“O Brasil está testemunhando um processo de circulação do vírus da febre amarela fora da sua área endêmica – a região Amazônica, no norte do país – desde 2014. Não temos ferramentas para prever se haverá ou não um novo surto, mas todos os estados do Sul estão se preparando para uma possível chegada”, revela Marco Antônio Barreto de Almeida, biólogo da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul, que trabalha com vigilância de febre amarela desde 2001 e tem doutorado sobre o tema.
“Em 2014 houve o registro de morte de primatas no Tocantins. Exames de laboratório revelaram que o vírus da febre amarela causou a morte desses animais. No ano de 2017 houve um caso humano de febre amarela em Goiás – em 2016 foram três óbitos e em 2015, seis casos com quatro mortes humanas. Depois disso, o vírus continuou se propagando e progredindo em ambiente natural, até a situação que vemos hoje”, explicou Almeida. “Em 2019, estamos conseguindo captar e registrar evidências de circulação do vírus fora da sua área de ocorrência natural, a região Amazônica, que geralmente registra um ou dois casos humanos por ano. Fora dessa região, passamos por períodos maiores ou menores sem circulação do vírus”, acrescentou.
Novos casos
Segundo o pesquisador, o vírus ainda está circulando em São Paulo, assim como no ano passado. “A novidade é a circulação do vírus no Paraná, detectada agora no final de janeiro: no município de Antonina, há casos de pessoas com febre amarela e primatas que morreram pela doença; em Adrianópolis, houve caso humano da doença”, revelou Almeida. “Como a situação vai progredir e o que acontecerá daqui pra frente, não temos ferramentas para fazer uma previsão a respeito. Todos os estados do Sul estão se preparando para uma possível chegada do surto, inclusive o Rio Grande do Sul. Se vai chegar, é uma grande incógnita. Qualquer cenário é possível: o vírus pode parar de progredir para a região Sul ou pode continuar progredindo. O que o Ministério da Saúde e os Estados estão fazendo é se preparar para essa possível chegada”.
Prevenção
O pesquisador esclarece ainda que a única forma de evitar que as pessoas adoeçam é pela vacinação: “No mundo ideal, com todas as pessoas vacinadas, ninguém adoeceria. No cenário real, com um pequeno percentual da população vacinada, é preciso intensificar a vacinação. Isso é o que muitos estados fazem quando se veem diante da chegada do vírus numa área onde ele normalmente não circula. Claro que há formas de evitar contato com o mosquito, como usar repelente ou roupa de manga comprida e não entrar em áreas de mata sem estar vacinado, mas a única forma de prevenção realmente efetiva e eficiente é a vacinação”.
Vigilância de primatas
“É necessário que consigamos aliar a vacinação e a vigilância da morte de primatas nessas situações”, alerta o pesquisador. “Em todas as situações que conhecemos – e é o esperado – é que sempre teremos primeiro a morte de primatas e depois o adoecimento de pessoas, porque o vírus está circulando em ambiente natural. O vírus vai fazendo um caminho dentro de áreas de mata onde ele vai progredindo e infectando os mosquitos que, por sua vez, podem se deslocar para outras áreas e infectar macacos. Quando uma pessoa não vacinada entra nesse ciclo, ou seja, tem contato com mosquitos infectados em área silvestre, ela vai adoecer”, esclareceu ele.
O pesquisador explica ainda que as duas estratégias precisam caminhar juntas: vigiar os primatas para perceber a aproximação do vírus de forma antecipada, antes que as pessoas adoeçam e, numa outra ação, vacinar as pessoas. “A vigilância de primatas permite que se perceba a chegada do vírus com antecedência e que se faça uma vacinação mais ‘‘cirúrgica’’, ou seja, que se possa colocar o esforço de vacinação onde há primatas morrendo e vírus circulando”.
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