta. Assad questionou o “zero desmatamento”, dada a permissão para desmatar dentro do próprio “novo” Código Florestal. Zerar significa acabar de uma vez com a destruição da Amazônia, mas, disse ele, “como fazer isso quando a própria lei permite o desmatamento?”.
Ana Toni, por sua vez, enfatizou em mais de uma ocasião a importância de ouvirmos os povos da floresta nos esforços para zerar o desmatamento. “Estamos todos aqui em São Paulo discutindo a Amazônia, mas sejamos realistas, precisamos ouvir as pessoas que estão lá – o que querem, o que pensam, do que precisam?”.
Paulo Coutinho também fez provocações. Perguntou à plateia, com cerca de 50 presentes, quem ali preferia acabar com o desmatamento da Amazônia até 2030 e quem escolheria até 2050. Apenas uma pessoa escolheu a segunda opção, enquanto outras diziam que o fim do desmate não poderia esperar nem até amanhã. Coutinho afirmou, então, que “o desejo move o tempo” e que resolver a questão depende de vontade política e de um verdadeiro engajamento dos demais setores da sociedade.
Sua colocação reforça outro alerta feito por Antonio Nobre no relatório O Futuro Climático da Amazônia, onde afirma que “o desmatamento zero, que já era urgente há uma década, ainda é colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante. O retardamento decisório está nos prazos dilatados para metas e ações que deveriam ser urgentes”.
A pressa em alcançar a meta tem a ver com o chamado ponto de não retorno da floresta – ou seja, de tanto desmatamento, a Amazônia está perdendo resiliência e se não agirmos rápido, poderá não dar tempo de zerar o desmatamento “depois”.
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