Com seu corpo fino e coloração marrom, o lagarto amazônico Iphisa elegans passou despercebido por bastante tempo como apenas mais um lagarto entre as cerca de 98 espécies de lagartos amazônicos já catalogados no Brasil. Mas um esforço de revisão taxonômica capitaneado pela pesquisadora pernambucana Anna Mello acaba de revelar que tudo o que se sabia sobre esse bichinho estava errado. Em um artigo que está prestes a se tornar um marco para a pesquisa herpetológica do Brasil, a pesquisadora usa análise morfológica e genética molecular para descrever sete novas espécies de lagartos do gênero.
“Tínhamos algumas evidências de genética molecular que indicavam que os lagartos de diferentes lugares da Amazônia podiam ser na verdade espécies diferentes de Iphisa. Foi através da análise morfológica dos hemipênis desses animais que nós conseguimos identificar que, de fato, eram animais diferentes”, explica.

Para chegar à descoberta das novas espécies, foi necessário um esforço internacional que contou com 22 instituições de ensino e museus ao redor do mundo, entre eles o Museu de História Natural de Nova York, o Museu de História Natural de Paris e o Museu Nacional no Rio de Janeiro, que juntos enviaram 721 amostras para análise da equipe pernambucana. Inicialmente descrito por John Edward Gray em 1851, o gênero Iphisa possui indivíduos muito similares, quase todos possuem por volta de 4 cm de comprimento, possuem duas fileiras de escamas dorsais e são marrons. “Por fora eles eram muito parecidos, mas por dentro não. Nós percebemos que animais de lugares diferentes possuíam diferenças no formato do hemipênis, o que por si só já indica que existe uma diferenciação. Existe uma combinação estilo chave-fechadura no aparelho reprodutor desses animais. Então quando a gente jogou a evidência morfológica para comparar com a genética molecular, notamos que as diferenças batiam com linhagens genéticas específicas, demonstrando ali que se tratava de fato de espécies novas”, explica Anna.
Outro aspecto do trabalho de Anna Mello é a sua decisão de nomear as novas espécies em homenagem aos defensores da Amazônia, incluindo nomes conhecidos como Bruno Pereira e Dorothy Stang.
“A nossa ideia era nomear os bichos de uma forma que fosse ajudar os cientistas a localizar cada um, mas diante da situação socioambiental do Brasil nos últimos anos, principalmente no que se refere à Amazônia, com invasões a Terras Indígenas e queimadas, a gente decidiu homenagear essas pessoas que defendem a Amazônia. A gente escolheu Dorothy Stang, Ivaneide Suruí, Alessandra Korap Munduruku, Kátia Pellegrino e por último já em 2022 a gente resolveu homenagear Bruno Pereira. Os nomes não foram aleatórios, eu escolhi homenagear as pessoas que foram atuantes nas áreas onde cada um dos bichos foi descoberto”, disse.
A reclassificação do gênero Iphisa não apenas enriquece o conhecimento sobre a biodiversidade da Amazônia, mas também ressalta a urgência de preservar os habitats únicos que abrigam essas espécies recém-identificadas. “quando a gente descobre que uma espécie é na verdade sete diferentes que habitam lugares muitos específicos, como é o caso do Iphisa brunopereira que tá só nas margens do Rio Abacaxis, a gente consegue pressionar o governo para a criação de políticas de conservação para essas áreas específicas onde eles ocorrem, além de educar a própria população local a respeito da importância dessas espécies.”
O artigo foi publicado no Zoological Journal of the Linnean Society. Assinam como co-autores da pesquisa Pedro Nunes (UFPE),Renato Recoder(USP),Miguel Rodrigues (USP) e Antoine Fouquet (Université Paul Sabatier).

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Parabéns o lindo estudo!