A Comissão Mista da Medida Provisória 1.308/2025 aprovou, nesta terça-feira (2), o parecer que transforma em lei a chamada Licença Ambiental Especial (LAE), mecanismo que permite acelerar a autorização de grandes obras classificadas como “estratégicas” pelo governo e pelo Congresso.
A decisão ocorre em meio à crescente pressão de parlamentares para flexibilizar normas ambientais e menos de uma semana após a derrubada dos vetos presidenciais ao projeto conhecido por especialistas como “PL da Devastação”. O movimento acende um alerta entre organizações socioambientais e povos indígenas, que denunciam riscos ampliados aos territórios, aos modos de vida tradicionais e à proteção da Amazônia.
O relatório aprovado, de autoria do deputado Zé Vitor (PL-MG), mantém a estrutura central da LAE: um único procedimento de até 12 meses para licenciar obras de grande porte, substituindo as tradicionais três fases do licenciamento ambiental.
O parlamentar argumentou que o texto “evita subjetividades” e traz “clareza técnica”, especialmente em atividades como dragagens e operações portuárias. Também afirmou que buscou corrigir “discursos errados” sobre o uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), garantindo que a modalidade não será usada para autorizar mineração. O relator defendeu ainda que o mecanismo confere “segurança jurídica” e que a MP atende aos critérios de urgência e relevância.
Entre as alterações incorporadas ao parecer, estão pontos considerados críticos por ambientalistas: a ampliação das atividades dispensadas de licenciamento, a possibilidade de autolicenciamento para determinados tipos de mineração, incluindo garimpo de diamante, e a criação de atalhos para destravar obras historicamente contestadas, como a pavimentação da BR-319 (Manaus–Porto Velho).
Para especialistas, as mudanças concentram poder político nas decisões sobre licenciamento, reduzem a capacidade técnica dos órgãos ambientais e abrem margem para aprovar empreendimentos de alto impacto sem análise adequada dos danos cumulativos, especialmente em áreas sensíveis da Amazônia.
Durante a plenária de apreciação do relatório, o deputado Nilto Tatto (PT-SP) chamou atenção para os riscos de judicialização da proposta e criticou a fragilidade das audiências públicas hoje realizadas em processos de licenciamento que, segundo o parlamentar, não garantem que comunidades afetadas tenham acesso prévio e adequado às informações dos empreendimentos, como está previsto na Convenção 169 da OIT.
Tatto destacou ainda que o teto de 12 meses para o licenciamento pode ser insuficiente para projetos complexos, lembrando que o gargalo não está nos profissionais responsáveis, mas no “desmonte institucional” dos órgãos ambientais nos últimos anos: “Se o órgão puder licenciar em um mês, ele licencia em um mês. O problema é impor prazos que não dialogam com a realidade”.
Em nota técnica, o Observatório do Clima afirma que o pacote de mudanças nos processos de licenciamento no Brasil, que incluem não só a MP em questão, mas também a derrubada dos vetos ao PL da Devastação, tornam o processo de licenciamento uma exceção, e não regra, em um momento em que o país deveria reforçar suas salvaguardas ambientais e climáticas
“O Congresso comete um atentado histórico contra a saúde e a segurança dos brasileiros, contra o clima e contra o nosso patrimônio natural”, afirmou Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas da rede.
Organizações indígenas também denunciaram que o texto da MP ignora a consulta livre, prévia e informada, aprofundando a vulnerabilidade de povos e comunidades já pressionados por invasões, violência e conflitos fundiários.
Com a aprovação na Comissão Mista, a MP segue agora para votação nos plenários da Câmara e do Senado, na próxima quarta-feira (3), em meio a uma correlação de forças que têm privilegiado propostas de desregulação ambiental. Para especialistas, a continuidade da tramitação da MP 1.308/2025 consolida uma guinada institucional que ameaça marcos essenciais de proteção socioambiental no país, com consequências diretas sobre a Amazônia, seus territórios e populações tradicionais.
Leia também
Ecocídio no Congresso Nacional
Derrubada da maioria dos vetos à lei sobre licenciamento ambiental privilegia interesses econômicos em detrimento do meio ambiente →
Congresso corrompeu as bases da gestão ambiental brasileira
Ex-dirigente em órgãos públicos afirma que as mudanças impostas ao licenciamento forçam o país a abrir mão de critérios comuns por uma colcha de retalhos regulatória →
Mortífero presente: quem ganha com o fim do licenciamento ambiental no Brasil?
A agenda antiambiental, que prossegue e se aprofunda, é a agenda do mundo corporativo que se expande contra todos os outros mundos sociais e ecológicos possíveis →




