A Assembleia Legislativa do Mato Grosso (ALMT) desferiu, na quarta-feira (30), um perigoso golpe contra o meio ambiente do estado. Na data, os parlamentares tentaram passar um projeto de lei complementar que muda o código ambiental matogrossense, com o objetivo de recategorizar formações vegetais com características de floresta, reinterpretando-as como pertencentes ao bioma Cerrado.
Se aprovada a proposta, a porcentagem de área que precisa ser preservada em uma propriedade rural cai de 80% para 35%, colocando 14 milhões de hectares de floresta no Mato Grosso sob risco.
O texto dos parlamentares apareceu de surpresa, por meio de um substitutivo apresentado em cima da hora. O projeto original, PLC 18/2024, de autoria do Executivo, propunha apenas uma mudança na base dos dados para fins de aplicação do Código Ambiental do Estado. Considerado positivo por organizações ambientalistas, o Projeto de Lei Complementar foi apresentado em 22 de maio deste ano.
Na quarta-feira (30/10), no entanto, um substitutivo ao texto passou a jato pelas comissões temáticas da Casa e foi a Plenário, tendo sido aprovado em primeira votação. O substitutivo altera significativamente a classificação oficial das tipologias de vegetação no estado.
Segundo o texto dos parlamentares, passam a ser considerados como pertencentes ao bioma Cerrado as savanas florestadas, conhecidas como “cerradão”, as florestas estacionais semideciduais, as florestas estacionais sempre-verdes e as áreas de transição entre diferentes formações vegetais, chamadas de ecótonos.
Segundo uma “denúncia pública” que está sendo elaborada por professores de instituições de pesquisa matogrossenses, entre elas a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e a Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat), a proposta da Assembleia Legislativa desconsidera mapeamentos oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e ignora metodologia científica nacional de classificação da vegetação brasileira, estabelecida no Mapa de Vegetação do Brasil, referência aprovada e adotada em todas as políticas ambientais e de gestão territorial do Brasil.
“Ignorar essa metodologia gera insegurança jurídica e permite interpretações distorcidas da classificação vegetacional, abrindo precedentes perigosos para a manipulação da cobertura vegetal em outros estados. […] A proposta representa um retrocesso no avanço da legislação ambiental e um grave risco à conservação dos ecossistemas brasileiros”, diz o texto prévio da denúncia, ao qual ((o))eco teve acesso.
Manobra do legislativo
O Projeto de Lei Complementar 18/2024 constava na ordem do dia de quarta-feira, mas, segundo o Fórum Popular Socioambiental do Mato Grosso (Formad), os parlamentares usaram um outro projeto – a PEC 12/2022, conhecida como “PEC das UCs” – como bode expiatório para que a proposta em questão entrasse para votação sem alarde.
Bastante acompanhada por organizações da sociedade civil, a PEC 12/2022 também tem grande potencial destrutivo ao meio ambiente, por criar entraves para criação de novas áreas protegidas no estado. Quando tal proposta entrou na pauta, os alarmes foram acionados.
“A PEC 12/2022 entrou ‘de surpresa’ na ordem do dia, chamando a nossa atenção e nos mobilizando para alertar sobre o retrocesso absurdo que ela representa. Mais surpreendente ainda foi que a ‘PEC das UCs’ acabou não sendo discutida, e o PL 18/2024 colocado para apreciação com um novo substitutivo”, explica a consultora jurídica do Observa-MT, Edilene Amaral.
O substitutivo do PL 18/2024, mencionado por Edilene Amaral, foi costurado internamente entre parlamentares da base governista e um parecer favorável à mudança do texto original acabou sendo aprovado em primeira votação.
Em outra manobra, no período da tarde, a Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ) se reuniu durante a sessão e o projeto já entrou em segunda votação com novo substitutivo e parecer favorável da Comissão.
Ele só não foi para segunda votação por um pedido de vista dos deputados Lúdio Cabral e Valdir Barranco, ambos do PT. Segundo a Formad, se fosse ao Plenário ele certamente seria aprovado, “devido ao empenho da base governista em ‘legalizar o ilegal”.
Segundo apurou ((o))eco, um novo substitutivo – igualmente negativo e que mantém os retrocessos do anterior – deve ser votado na próxima quarta-feira (6/11).
À reportagem, a assessoria jurídica do deputado Lúdio Cabral informou que o parlamentar irá aguardar o novo substitutivo para definir quais serão os próximos passos dentro da Casa Legislativa.
Fora dela, no entanto, a sociedade civil organizada já se prepara para frear a proposta. Além da elaboração de um documento técnico por parte da sociedade científica matogrossense, organizações ambientalistas já estão se mobilizando para judicializar o projeto, caso seja aprovado.
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