Notícias

É preciso sensibilizar as pessoas sobre o desmatamento zero

Como engajar a população sobre a necessidade de proteger a floresta roubou a cena da apresentação do relatório sobre desmatamento zero na Amazônia

Karina Miotto ·
4 de junho de 2018 · 7 anos atrás
Desmatamento da Amazônia visto de cima. Foto: Karina Miotto.

Era para ser o lançamento, no Brasil, do relatório que mostra que é possível zerar o desmatamento na Amazônia até 2030, mas mais do que o compilado de informações reunidas pelas organizações Greenpeace Brasil, ICV, Imaflora, Imazon, IPAM, Instituto Socioambiental, WWF Brasil e TNC Brasil, o que chamou bastante atenção no seminário, realizado no dia 24, uma quinta-feira, foi um assunto que tira o sono de muitos cientistas: como popularizar a ciência, causar maravilhamento e atrair grande parte da população para causas socioambientais.

A discussão foi motivada por uma pergunta da reportagem de ((o))eco: “diante de todas as informações importantes do relatório e da urgência do desmatamento ilegal zero, qual é o melhor caminho para fazê-las chegar às pessoas que, atualmente, não se interessam por esse tema?”.

A questão foi inspirada no que diz o cientista Antonio Donato Nobre no relatório O Futuro Climático da Amazônia. Segundo ele, ao falarmos de floresta, deve-se fazer brilhar os olhos. “Todos os esforços devem ser feitos para simplificar a mensagem [científica] sem deturpar-lhe a essência. Antes de tudo, deve-se falar para a sensibilidade das pessoas”, escreveu Nobre.

O evento para o lançamento de “Desmatamento zero na Amazônia: como e por que chegar lá”, mediado pelo jornalista Marcelo Tas, contou com a presença de cerca de 40 pessoas e de palestras dos especialistas Ana Toni, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (ICS); os pesquisadores Eduardo Assad, da Embrapa, Paulo Artaxo, da USP, Paulo Coutinho, do Ipam e Paulo Pianez, diretor de Sustentabilidade do Carrefour Brasil.

Fonte: Relatório “Desmatamento zero na Amazônia: como e por que chegar lá”. Arte: Márcio Lázaro.

A publicação, que foi inicialmente lançada no ano passado durante a 23a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP23), em Bonn, na Alemanha, é um compilado de informações relevantes sobre o tema. Algo que vale a pena lembrar, o Brasil já se recusou a assinar a Declaração de Nova York sobre Florestas, que previa o fim do desmatamento até 2030, durante a cúpula do clima em 2014. Contrariando a própria recusa brasileira de 4 anos atrás, o relatório afirma que acabar com o desmate não apenas é possível, como pode ser feito antes mesmo desta data.

Apesar das possibilidades, a realidade atual é preocupante – a taxa média de desmatamento entre 2013 e 2017 foi 38% maior do que em 2012, ano com a menor taxa registrada. Além disso, a área desmatada da Amazônia já chega a 74 milhões de hectares, uma área mais do que duas vezes maior que o território da Alemanha. 

Apoio da sociedade

O fim do desmatamento pede inúmeras medidas e uma delas, como aponta o relatório, é o apoio da sociedade. Fica claro que é necessário que se empodere, cada vez mais, para pressionar o poder público – afinal de contas, também já se sabe, há tempos, que zerar o desmatamento da Amazônia não é somente de responsabilidade de órgãos públicos ou organizações como ONGs, instituto de pesquisa, universidades. É também do cidadão comum.

E como é possível apoiar? Conforme o documento, exigindo o fim de subsídios públicos a desmatadores, a proteção de áreas públicas e a produção sustentável, além de mobilizar-se contra medidas que aumentem o desmatamento. É preciso, também, evitar qualquer apoio a políticos que promovem tais medidas e é claro, evitar votar em qualquer parlamentar que já tenha proposto ou aprovado medida legal em prol da flexibilização da legislação ambiental e da diminuição dos direitos humanos.

Divulgação do relatório “Desmatamento zero na Amazônia: como e por que chegar lá”. Foto: Divulgação/Ipam.

Diante da importância que o relatório dá ao apoio da sociedade para que o desmatamento zero seja conseguido, o que ainda não está claro para as organizações que publicaram o documento é “como” fazer estas informações chegarem a pessoas que, atualmente, não se conectam com o tema.

Eduardo Assad, da Embrapa, foi o único a afirmar que a sociedade científica tem “furado a bolha”. Ele enxerga a quantidade de informações produzidas pela ciência como suficientes para atingir um público mais abrangente. Os demais palestrantes, no entanto, não seguiram este mesmo ponto de vista.

O “como” trabalhar a comunicação de dados científicos diante da urgência de zerar o desmatamento de modo que a sociedade brasileira se engaje amplamente, sentindo-se de fato capaz e motivada a agir na direção da proteção da floresta, foi visto como necessário pelos demais. “Precisamos de novas estratégias de comunicação, isso é fundamental”, disse Coutinho.

Uma das soluções apontadas veio do próprio Tas. “Vale a pena reservar uma boa quantidade de dinheiro para a comunicação dentro das ONGs e instituições, senão os dados ficam retidos” – e a realidade atual é que, infelizmente, os recursos para comunicação dentro de diversas organizações foi reduzido, o que deveria  ser revisto. Sem uma boa comunicação, não há como mobilizar a sociedade para esta causa. Este tema foi o ponto alto do encontro.

Escolhas

Outras perguntas foram feitas no lançamento, algumas sem resposta. Assad questionou o “zero desmatamento”, dada a permissão para desmatar dentro do próprio “novo” Código Florestal. Zerar significa acabar de uma vez com a destruição da Amazônia, mas, disse ele, “como fazer isso quando a própria lei permite o desmatamento?”.  

Fonte: Relatório “Desmatamento zero na Amazônia: como e por que chegar lá”. Arte: Márcio Lázaro.

Ana Toni, por sua vez, enfatizou em mais de uma ocasião a importância de ouvirmos os povos da floresta nos esforços para zerar o  desmatamento. “Estamos todos aqui em São Paulo discutindo a Amazônia, mas sejamos realistas, precisamos ouvir as pessoas que estão lá – o que querem, o que pensam, do que precisam?”.

Paulo Coutinho também fez provocações. Perguntou à plateia, com cerca de 50 presentes, quem ali preferia acabar com o desmatamento da Amazônia até 2030 e quem escolheria até 2050. Apenas uma pessoa escolheu a segunda opção, enquanto outras diziam que o fim do desmate não poderia esperar nem até amanhã. Coutinho afirmou, então, que “o desejo move o tempo” e que resolver a questão depende de vontade política e de um verdadeiro engajamento dos demais setores da sociedade.

Sua colocação reforça outro alerta feito por Antonio Nobre no relatório O Futuro Climático da Amazônia, onde afirma que “o desmatamento zero, que já era urgente há uma década, ainda é colocado como uma meta a ser realizada em futuro distante. O retardamento decisório está nos prazos dilatados para metas e ações que deveriam ser urgentes”.

A pressa em alcançar a meta tem a ver com o chamado ponto de não retorno da floresta – ou seja, de tanto desmatamento, a Amazônia está perdendo resiliência e se não agirmos rápido, poderá não dar tempo de zerar o desmatamento “depois”.

 

Saiba Mais

Relatório: Desmatamento zero na Amazônia: como e por que chegar lá

Leia Também 

A transformação da Amazônia em savana pode estar mais perto do que imaginado

Desmatamento encurrala chuva na Amazônia

Em abril, Jamanxim perdeu um Ibirapuera a cada 2,5 dias

 

 

Leia também

Notícias
30 de maio de 2018

Em abril, Jamanxim perdeu um Ibirapuera a cada 2,5 dias

Após meses sem figurar na lista de unidades de conservação mais desmatadas da Amazônia, floresta nacional volta a ser alvo de desmatadores

Reportagens
20 de fevereiro de 2017

Desmatamento encurrala chuva na Amazônia

Aumento da área desmatada em Rondônia nos últimos 30 anos alterou regime de chuvas, mostram cientistas americanos; mecanismo pode ter implicações para produtividade da agricultura

Análises
15 de março de 2018

A transformação da Amazônia em savana pode estar mais perto do que imaginado

Atingindo o ponto de ruptura de 25% de área desmatada, as partes leste, sul e central da Amazônia poderiam passar de florestas a ecossistemas não florestais.O desmatamento atual é de 17%

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.