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Puxadas pelo desmatamento, emissões brasileiras crescem duas vezes mais do que média global

Brasil falha no cumprimento da Política de Mudanças do Clima, mostra relatório. Emissões aumentaram 40% desde que país se comprometeu a reduzi-las

Fabio Pontes ·
23 de março de 2023 · 1 anos atrás
Acordo de Paris
Notícias sobre os acordos climáticos de Paris.

As elevadas taxas de desmatamento da Floresta Amazônica, registradas principalmente durante os quatro anos de governo Jair Bolsonaro (PL), fizeram com que o Brasil aumentasse a sua participação global na emissão de gases do efeito estufa e, consequentemente, no aquecimento do planeta. Apenas em 2021, último ano em que os dados foram computados, o país emitiu 2,4 bilhões de toneladas brutas de gás carbônico equivalente (CO2e), um aumento de 12,2% em relação a 2020, quando foram lançados na atmosfera 2,1 bilhões de CO2e.

Os dados fazem parte do mais recente relatório Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), elaborado pelo Observatório do Clima, e divulgado nesta quinta-feira (23). 

Este é o segundo pior resultado em quase 20 anos de aferição, ficando atrás apenas de 2003, quando foram lançados na atmosfera três bilhões de toneladas de CO2e. O crescimento da poluição produzida pelo Brasil em 2021 é duas vezes superior à média global estimada para aquele ano (5%). 

Dos 2,4 bilhões de toneladas de carbono emitidas, 1,19 bilhão têm como origem o desmatamento ocorrido em todos os biomas do país. Em comparação com 2020, a poluição oriunda da chamada mudança de uso da terra e florestas (MUT) cresceu 18,5%. A quantidade supera as emissões do Japão – uma das maiores potências industriais e poluidoras do mundo.  

Sozinha, a Amazônia respondeu por 77% das emissões brutas de gases do efeito estufa oriundas da MUT. Em 2021, não por acaso, o bioma registrou a pior taxa de desmatamento em 15 anos, conforme os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE): 13.038 km2. Em 2020, a área derrubada também já tinha sido elevada: 10.851 km2.

Somando as emissões por desmatamento e outras mudanças de uso da terra com as do setor agropecuário, o relatório aponta que, em 2021, a atividade agropecuária respondeu por 74% de toda a poluição climática brasileira. 

O aumento do rebanho bovino fez com que somente a agropecuária ficasse na segunda posição entre os maiores emissores de gases do efeito estufa: 601 milhões de toneladas de CO2e. 

Em terceiro lugar com mais contribuição está o setor de energia, com 435 milhões de toneladas de CO2e; um ano antes foram 387 milhões. Foi a maior alta observada desde 1973, quando o Brasil estava no auge de seu “milagre econômico” da ditadura militar (1964-1985).   

A “década perdida”  

Os dados sinalizam que o Brasil ficou longe de cumprir a meta de redução do desmatamento da Amazônia estabelecida no Plano Nacional sobre Mudança do Clima (PNCM). Aprovado em 2010, o plano trazia como meta a redução de 80% na destruição da floresta tropical até 2020.

Assim, o relatório elaborado pelo Observatório do Clima define o período 2010-2020 como a “década perdida” do Brasil no combate às mudanças climáticas. 

“Esses números indicam que, embora a PNMC tenha produzido inovações importantes no ordenamento legal brasileiro e criado instrumentos para mensuração de emissões e combate à mudança do clima, do ponto de vista da atmosfera, a década de 2010 foi perdida para o Brasil”, afirma o documento do OC.

A organização também alerta que os resultados da “década perdida” fazem com que o país comprometa as metas assumidas no âmbito do Acordo de Paris (NDC), em 2015. A contribuição brasileira seria a de diminuir as emissões em 37% até 2025, em relação a 2005. O Brasil deveria começar a tirar do papel as suas metas da NDC em 2021. 

Para que isso fosse possível, no entanto, o combate ao desmatamento deveria ter sido adotado como política principal, diz a organização. Todavia, o governo Bolsonaro não só adotou a estratégia de “deixar a boiada passar” com o desmonte da agenda ambiental, como executou uma “pedalada” para as metas assumidas no Acordo de Paris. O truque consistiu em aumentar as emissões do ano-base (2021) sem ajustar os percentuais.   

“Desde que o SEEG começou a publicar as estimativas anuais das emissões há 10 anos, observamos uma trajetória ascendente, culminando no recorde em 2021. A expectativa para a próxima década é observar uma reversão, puxada pela redução e até a eliminação do desmatamento”, afirma David Tsai, coordenador do SEEG. 

Desde a campanha eleitoral de 2022, o agora presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tinha como uma das principais promessas a reconstrução da agenda ambiental do país. 

Desde que assumiu o cargo ele fala em desmatamento ilegal zero na Amazônia. Se de fato o novo governo conseguir reduzir a devastação não só da Amazônia, como também do Cerrado e Pantanal, o país pode diminuir suas contribuições para o aquecimento global. 

  • Fabio Pontes

    Fabio Pontes é jornalista com atuação na Amazônia, especializado nas coberturas das questões que envolvem o bioma desde 2010.

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