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Navio-tanque Voyager I é o novo suspeito do derramamento de óleo do Nordeste

Em audiência da Comissão Externa Derramamento de Óleo no Nordeste na Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (21), pesquisadores atualizaram informações sobre a origem do óleo

Carolina Lisboa ·
21 de novembro de 2019 · 5 anos atrás
O Voyager I é o novo suspeito de ser o responsável pelo derramamento. Foto: Martoyas Yuri/MarineTraffic.com.

Pesquisadores de universidade federais e da empresa Hex atualizaram informações e expuseram detalhes de suas pesquisas sobre a origem do óleo que contamina o litoral nordestino desde agosto. Em audiência na Comissão Externa Derramamento de Óleo no Nordeste, realizada nesta quinta-feira (21) na Câmara dos Deputados, o meteorologista Humberto Barbosa, coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), revelou um novo suspeito de ser o responsável pelo derramamento: o navio-tanque Voyager I, que vinha se comportando como um navio fantasma durante o período do suposto vazamento.

Segundo Barbosa, o satélite que forneceu as imagens utilizadas nas investigações, o Sentinel 1-A, é a melhor tecnologia de mapeamento de desastres disponível, sendo capaz de detectar o óleo através de um padrão de assinatura associado às manchas. “Realizamos inicialmente uma varredura entre o Maranhão e o sul da Bahia, inserindo as imagens do Sentinel no Sistema de Informações Geográficas. Detectamos uma grande mancha com mais de 90 km de extensão e 1 km de largura na altura de São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte, no dia 24 de julho de 2019. Essa data foi crucial para contestarmos a versão da Marinha de que o navio Bouboulina foi o responsável pelo derramamento, já que ele passou pelo local onde havia a mancha somente dois dias depois. Fizemos ainda outra varredura nas imagens do dia 19 de julho e encontramos uma segunda grande mancha, entre 50 e 80 km da costa da Paraíba”.

Com base nessas imagens, o pesquisador analisou as rotas de 111 navios cargueiros que passaram na região durante o mês de julho e concluiu que o Voyager I teve um comportamento incomum, o que pode indicar que foi o responsável pelo vazamento de óleo no Nordeste. “Analisamos os quatro navios gregos suspeitos e concluímos que não houve relação direta deles com as manchas. Já o Voyager I teve um comportamento suspeito, por ter desligado o transponder [equipamento que permite o rastreamento em tempo real do percurso da embarcação] entre os dias 1º de julho e 13 de agosto, ficando invisível para rastreadores de embarcações como a Marine Traffic. Nesse período, a embarcação teria se comportado como um navio fantasma. Contudo, o Sentinel é capaz de detectar as embarcações fantasmas e dessa forma conseguimos chegar ao navio. Estamos entregando um dossiê com todas essas informações à Polícia Federal e à Marinha do Brasil, para auxiliar nas investigações”, informou o pesquisador.

Nesta quinta-feira (21) foi realizada audiência pública da Comissão Externa Derramamento de Óleo no Nordeste na Câmara dos Deputados. Foto: Jailson Sam/Câmara dos Deputados.

Leonardo Barros, diretor-executivo da empresa HEX Tecnologia Geoespacial, explicou que os resultados contidos no relatório da empresa, que levaram à suspeita de que o navio Bouboulina seria o responsável pelo derramamento,  difere dos do Lapis em relação à linha de investigação. “Trabalhamos em cima de uma mancha de óleo do dia 29 de julho, a 700 quilômetros do litoral brasileiro. O polígono e a mancha dos nossos relatórios são diferentes, portanto, os indicativos são distintos e não conclusivos”. Barros explicou que a empresa produziu quatro modelos, coerentes e correlacionados entre si. “Fizemos análises espectrais e ópticas e investigamos embarcações com AIS [Automatic Identification System, sistema de monitoração de curto alcance utilizado em navios e Serviços de Tráfego de Embarcações] ligados, ou seja, não investigamos navios fantasmas ou dark ships. Acreditamos que todos os indicativos gerados, desde que embasados metodologicamente, devem ser investigados”.

Já Alberto Wisniewski Jr., professor do Departamento de Química da Universidade Federal de Sergipe, conduziu uma análise do óleo encontrado nos tambores de óleo que apareceram na costa de Sergipe e do Rio Grande do Norte no mesmo período em que começaram a surgir as manchas nas praias. “A Marinha havia divulgado que os óleos dos tambores e das praias não eram os mesmos, mas nós utilizamos uma técnica de análise mais recente e diferente da convencional utilizada pela Marinha e concluímos que os óleos têm um parentesco, ou seja, o evento que liberou óleo na costa é o mesmo que liberou os tambores”. A pesquisa também concluiu que o óleo não é proveniente das plataformas de petróleo de Sergipe, pois tem características diferentes das do estado. Wisniewski defendeu na audiência que os tambores de óleo podem ajudar nas investigações.

Para Paulo Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a principal preocupação agora é saber quanto óleo ainda vai chegar à costa e em qual praia. “Estamos diante de uma agressão à nação e do maior desastre ecológico do tipo. Temos que aprender com a crise para, na próxima, responder em tempo inferior. E é preciso, sobretudo, gerar informações para os pescadores e comunidades atingidas. Por isso, estamos coordenados e unidos para dar respostas à sociedade”.

Durante a audiência, os pesquisadores foram unânimes em afirmar que é preciso desenvolver um sistema de monitoramento contínuo da costa, e que esse vazamento não é um caso isolado, pois derramamentos de óleo ao longo do litoral brasileiro são recorrentes. “Esse evento gerou uma grande mobilização da sociedade brasileira e mostrou ao mundo que temos capacidade de apurar incidentes complexos, mas precisamos desenvolver um sistema de monitoramento da nossa costa para podermos dar uma resposta mais rápida e precisa da próxima vez que algo do tipo acontecer”, alertou Leonardo Barros.

A versão da Marinha

 A Marinha do Brasil contesta as conclusões da investigação realizadas pelo Lapis. Em nota de esclarecimento publicada no dia 18, informou que os estudos do Centro de Hidrografia da Marinha concluíram que “a hipótese apresentada não geraria o espalhamento de manchas que foi observado em nosso litoral, principalmente no sul do estado da Bahia e norte do estado do Espírito Santo”. O documento informa ainda que o Ibama, por meio de geointeligência, considerou que “não existem elementos científicos para afirmar que a feição linear escura encontrada nas imagens de radar apresentadas pelo Lapis trata-se de vazamento de óleo, sendo provável que seja fenômeno natural formado pelo rastro de um navio”.

Para a Marinha e para o governo brasileiro, o principal suspeito continua sendo o navio grego Bouboulina. Contudo, a Delta Tankers, empresa proprietária do navio, nega ser responsável pelo vazamento. Uma análise independente feita pela Skytruth, uma organização dos Estados Unidos que reúne entre seus fundadores empresas e organizações como Google e Oceana, também concluiu que o Bouboulina não é a provável fonte do óleo que vem aparecendo nas praias do Brasil.

O navio 

O navio-tanque Voyager I é de bandeira das Ilhas Marshall e está registrado em nome da Gulf Marine Management (Deutschland) GmbH & Co. KG, empresa com sede em Hamburgo, na Alemanha. Antes de se chamar Voyager I, o navio teve outros cinco nomes, desde 2005: DS Voyager, Leo Glory, Leo GLH, Crude Sun e Violando.

O Voyager I tem um volume interno de 160.100, quase o dobro do Bouboulina, que é de 84.844. Ele costuma ser usado para transportar petróleo da Venezuela para a Ásia. Como as exportações de petróleo cru venezuelano estão sob sanção dos Estados Unidos desde o início do ano, alguns navios desligam o sistema da rastreamento para ocultar o destino do produto. De acordo com a Marine Traffic, a embarcação zarpou de Puerto José, na Venezuela, no dia 8 de novembro, e está a caminho de Singapura, na Ásia.

 

 

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  • Carolina Lisboa

    Jornalista, bióloga e doutora em Ecologia pela UFRN. Repórter com interesse na cobertura e divulgação científica sobre meio ambiente.

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