Lideranças indígenas do povo Rikbaktsa pediram ao estado de Mato Grosso o arquivamento do processo de licenciamento da Usina Hidrelétrica (UHE) Castanheira, no município de Juara (MT). O apelo foi feito em carta entregue à Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema-MT), na terça-feira (11), durante reunião do 1º Acampamento Terra Livre de Mato Grosso (ATL-MT).
Com 140 MW de potência instalada, a UHE deve gerar 98,4 MW de energia firme, segundo o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto. A usina está prevista para ser construída no rio Arinos, que banha a Terra Indígena (TI) Japuíra e Erikpatsa, do povo Rikbaktsa. O curso d’água ainda tem como principal afluente o rio dos Peixes, que cruza a TI Apiaká/Kayabi, onde vivem Apiakás, Kawaiwetes e Mundurukus, além de indígenas isolados.
Se construída, a usina também pode afetar o povo Tapayuna, que ainda não tem seu território demarcado, e outras populações rurais e urbanas de municípios da região. Em Juara (MT), por exemplo, proprietários já se preocupam com o empreendimento.
Na área de abrangência regional do projeto (AAR), ou seja, toda a bacia do rio Arinos, foi confirmada a ocorrência de quase 800 espécies de fauna silvestre, sendo algumas delas endêmicas (restritas) da Floresta Amazônia. Entre os 66 mamíferos registrados, estão ameaçados de extinção: ariranha, anta, onça-pintada, queixada, cachorro-vinagre, tamanduá-bandeira e tatu-canastra. Os dados constam no Relatório de Impacto Ambiental (Rima) da usina.
Ainda conforme o Rima, é esperado que a comunidade de peixes seja alterada tanto na variedade de espécies, quanto na quantidade. “Com o barramento do rio, a migração poderá ser impedida e populações de peixes poderão ficar isoladas, acima ou abaixo da barragem”, diz outro trecho do documento.
Por conta da proximidade com territórios indígenas, a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) também exigiu Estudo de Componente Indígena (ECI) nas TIs Apiaká/Kayabi (distante 19,8 km da UHE); Japuíra (distante 38,9 km); e Erikpatsa (distante 48 km). O documento foi apresentado aos indígenas no ano passado.
Como principais impactos para os povos originários foram apresentados: o potencial aumento da incidência de doenças, drogas e álcool; restrição de acesso a áreas usadas nas atividades produtivas e limitação para obtenção de recursos naturais; interferência na disponibilidade de recursos florestais e nas atividades de caça; conflitos na atividade de pesca; interferência no estoque pesqueiro; interferência nas atividades de pesca de tracajás e coleta de ovos – o que afeta práticas tradicionais –; e a interferência no uso da fauna de caramujos e conchas.
“O rio Arinos faz parte da nossa vida. O rio é fonte de vida, de alimento, coletamos ervas medicinais na beira do rio, tracajás, ovos de tracajás, sementes, castanhas e também dois caramujos que fazem parte do nosso ritual de casamento, o Tutãra e Waibubutsa. Sem o rio perderemos nossa cultura tradicional do casamento”, diz trecho da carta entregue a Alex Sandro Antônio Marega, secretário executivo da Sema-MT, por representantes da TI Japuíra, Escondido e Erikbatsa.
No eixo em que analisou a viabilidade do empreendimento, o próprio ECI concluiu que a usina afetará as áreas onde os indígenas desenvolvem parte de suas atividades produtivas, além de impactar áreas importantes para a manutenção dos recursos naturais necessários ao modo de vida destes povos. “Impactará áreas imprescindíveis à sobrevivência física e cultural dos quatro povos tratados no TR (Termo de Referência) da FUNAI”, diz o documento.
“A presente análise indica a inviabilidade da UHE Castanheira em decorrência da natureza dos impactos que promoverá, tendo em conta a incerteza quanto à efetividade das medidas de compensação e mitigação e, principalmente considerando a sua potencial incompatibilidade com os direitos dos povos indígenas”, acrescenta outro trecho do ECI.
Segundo o Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente (Formad), as reuniões realizadas no ano passado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), empreendedora do projeto, para apresentar o documento são apontadas como sendo a “consulta aos povos”, o que difere do relatado pelos indígenas.
“Quando é interesse político, os governos estadual e federal aprovam e atropelam os processos. A Sema-MT, a nível de Estado, deve seguir os protocolos dos povos indígenas. Quando tem uma consulta bem feita você consegue trazer diagnósticos mais completos. Nossas terras indígenas não podem ser afogadas”, disse a liderança indígena Jaime Rikbaktsa durante a reunião com o órgão ambiental estadual.
“Eu estou aqui pra falar pra Sema-MT não deixar construir não, não deixa acabar com nossos rios, porque se deixar acabar com nossos rios da onde que nós vamos tirar o peixe pra nós sustentar nossas famílias?”, completou Lucinete Mukda, presidente da Associação Indígena das Mulheres Rikbaktsa (Aimurik).
Atualização
A ((o))eco, a Sema-MT confirmou que já recebeu o EIA/Rima do empreendimento, mas que ainda não houve audiência pública para apresentar os estudos. “Até o momento, não há manifestação técnica da pasta quanto à viabilidade ou inviabilidade na aprovação do EIA”, disse à reportagem.
O órgão ambiental estadual também disse que a manifestação da Funai quanto ao ECI também foi juntada ao processo de licenciamento da usina. A pasta não disse qual foi o teor da manifestação do órgão governamental. ((o))eco entrou em contato com a Funai, que não se manifestou.
*Atualizada às 16h13, do dia 13/04/2023, com resposta da Sema-MT.
Leia também
Indígenas denunciam exclusão em discussão sobre hidrelétricas em MT
Audiência que irá discutir usinas próximas à terra indígena acontecerá em formato remoto e impede participação de quem não tem acesso à internet, aponta associação Xavante →
Expedição Tapajós revela fauna ameaçada por hidrelétrica
Expedição do Instituto Chico Mendes fez o mais amplo levantamento já realizado na região do maior mosaico de unidade de conservação da Amazônia e onde se pretende construir nova hidrelétrica →
Audiências remotas de projetos de hidrelétricas são novo risco para Amazônia
Consulta virtual com ribeirinhos e indígenas sobre o projeto da hidrelétrica Tabajara, em Rondônia, foi marcada pelo Ibama para sexta-feira (11), mas Ministérios Públicos Estadual e Federal ajuizaram ação contra o evento →