A gigante da carne Marfrig informou, na quinta-feira (27), ser a favor do fim de um dos maiores gargalos no sistema de rastreabilidade da cadeia da pecuária: a falta de acesso aos dados da Guia de Trânsito Animal (GTA). Ainda que cheia de falhas, a GTA é o principal documento utilizado atualmente para saber se o gado comercializado é proveniente de área com desmatamento ilegal.
“Hoje temos mecanismos de monitoramento que podem ficar mais robustos se a gente conseguir fazer a unificação de algumas bases de dados, que é a GTA e o número do CAR, trabalhando para que essa documentação se torne pública, porém controlada, para que possamos fazer uso disso”, disse Paulo Pianez, diretor de Sustentabilidade e Comunicação da empresa, em entrevista a ((o))eco.
A declaração foi dada durante evento da empresa em São Paulo, em comemoração aos três anos de implementação do programa de sustentabilidade “Marfrig Verde+”. O evento contou com a presença do vice-presidente Geraldo Alckmin, do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, do secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, além de outros políticos, empresários, pesquisadores e atores do setor.
A GTA é o documento oficial para transporte animal no Brasil e contém informações essenciais sobre rastreabilidade, como origem, destino, finalidade, espécie, vacinas, entre outros. Criada originalmente para controle sanitário, a GTA passou a ser o principal documento para rastreio ambiental, quando cruzada com dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e imagens de satélite, que possibilitam saber se os animais do lote indicado na Guia estão em uma área com desmatamento ilegal.
É esse o documento que serve de base para as análises da legalidade da cadeia da carne realizadas pelo Ministério Público Federal, no âmbito do Termo de Ajustamento de Conduta da Carne (TAC da Carne). Negativas dos governos estaduais e de empresas do ramo em abrir os dados da GTA, no entanto, têm impedido a realização de análises mais acuradas e robustas.
Como justificativa, empresas alegam que a abertura do documento exporia dados pessoais dos fornecedores, o que iria contra a Lei Geral de Proteção de Dados (LGDP). Tal alegação já foi refutada por especialista ouvida pelo projeto Radar Verde.
“Não só a Marfrig, o setor frigorífico, no âmbito da ABIEC [Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes], acredita [que dados de GTA deveriam ser abertos]. É óbvio que temos que analisar quais são os riscos disso, porque a GTA por si só não adianta, temos que acoplar o CAR à GTA, então tem uma tarefa de casa que precisa fazer, mas a gente acredita que a GTA hoje é o melhor instrumento disponível de curto prazo para o Brasil dar uma resposta robusta para a rastreabilidade”, complementou Paulo Pianez.
Rastreabilidade dos indiretos
Durante o evento na capital paulista, a empresa também informou que vai fazer “um grande esforço” para adiantar em um ano a meta de rastreabilidade total de sua cadeia, incluindo os fornecedores diretos e os indiretos.
Atualmente, segundo a empresa, 100% de seus fornecedores diretos já são rastreados em todos os biomas em que atua. O rastreamento dos indiretos está em 72% na Amazônia e 71% no Cerrado, diz a Marfrig.
“Nosso compromisso de 100% da rastreabilidade é até 2025, mas vamos fazer um grande esforço para 2024, o mais rápido que a gente consiga. É credibilidade para o Brasil, da nossa imagem para o exterior. É só ligar os elos da cadeia e dar transparência no processo, mas com certeza vamos conseguir”, disse Marcos Molina, fundador da empresa e presidente de seu Conselho de Administração.
A Marfrig é uma das companhias líderes em carne bovina no Brasil e maior produtora de hambúrguer do mundo, com receita líquida de R$ 130,6 bilhões em 2022. Sua capacidade diária de abate é de 30 mil cabeças de gado em suas 32 unidades produtivas na América do Sul e Norte. Além de carne e produtos alimentícios, a empresa também comercializa couro para os mercados doméstico e internacional.
Apesar de seus compromissos com a sustentabilidade, a Marfrig não é signatária do TAC da Carne no Pará, estado com o segundo maior rebanho bovino do país e um dos maiores em número de plantas frigoríficas.
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