![Criticamente ameaçado de extinção, epidemia de febre amarela pode dizimar espécie. Foto: Peter Schoen/Flickr.](https://i0.wp.com/www.oeco.org.br/wp-content/uploads/2017/01/muriqui-1024x683.jpg?resize=640%2C427)
A epidemia de febre amarela não ameaça apenas os humanos. Populações inteiras de primatas já foram dizimadas por surtos da doença ao longo da história. A atual epidemia, que acomete as zonas rurais de Minas Gerais e Espírito Santo já matou quase 100 macacos, a grande maioria bugios (Alouatta). O município de Caratinga (MG), onde fica localizada a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Feliciano Abdala, lar da população de muriquis-do-norte mais estudada do país, está no epicentro do atual surto de febre amarela. Especialistas temem que a doença atinja a população já ameaçada de extinção.
A preocupação não é infundada: primatas são muito vulneráveis ao contágio da doença. Se a taxa de mortalidade em humanos chega a 50% em infectados não tratados, em primatas ela ultrapassa 90%, o que torna os animais indicativos perfeitos de que a região está sendo atingida pela epidemia.
A febre amarela é uma doença infecciosa febril aguda, causada por um vírus e transmitida unicamente por mosquito. A contaminação se dá quando uma pessoa (ou macaco) é contaminada pelo vírus e em seguida mordida por um mosquito, que passará a ser o transmissor da doença. Na região rural, o transmissor normalmente é o mosquito Haemagogus ou Sabethes. Nas cidades, o vetor é o famoso Aedes aegypti. Desde 1942 não é registrado a ocorrência de febre amarela urbana no país.
A silvestre, que ocorre em regiões rurais ou de mata, nunca deixou de ocorrer. O último grande surto, em 2009, causou a morte de mais de 2 mil bugios no Rio Grande do Sul, falecidos ao contrair a febre ou mortos. Por ignorância, é comum primatas serem abatidos em surtos de febre amarela, acusados de serem os causadores da doença. Não são.
![Bugio morto a tiros em Manhuaçu, Minas Gerais. Confundidos como causadores da febre amarela, muitos primatas são assassinados durante surto de febre amarela. Foto: Portal Caparaó/Facebook](https://i0.wp.com/www.oeco.org.br/wp-content/uploads/2017/01/Bugio.jpg?resize=400%2C240)
“Os primatas são os nossos sentinelas, eles que estão indicando que a doença está ali e que pode atingir os humanos. Se pensar direito, os macacos mal servem de reservatório [do vírus] porque acabam morrendo muito rápido. Os humanos, por terem mais resistência, é que vão permitindo que o mosquito que os pica possa transmitir o vírus para outra pessoa”, explica o primatólogo Fabiano Rodrigues de Melo, professor da Universidade Federal de Goiás e um dos maiores especialistas do país em Muriquis.
O vírus, letal para os primatas, já causou a extinção de populações inteiras ao longo da história. Segundo Melo, já foi verificada a existência de mata fechada sem nenhum primata para contar a história e sem sinal de que a extinção local foi causada pela caça. A nova epidemia, que aparentemente ainda não atingiu a população de Muriquis, preocupa os especialistas. Uma mortandade em regiões como no leste de Minas Gerais e na Serra do Espírito Santo, onde atualmente há casos registrados de febre amarela, poderá colocar em risco a preservação da espécie como um todo, que sem a epidemia já é considerada criticamente ameaçada de extinção. Existem menos de mil muriquis-do-norte soltos na natureza.
Uma das alternativas para proteger os primatas, principalmente os muito ameaçados, seria a vacinação dessa população. Como fazer e quanto custa uma operação de vacinação de primatas ainda precisa ser estudado, mas a discussão será levada para o XVII Congresso Brasileiro de Primatologia, que será realizada em agosto, em Goiás. Ação já usada na África em gorilas, a vacinação de populações de primatas livres na natureza pode ser uma boa alternativa para evitar a perda desses animais.
“Diante das ameaças, diante de populações tão pequenas, se a gente perde populações como essa de Caratinga […], talvez valha a pena a gente tentar prevenir vacinando os bichos, mesmo que custe caro. É algo a se estudar”, defende Melo.
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Pouco conhecido, o muriqui-do-sul tem projeto de conservação em São Paulo, a duas horas da capital. Rio de Janeiro tem cerca de 160 indivíduos da ameaçada espécie. →
Esse é tema que deveria estar ganhando manchetes em MG e ES. Excelente oportunidade para aliar conservação e bem estar humano. Sugiro que as ONGs conservacionistas acionem suas assessorias para trabalhar melhor este tema.
A questão da febre amarela silvestre no Brasil não é assunto de hoje. Já em 1932 ela foi descoberta no Vale do Canaan, arredores de Santa Teresa, no Espírito Santo. Durante vários anos (1935-1949), patrocinado pelo Serviço Internacional de Saúde da Fundação Rockefeller, o governo brasileiro desenvolveu estudos envolvendo vertebrados silvestres em diversos estados brasileiros na tentativa de levantar possíveis hospedeiros. Inúmeros artigos foram publicados atestando a ocorrência do vírus circulando em primatas. Grandes mestres nesse assunto como Hugo W. Laemmert, H.W. Kumn, David E. Davis e vários outros brasileiros e estrangeiros, infelizmente, foram esquecidos. No meu laboratório (Seção de Mamíferos) no Museu Nacional/UFRJ, existem milhares (!) de espécimes, inclusive primatas que foram depositados após o encerramento das pesquisas. Na FIOCRUZ caixas e caixas de registros contando a história desse trabalho, bem como vísceras de animais e humanos, estão lá preservados. A questão não é falta de pesquisas, mas discernimento e humildade de aproveitar o duro trabalho de uma legião de cientistas que a duras penas enfrentaram o sertão na procura das espécies e no tratamento dos enfermos. Essa demagogia agora de querer responsabilizar o rompimento da barragem de Mariana como sendo o responsável pelo problema, nada mais é do que tentar empurrar um assunto que continua sendo arrastado sem solução pelos governos. Não me surpreenderia se a febre amarela silvestre aparecesse novamente em Mangaratiba, Teresópolis e alguns outros municípios do estado do Rio de Janeiro, pois tanto o vetor como o macaco continuam existindo nas mesmas áreas onde foi detectada a doença, nas décadas de 1930-1940. A meu ver o problema é questão de saúde pública que deveria ser conduzida de maneira responsável e objetiva.
Espero que não esperem que não esperem que os muriquis comecem a morrer antes de fazerem uma campanha de vacinação. O Brasil tem uma tradição de manejo contemplativo, olhando os bichos se extinguirem enquanto a academia e o ICMBio fazem workshops