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Parecer do Ibama aponta legalidade da importação das girafas pelo BioParque

O documento assinado por analistas ambientais explica ainda que as girafas não foram retiradas da natureza e que a tramitação para importação dos animais seguiu toda a legislação vigente

Duda Menegassi ·
8 de fevereiro de 2022 · 3 anos atrás

A morte de três das 18 girafas importadas pelo BioParque da África do Sul e a seguinte ação da Polícia Federal junto ao Ibama que terminou na apreensão das mesmas, envolveu em polêmica todo o rito burocrático por trás da vinda dos animais ao Brasil. Um parecer elaborado pela Coordenação de Comércio Exterior do Ibama, entretanto, afirma que os procedimentos de importação das girafas cumpriram toda a legislação vigente e que, ao contrário do que foi especulado, os animais não teriam sido retirados da natureza. O parecer é uma resposta à solicitação do Ministério Público Federal por esclarecimentos sobre eventuais irregularidades no caso.

O parecer técnico nº 3/2022-COMEX/CGMOC/DBFLO, ao qual ((o))eco obteve acesso, é assinado por oito analistas ambientais do Ibama, e conclui que o órgão ambiental federal “seguiu os procedimentos legais para autorizar a importação das girafas”, de acordo com todos os fluxos estabelecidos, ouvidos todos os órgãos competentes e conforme a legislação vigente. E que a morte dos animais deve ser apurada, mas que o fato é posterior ao processo de importação e não tem relação com o processo autorizativo.

“Os fiscais signatários estavam acompanhando o desembarque dos animais na chegada no aeroporto e no momento, não apontaram nada de anormal, irregular, inadequado ou qualquer irregularidade no processo autorizativo”, descreve o parecer, que informa que no relatório dos servidores consta que não foram encontradas inconformidades na documentação e na operação de manejo dos animais. 

A chegada das girafas no Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, ocorreu no dia 11 de novembro de 2021, e foi acompanhada por três fiscais da Superintendência Regional do Ibama no Rio de Janeiro (Supes-RJ).

Do aeroporto, as girafas seguiram em caminhões para o Zoológico Portobello, em Mangaratiba, onde os animais cumpririam a quarentena exigida pelos protocolos sanitários estabelecidos pelo  Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). De acordo com o relatório dos fiscais, o Ministério estava presente durante a chegada dos animais para averiguar a questão sanitária – assim como o cumprimento das normas de tamanho de recinto para quarentenários, cuja definição e autorização são competência do MAPA.

Recinto em que a PF encontrou as girafas apreendidas. Foto: Polícia Federal/Divulgação

Inicialmente, o período de quarentena iria ser cumprido no próprio zoológico do Rio, mas foi alterado para o Zoo Portobello justamente para possibilitar o cumprimento das exigências do Ministério da Agricultura e realizar a quarentena em local isolado. Em manifestação à época, o Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (Inea-RJ) afirmou que o espaço possuía condições adequadas para receber os animais.

“Essas manifestações e a confirmação e o de acordo da Supes RJ de que estava ciente de que a quarentena dos animais seria feita no Zoológico Portobello, inclusive das aprovações do MAPA e do INEA” foram consideradas suficientes para que a Coordenação de Comércio Exterior do Ibama autorizasse o processo, explica o parecer.

Após a realização da quarentena das girafas, parte iria pro BioParque (zoológico do Rio), parte seria direcionada ao jardim zoológico Hotel Portobello Safári e outra parte para o Zoo Pomerode, em Santa Catarina (estabelecimento autorizado pela FATMA, órgão ambiental estadual), com os devidos registros no Sisfauna.

De acordo com o inquérito policial instaurado pela Polícia Federal após operação no Zoo Portobello, no final de janeiro, os policiais federais e os analistas ambientais do Ibama que acompanhavam a ação constataram situação de maus-tratos dos animais. As 15 girafas foram então apreendidas pelo Ibama.

A origem das girafas

O documento destaca ainda que é necessário esclarecer o que significa o código ‘W’ para a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Silvestres Ameaçadas de Extinção (CITES), de acordo com seus três anexos. O anexo II, do qual a girafa faz parte, “permite a exploração da espécie na natureza por meio de manejo sustentável, ou seja, o manejo da espécie na natureza possui a classificação W. Ainda, a autoridade administrativa somente emite a licença de exportação, caso tenha certeza de que a exploração do espécime tenha ocorrido de maneira sustentável”, detalha o parecer técnico do COMEX/Ibama.

De acordo com o documento, as girafas foram nascidas em vida livre em uma fazenda com manejo sustentável, com controle de população, “sendo considerados como excedentes no recinto. Ou seja, mesmo que os animais sejam considerados de vida livre (código W), é equivocada a afirmação de que os animais foram capturados na natureza, como afirma o parecer fiscalizatório”, explicam os analistas.

Eles destacam que o Brasil possui uma legislação mais restritiva nesse campo, onde espécies da fauna não podem ser manejadas na natureza para fins comerciais. “Contudo, se a África do Sul permite esse manejo da fauna silvestre em fazendas, somente nos resta observar as normativas brasileiras relativas à importação”, apontam.

Foram apresentadas todas as licenças e permissões de exportação das autoridades da África do Sul, além da emissão da licença CITES, concedida pela autoridade administrativa do país sul-africano.

Acusação de venda das girafas

O parecer técnico também responde a acusação de que a importação das girafas visava a venda de animais entre diferentes zoológicos. No parecer, os analistas reforçam que a não comercialização dos animais pelo zoológico foi pré-requisito para a emissão da licença de importação.

Parte da denúncia se baseia numa disparidade de valores de recibos, onde as girafas estariam orçadas em 9,5 mil dólares cada, mas nos requerimentos o valor que aparece é de 11.288,25 dólares por animal, uma diferença de 1.788,25 dólares. 

Os analistas alertam que não é possível concluir que a diferença seria uma remuneração pelo serviço ou uma margem de lucro inserida pelo exportador. “O fato é que esta informação não é requisito da análise técnica de um pedido de importação. O que nos atemos é na declaração do importador de que a importação não tem fins comerciais. Caso haja venda comercial dos animais após a importação, e não sendo possível prever tal transação no momento da autorização administrativa da importação, caberia a fiscalização agir e tomar as medidas cabíveis contra o importador”.

O parecer ressalta ainda que a legislação brasileira (Lei nº 7.173/83) deixa claro que as finalidades sócio-culturais e objetivos científicos dos jardins zoológicos não são descaracterizadas pela simples cobrança de ingresso, ou seja, não configura fins comerciais. Assim como a Portaria nº 93 do Ibama, de 1998, diferencia zoológicos de criadouros com fins comerciais.

“Ainda, o BioParque assinou termo para elaboração de grupo de Trabalho juntamente com a Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil – AZAB, que ratificou o compromisso de fins conservacionistas”, aponta o parecer.

Em nota enviada ao ((o))eco, a AZAB informa, entretanto, que “a decisão de trazer as girafas foi uma prerrogativa das próprias instituições envolvidas. Além disso, não há, no momento, nenhum programa consolidado para conservação de girafas no âmbito da AZAB”.

As girafas trazidas pelo BioParque no Zoo Portobello, em Mangaratiba. Foto: BioParque/Divulgação

Devolução das girafas para África do Sul?

No final de janeiro, o Ibama foi notificado pelo Ministério Público Federal a devolver as girafas para vida livre no país sul-africano. Os custos dessa operação transoceânica de transporte 15 animais de grande porte ficarão “às expensas do importador ou do próprio Ibama”, como descreve a recomendação do MPF, que solicita que a devolução seja feita da forma mais rápida e segura possível a um centro de resgate ou reserva ecológica de vida livre, sendo vedada a transferência para outro lugar do Brasil ou outro país.

Entre as demais recomendações do MPF está a suspensão imediata dos processos de importação de qualquer animal da fauna exótica requeridos pelo Zoológico do Rio de Janeiro, ou por qualquer outro empreendimento do Grupo Cataratas, assim como dos zoológicos Pomerode (SC) e Portobello. O MPF também solicita que o BioParque apresente esclarecimentos quanto ao manejo dos animais e sobre o confinamento das baias após os 15 dias previstos para a quarentena.

Conforme apurado por ((o))eco, até o momento, as girafas permanecem no mesmo local, em Mangaratiba, pois dado o grande porte do animal – que pode passar de 5 metros de altura – ainda não há um local adequado para recebê-las. O estado do Rio de Janeiro tem um único Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas-RJ), para onde vão animais oriundos de apreensões, porém não há espaço no centro para receber as girafas.

Em sua manifestação, o Ministério Público Federal pediu ainda que o BioParque comprove o valor pago por cada animal, além de apresentar cópias de acordos de cooperação da empresa com outras entidades no âmbito da conservação de girafas.

De acordo com a avaliação global da IUCN, as girafas (Giraffa camelopardalis) são consideradas vulneráveis à extinção, com uma população silvestre em forte declínio nos últimos 30 anos.

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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Comentários 1

  1. Julioreis diz:

    E o tempo passa e nada é solucionado, depender dessa burocracia e velocidade dessas instituições essas girafas nao resistirao !!!