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‘Preferi sair a aceitar certas condições’, diz Cláudio Dutra, ex-Inea

De volta à Rio Águas, Cláudio Dutra diz que saída do Inea foi opção pessoal e defende valorização de funcionários de carreira do órgão ambiental

Emanuel Alencar ·
15 de outubro de 2019 · 5 anos atrás
O engenheiro Cláudio Dutra volta ao comando da Rio-Águas. Foto: Emanuel Alencar.

Na noite da última quinta-feira (10) o engenheiro Cláudio Dutra, 46 anos, se encontrou com o governador Wilson Witzel durante a vitória do Flamengo sobre o Atlético Mineiro, num camarote do Maracanã. A foto do encontro foi postada em uma rede social por Dutra, que deixa o comando do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) depois de nove meses. O gesto é um recado claro: ele sai mas mantém o prestígio com o governador. Em entrevista a ((o))eco, numa espaçosa sala de um prédio do bairro de Botafogo, sede da Fundação Rio-Águas, Dutra diz que tinha a opção de seguir no Inea, mas que preferiu sair, ao se negar a aceitar “certas condições”. Como este site publicou, o órgão ambiental fluminense, que completa uma década neste 2019, passa por profundas transformações por conta de pressões políticas. O novo presidente do Inea, o administrador de empresas Carlos Henrique Vaz, foi nomeado nesta terça-feira (15).

Com a nomeação, aumenta a ascendência de Lucas Tristão, secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, na gestão ambiental do Rio. Advogado, Tristão defendeu o empresário Mário Peixoto, investigado pela força-tarefa da Lava Jato por contratos com o governo do Rio ainda na gestão de Sérgio Cabral Filho e Luiz Fernando Pezão. O filho do ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado, Jonas Lopes Neto, já afirmou em delação que recebeu uma mesada do empresário. Peixoto nega as acusações.

Sem filiação partidária, Cláudio Dutra volta ao comando da Rio-Águas e tem um abacaxi pela frente: o combate às enchentes de verão. “O Crivella me ligou e pediu para eu voltar, disse que sou ‘da casa’”, conta.

*

Como avalia sua passagem de nove meses à frente do Inea? Como deixa o órgão?

Tínhamos a missão de fazer diferente, de mudar a imagem do órgão. Escutava que o Inea não funcionava, que era travado, durante todo o processo de transição [de governo estadual]. Deixamos as coisas funcionando, os funcionários motivados. O trabalho e o sistema que lá existiam eram os verdadeiros culpados, não o corpo técnico, não os funcionários.

Você sai decepcionado ou tranquilo, sabedor de que as questões políticas sempre ditam os rumos?

“O Inea tinha 24 barcos para fiscalização, mas nenhum funcionava. Botei 10 para funcionar”

Saio com sensação de dever cumprido. O que nos dispusemos a fazer foi feito, e o mercado diz isso. Tinha a vontade de colocar o corpo técnico que fosse funcional, dos funcionários, no comando. Fizemos. Cem por cento das seis diretorias [do Inea] eram comandadas por funcionários do Estado; conseguimos resgatar o que o funcionário quer: ser ouvido. A minha gestão foi ouvir a opinião de todos. Nosso trabalho cresceu. O Inea tinha 24 barcos para fiscalização, mas nenhum funcionava. Botei 10 para funcionar. Um na região de Angra. Reativamos a Coordenadoria de Estudos Ambientais (Ceam), para licenças de grande impacto. Criamos a Diretoria de Segurança Hídrica, com funcionário da Casa à frente. Juntamos na diretoria o que é mais importante para o Estado: um profundo estudo sobre todas as bacias hidrográficas do Estado. Reduzimos o passivo dos licenciamentos. Reativamos contratos junto à Caixa para obras na Região Serrana. Foram nove meses de uma gestão que mostrou que a gente consegue fazer. Questões políticas sempre existem, né? Houve algumas questões e eu preferi sair a aceitar certas condições. Foram nove meses, mas parece que foram nove anos…

Em dado momento, o senhor se viu sem espaço? Ana Lúcia Santoro fica fragilizada?

Existia a opção de continuar, mas algumas coisas foram propostas e eu decidi sair, numa decisão conjunta com minha família. Foram questões pessoais. Quanto à secretária, eu fui chamado para ser braço direito dela. Dar um apoio a ela, até por conhecer a máquina pública. O tempo foi passando e, no fim das contas, ela falou para mim: “Acho melhor você ficar no Inea”. Ela então me apresentou ao governador. Ela nunca teve envolvimento político nenhum, não teve apadrinhamento, sua escolha foi totalmente técnica. Creio que sim [que Ana Lúcia fica fragilizada], mas ela está fazendo um bom trabalho.

O senhor teme algum retrocesso com sua saída?

Dutra e o governador do Rio. Witzel. Foto: reprodução.

É um órgão que não é fácil trabalhar. As mudanças acontecem, faz parte do dia-a-dia do gestor. Sempre me posicionei que estava como presidente do Inea. A única coisa que sou é engenheiro civil, concursado. Essa minha ida ao Inea serviu para eu ter o entendimento de que é possível sim avançar em saneamento. Mas é preciso botar a cara. Linhas de financiamento existem. Desejo [ao novo presidente do Inea] sucesso. Que funcione e que dê certo. Estou à disposição de todos. Os funcionários têm condições de fazer diferente, independentemente de quem seja o presidente ou os novos diretores. Mesmo se eu permanecesse quatro anos, quem fica, no fim das contas, é o funcionário concursado.

Antes de aceitar o desafio de comandar o Inea o senhor se aconselhou com ex-presidentes do órgão?

Dos ex-presidentes do Inea, tenho mais afinidade com o Firmino [ex-superintendente da Câmara Metropolitana]. É um grande lutador das questões de saneamento básico. Temos algumas divergências naturais. Questões técnicas mesmo. Tenho um carinho muito grande por ele, e conversamos bastante antes de eu ir para o governo.

Firmino tem defendido as galerias de tempo seco (coleta de esgotos que caem nas galerias pluviais) para tratamento dos esgotos no entorno da Baía de Guanabara. Qual a sua opinião?

O Rio é uma cidade com configuração geográfica muito específica, está entre o mar e a montanha. Então eu não faria o tempo seco em todas as áreas, essa é uma divergência que tenho com o Firmino. O tempo seco não funciona a contento da forma com que somos cobrados em saneamento. Em Portugal 90% é tempo seco, mas chove muito pouco em comparação ao Rio. Devemos fazer composições, mas o tempo seco não resolve tudo.

Qual a sua opinião sobre a privatização da Cedae?

“Para mim a Cedae devia ser a dona da questão da água. O Estado tem que ser o detentor da gestão da água. Não pode passar para terceiros.”

Se a gente for ver a lei de saneamento (Lei nº 11.445) é dos municípios a responsabilidade do saneamento. Para mim a Cedae devia ser a dona da questão da água. O Estado tem que ser o detentor da gestão da água. Não pode passar para terceiros. O restante, a distribuição e a coleta e tratamento de esgotos, deve ser municipal. Não necessariamente privado. Defendo um modelo semelhante ao que existe em Niterói. A regulação do saneamento é inexistente, e é preciso fortalecer a agência reguladora, que não funciona como deveria. Então vejo a Cedae como detentora da captação e do tratamento macro, com os municípios optando por contratos específicos. Com a própria Cedae, com autarquias próprias ou por concessão dos serviços.

Como está o licenciamento do Comperj?

Para retomar o licenciamento foi assinado um TAC (trabalho liderado pelo promotor de Justiça Tiago Veras). Vamos retomar as antigas licenças prévia e de instalação, em função de mudanças feitas pelo Comperj. Vão fazer uma unidade de processamento de gás natural e numa segunda etapa estão previstas outras ampliações. A refinaria talvez nem aconteça. Acho importante retomar aqueles investimentos.

Qual a sua relação com o governador?

É uma excelente pessoa. Da parte dele, eu acho que ele sentiu um pouco [a saída de Cláudio do Inea]. São opções que escolhemos na vida. O retorno à Rio Águas é algo importante. É uma demonstração de que o espírito público sempre vence.  Minha missão é atender a população.

Como se sente voltando para a Rio Águas? 

O Crivella me ligou e pediu para eu voltar, disse que sou ‘da casa’. O desafio é encarar as enchentes do verão. O corpo técnico da Rio águas é muito bom [são cerca de 350 funcionários]. Um terço do que existia no Inea.

*

 

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  • Emanuel Alencar

    Jornalista e mestre em Engenharia Ambiental. É autor do livro “Baía de Guanabara – Descaso e Resistência” (Mórula Editorial) e assessor de Comunicação na Prefeitura do Rio

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