Após o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), marcar para esta semana a votação do projeto de lei que institui o novo marco geral do licenciamento, organizações ambientalistas, a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional) e nove ex-ministros do Meio Ambiente vieram a público reclamar da falta de transparência e diálogo do Congresso em votar um texto que sequer foi objeto de audiência pública. Para os ambientalistas, o novo marco do licenciamento é “a boiada das boiadas”.
O projeto de lei está marcado para ser votado nesta terça-feira (11), a partir das 15h.
Ao todo foram publicadas três cartas, cada uma de um grupo, contra a votação repentina de um dos principais pilares da legislação ambiental, sem a apresentação e discussão com a sociedade do novo texto. O PL 3.729/2004 estava sendo relatado pelo deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) desde 2019. O deputado chegou a apresentar ao menos 4 versões do seu relatório final. Sem conseguir costurar um acordo com os ambientalistas, o projeto ficou parado na Câmara, por decisão do então presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ). Após a eleição de Arthur Lira, o projeto passou a ser relatado pelo deputado Neri Geller (PP-MT), que ocupa a vice-presidência da Frente Parlamentar da Agropecuária, o grupo que representa a bancada ruralista no Congresso.
O texto final do novo marco foi tornado público na página de tramitação do projeto apenas nesta segunda-feira (10).
Treze atividades impactantes dispensadas de fazer licenciamento
As organizações Observatório do Clima, SOS Mata Atlântica, Instituto Socioambiental (ISA), Greenpeace Brasil, Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) e WWF Brasil tiveram acesso ao relatório antes da Câmara torná-lo público e analisaram o que as mudanças significam. Para as organizações, o texto foi construído a portas fechadas e se trata da pior versão do projeto, que tramita desde 2004.
“Considerando o seu conteúdo extremado e desequilibrado, o projeto de lei, se aprovado, resultará na proliferação de tragédias como as ocorridas em Mariana e Brumadinho (MG), no total descontrole de todas as formas de poluição, com graves prejuízos à saúde e à qualidade de vida da sociedade, no colapso hídrico e na destruição da Amazônia e de outros biomas”, escreveram.
Segundo o documento, o projeto de lei quer dispensar do licenciamento treze atividades impactantes, como: “Obras de serviço público de distribuição de energia elétrica até o nível de tensão de 69 kV; sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário, um dos maiores responsáveis pela poluição hídrica, inclusive dispensando-se a outorga de direito de uso de recursos hídricos para o lançamento do efluente tratado; serviços e obras direcionados à manutenção e melhoramento da infraestrutura em instalações pré-existentes ou em faixas de domínio e de servidão, incluindo dragagens de manutenção, podendo abarcar ampla gama de empreendimentos de significativo impacto, de estradas a hidrelétricas; usinas de triagem de resíduos sólidos; pátios, estruturas e equipamentos para compostagem de resíduos orgânicos; usinas de reciclagem de resíduos da construção civil. Pelo que consta do projeto, a população passará a conviver com o lixo na porta de sua casa, ante a dispensa de controle de diversas atividades relacionadas aos resíduos sólidos. Também ficam expressamente dispensados de licença: o cultivo de espécies de interesse agrícola, temporárias, semiperenes e perenes; a pecuária extensiva e semi-intensiva; e a pecuária intensiva de pequeno porte”.
As organizações também reclamam da licença autodeclaratória, emitida sem análise prévia do órgão ambiental responsável, que no atual texto passa a ser a regra do licenciamento no país.
“É absurdo votar um tema tão relevante, complexo e com altíssimo grau de
divergência em plena crise sanitária, quando o Parlamento deveria concentrar seus esforços na votação de matérias e no acompanhamento de ações governamentais de controle da pandemia. Não pode ser votada agora, ainda mais no plenário da Câmara dos Deputados, uma proposta como a da Lei Geral de Licenciamento Ambiental que impacta praticamente todas as atividades socioeconômicas e os direitos de todos/as os/as brasileiros/as, especialmente diante de um texto construído às escondidas entre o relator e representantes de alguns setores econômicos, sem que a sociedade tenha qualquer conhecimento prévio e possa debater com seriedade e profundidade o conteúdo”, afirmam. Leia a carta na íntegra.
Carta da Ascema
A Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional) também fez uma carta pública se posicionando contra a votação do projeto de lei. Para a associação, o texto atual representa “a certidão de óbito do licenciamento ambiental no Brasil”.
“O projeto patrocinado pela Bancada Ruralista, e pelo que de mais atrasado há no desenvolvimentismo à sociedade brasileira, transforma o licenciamento com base em Estudos de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) em mera exceção. O texto a ser votado é obcecado em estabelecer exceções e atalhos para o licenciamento ao invés de fortalecê-lo enquanto instrumento de promoção de sustentabilidade”, diz a Ascema, que pede a retirada de pauta do projeto e a reconstrução de um diálogo e participação pública para permitir a construção de um novo desenho da lei. Leia a carta na íntegra.
Carta dos ex-ministros
Os ex-ministros do Meio Ambiente Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, José Goldemberg, José Sarney Filho, Marina Silva e Rubens Ricupero também lançaram uma carta endereçada ao presidente da Câmara, Arthur Lira, para que promova mais debates antes de pautar o projeto sobre o novo marco do licenciamento no plenário da Câmara.
Para os ex-ministros, a proposta ora apresentada aumenta a insegurança jurídica e afugenta investidores. “O caráter de urgência não pode ser motivado, como parece ser, pela oportunidade da Pandemia e da votação em plenário em regime de deliberação remota, sem um amplo e transparente debate com a sociedade sobre as aqui questionadas inovações oferecidas pelo relatório”, escrevem as autoridades, que se colocam à disposição do Congresso para participar de debates para a construção de um projeto “que de fato atenda aos interesses maiores da Nação e não se transforme apenas num cheque em branco para grupos minoritários dentro de setores que continuam defendendo o atraso e retardando o desenvolvimento sustentável do nosso País”, escrevem.
A carta dos ex-ministros apresenta um anexo com uma análise sobre pontos controversos do projeto de lei que precisam ser revistos. Veja no quadro a seguir:
Pontos graves que transformam o PL em Lei Geral do Não-Licenciamento / Auto Licenciamento:
• Art. 8º: Propõe uma extensa lista com treze dispensas de licenciamento para atividades impactantes, como por exemplo: obras de serviço público de distribuição de energia elétrica; sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário, inclusive com dispensa de outorga de direito de uso de recursos hídricos para o lançamento do efluente tratado; serviços e obras direcionados à manutenção e melhoramento da infraestrutura em instalações pré-existentes ou em faixas de domínio e de servidão, com impactos graves na indução de desmatamentos em regiões como a Amazônia; usinas de triagem de resíduos sólidos; pátios, estruturas e equipamentos para compostagem de resíduos orgânicos; usinas de reciclagem de resíduos da construção civil com potencial impacto em regiões urbanas, sobretudo nas periferias afetando comunidades carentes.
• Art. 9º: Também ficam expressamente dispensados de licença: o cultivo de espécies de interesse agrícola, temporárias, semiperenes e perenes; a pecuária extensiva e semi-intensiva; além da pecuária intensiva de pequeno porte.
• Art. 3º, XXVI, e art. 21: Estabelecem a licença auto declaratória (LAC – Licença por Adesão e Compromisso), figura criada para atender aos empreendimentos de baixo impacto ambiental e pequeno porte, que poderá ser emitida automaticamente sem qualquer análise prévia pelo órgão ambiental, e que passará a ser a regra do licenciamento no país, inclusive de médio impacto e porte. A proposta afirma que todo e qualquer empreendimento não qualificado como de significativo potencial de impacto, ou seja, a maioria absoluta do licenciamento no Brasil (que não passa por EIA/Rima), pode ser licenciado mediante esta modalidade automática e sem controle prévio, podendo abarcar todo tipo de empreendimento impactante, incluindo barragens de rejeitos como as que se romperam em Mariana e Brumadinho (MG);
• Art. 11: Ainda será aplicada a licença auto declaratória à ampliação de capacidade e à pavimentação em instalações pré-existentes ou em faixas de domínio e de servidão, o que abrange empreendimentos cuja implantação historicamente causa mais de 95% do desmatamento na Amazônia, como a pavimentação ou a ampliação de estradas e a ampliação de hidrelétricas, os quais poderão ser realizados sem a adoção de qualquer medida destinada a conter o impacto do desmatamento e da grilagem de terras no bioma;
• Art. 4º, § 1º, e art. 17, § 1º: Delegação para autoridades e órgãos estaduais e municipais de praticamente todas as definições complementares à lei, resultando na aplicação do licenciamento de forma muito distinta entre estados e municípios, e mesmo decisões caso a caso, o que inviabiliza a segurança jurídica de empreendimentos, a proteção ambiental e a padronização da legislação, além de abrir margem a atos de corrupção e barganha política;
• Art. 4º, § 1º, e art. 8º, III: Permissão para estados e municípios dispensarem atividades impactantes de licenciamento ambiental, gerando uma corrida pela flexibilização ambiental entre esses entes para atrair investimentos sem respeito à legislação;
• Art. 13, §§ 1º, 2º e 5º: Dispensa de adoção de medidas para conter impactos de empreendimentos sobre o desmatamento, a saúde pública e outros bens resguardados pelo Poder Público;
• Art. 8, VII, e Art. 16: Inúmeras restrições à aplicação da Política Nacional de Recursos Hídricos, mediante a dispensa de outorga de recursos hídricos, podendo um empreendimento ser licenciado sem a necessária garantia de disponibilidade de recursos hídricos, além do descontrole sobre o lançamento de efluentes;
• Art. 16: Dispensa ao empreendedor de garantir conformidade com a legislação municipal pertinente, mediante a exclusão da certidão de uso, parcelamento e ocupação do solo urbano;
• Art. 39, I, ‘a’, e art. 40, I, ‘a’: Exclusão da análise de impacto e da adoção de medidas para prevenir danos sobre todas as Terras Indígenas que ainda não tenham sido efetivamente demarcadas, o que representa cerca de um quarto do total;
• Art. 39, I, ‘c’, e art. 40, I, ‘c’: Eliminação da análise de impacto e da adoção de medidas para prevenir danos sobre todos os Territórios Quilombolas que ainda não tenham sido titulados, o que representa 87% do total;
• Art. 39, III, e art. 40, III: Exclusão da análise de impactos diretos e indiretos sobre Unidades de Conservação, abrindo caminho para a sua destruição e inviabilizando a proteção ambiental, com impactos nefastos sobre a biodiversidade;
• Eliminação da Responsabilidade Socioambiental das instituições financeiras rebaixando seu papel à mera consulta sobre vigência de licenças;
• Permissão para renovação automática da licença ambiental por mera autodeclaração de conformidade do empreender, sem qualquer verificação sobre o cumprimento das condicionantes ambientais.”
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Os “ambientalistas”, desde 01/01/19, todos e tudo e sempre (e tantos) só fazem reclamar da destruição do meio ambiente no Brasil. É um mimimi sem fim.
A destruição em marcha acelerada. E para reverter depois vai ser muito difícil… é estarrecedor! tudo o que se faz pelos bilhões que jorram para os aliados…. tem que recorrer ao STF no mínimo, nossa vida corre perigo.
Tomara que seja aprovado, só pelo teor das cartas radicais dos que estão reclamando. Pedem diálogo mas só vivem reclamando de tudo e fazendo de vítima. Bem feito!
E sobre a carta da Ascema, é um absurdo chamar isso de manifestação de uma associação. É simplesmente o texto do Denis escrito, o cara é um suposto presidente e totalmente autoritário. Os servidores não ficam sabendo desses lixos de texto.